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Maternidade da UFRJ é referência no acolhimento ao luto gestacional

Organização e sensibilidade orientam protocolos técnicos

Isabela Vieira — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 01/11/2025 — 16:00
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro (RJ), 30/10/2025 – Enfermaria da Maternidade Escola da UFRJ, em Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Uma mater­nidade públi­ca na zona sul da cidade do Rio de Janeiro se tornou refer­ên­cia no atendi­men­to a famílias enlu­tadas depois da morte de um bebê na ges­tação, no par­to ou nos primeiros dias de vida. Neste out­ubro, mês que, pela primeira vez, pau­ta o luto gesta­cional, neona­tal e infan­til no Brasil, a Mater­nidade Esco­la da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro abriu suas por­tas para apre­sen­tar como faz o acol­hi­men­to de pacientes e como vem evoluin­do suas práti­cas há pelo menos 15 anos, ape­sar dos desafios.

Em agos­to deste ano, pas­sou a vig­o­rar a políti­ca de human­iza­ção do luto mater­no e parental, que deter­mi­na um atendi­men­to respeitoso, que ajude na recu­per­ação das pes­soas que pas­saram por esse trau­ma. A políti­ca traz uma série de deter­mi­nações às mater­nidades públi­cas e pri­vadas, incluin­do a pos­si­bil­i­dade das famílias poderem ter um últi­mo momen­to com a cri­ança, bater fotos ou rece­berem reg­istros como as dig­i­tais do pez­in­ho e poderem se des­pedir. Tam­bém foi deter­mi­na­da a pos­si­bil­i­dade de reg­is­trar o nome do bebê na cer­tidão de óbito, e se for do inter­esse da família, enter­rar ou cre­mar.

Na mater­nidade da UFRJ, esse momen­to de des­pe­di­da ocorre em um local difer­en­ci­a­do, chama­do “morge”, que, muitas vezes, não é aber­to às famílias nas unidades. Ali, acon­te­cem momen­tos sin­ge­los, mas cheios de afe­to, con­tou a psicólo­ga Paula Zanu­to.

“Nes­ta sem­ana, ocor­reu uma des­pe­di­da que emo­cio­nou toda a equipe. Um pai e uma avó vier­am se des­pedir de um bebê que nasceu a ter­mo, acho que com 38 sem­anas, mas só viveu por um dia“, rev­el­ou a psicólo­ga.

“O pai e a avó vier­am muito cuida­dosos, muito amorosos com o cor­pin­ho do bebê, o pai colo­cou a roupin­ha, vestiu a luvin­ha, a mein­ha, muito cuida­doso, a avó falan­do ‘cuida­do para ele não sen­tir frio’ , por mais que o bebê estivesse mor­to. A avó ain­da ninou um pouquin­ho no ombro, enrolou na man­tinha. O pai colo­cou a alcin­ha do nos­so coração [de pano] em vol­ta do brac­in­ho do neném e na altura do coração de ver­dade. Foi uma cena lin­da, todo mun­do segurou o choro, eles enfrentaram uma per­da difí­cil jun­tos”, descreveu Paula para ressaltar a importân­cia do morge.

Rio de Janeiro (RJ), 30/10/2025 – Lembrança entregue aos pais de bebês no momento da despedida, na Maternidade Escola da UFRJ, em Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Lem­brança entregue aos pais de bebês no momen­to da des­pe­di­da, na Mater­nidade Esco­la da UFRJ — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A mater­nidade sep­a­rou para aque­le momen­to um local espe­cial, com ade­sivos enfei­tan­do as pare­des, man­tinhas cheias de bich­in­hos, cueiro e roupin­has de recém-nasci­do, para o caso de a família não ter. Out­ro difer­en­cial foram os coraçõez­in­hos de pano, pro­duzi­dos por vol­un­tárias e que são doa­d­os às famílias, como lem­brança.

“A gente ofer­ece um par. Uma unidade fica com a mãe ou o pai e a out­ra embal­am­os jun­to com o bêbê”, expli­cou Daniela Por­to Faus, chefe da Unidade de Atenção Psi­cos­so­cial e psicólo­ga clíni­ca da unidade.

“A gente favorece muito esse momen­to de des­pe­di­da, seja no cen­tro obstétri­co ou na UTI. Respeita­mos o tem­po da família, temos muito cuida­do”, acres­cen­tou Daniela, dan­do exem­p­lo de out­ro pro­to­co­lo muito sen­sív­el: “quan­do o bebê na UTI está muito grave e nós sabe­mos que vai ter um des­fe­cho ruim, a gente já ofer­ece [que ele vá para] o colo para que esse bebê pos­sa ir ao óbito ali juntin­ho da mãe”.

Segun­do a chefe da Divisão de Gestão do Cuida­do, Andrea Mar­in­ho Bar­bosa, respon­sáv­el pela imple­men­tação da políti­ca, há a intenção de ampli­ar o morge para que as famílias ten­ham mais espaço para a práti­ca, con­sid­er­a­da impor­tante para o luto.

“Nos­so grande prob­le­ma hoje é a estru­tu­ra físi­ca. O local do morge, onde ficam os cor­pos, é um pouco pequeno para rece­ber a família toda na des­pe­di­da do neném”, disse.

Além desse espaço, as mães, no leito da enfer­maria, ou na Unidade de Ter­apia Inten­si­va (UTI) têm o tem­po que pre­cis­arem para se des­pedir. Na UTI, a equipe prepara uma espé­cie de bio­m­bo, para garan­tir a pri­vaci­dade do momen­to.

“Elas ficam extrema­mente agrade­ci­das, agrade­cem muito, se sen­tem acol­hi­das, né?”, rev­el­ou Andrea, acres­cen­tan­do que o mes­mo acon­tece com a pos­si­bil­i­dade de colo­car o nome na cer­tidão.

“Algu­mas [mães] já pedi­am antes, mas como não tin­ha nada for­mal­iza­do, a gente não colo­ca­va, bota­va nati­mor­to, ago­ra, a grande maio­r­ia pede para colo­car o nome escol­hi­do pelos pais”, disse.

Há pelo menos 15 anos a mater­nidade colo­ca em práti­ca medi­das para garan­tir mais respeito e acol­hi­men­to para famílias nes­sa situ­ação. A primeira delas foi a insta­lação da Enfer­maria da Fini­tude, para onde vão essas mães. A mater­nidade obser­vou que a con­vivên­cia daque­las enlu­tadas com out­ras mães de fil­hos nasci­dos vivos ou em aleita­men­to causa­va sofri­men­to psíquico para as puér­peras e fez a sep­a­ração.

Rio de Janeiro (RJ), 30/10/2025 – A chefe da unidade de atenção psicossocial, Daniela Porto Faus na Maternidade Escola da UFRJ, em Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: “Respeita­mos o tem­po da família, temos muito cuida­do”, expli­ca a chefe da unidade de atenção psi­cos­so­cial, Daniela Por­to Faus, na Mater­nidade Esco­la da UFRJ. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Muitas out­ras unidades de saúde esbar­ram na super­lotação e na fal­ta de espaço físi­co para faz­er a sep­a­ração, mas, de acor­do com a nova políti­ca, a medi­da é obri­gatória. A Lei 15.139 tam­bém asse­gu­ra às mul­heres que tiver­am per­das gesta­cionais a inves­ti­gação sobre o moti­vo do óbito, bem como o acom­pan­hamen­to especí­fi­co em nova ges­tação.

Out­ra deter­mi­nação da lei é o atendi­men­to psi­cológi­co após a altaA mater­nidade da UFRJ ofer­ece atendi­men­to pres­en­cial e por meio de tele­fone, mas recon­hece lim­i­tações, como a difi­cul­dade de as mães regres­sarem para a unidade, e a própria lim­i­tação das equipes, prob­le­ma apon­ta­do como um gar­ga­lo da políti­ca.

“A gente ain­da não tem condições de faz­er esse atendi­men­to [em casa], ofer­e­ce­mos somente na nos­sa unidade e à dis­tân­cia, mas quer­e­mos faz­er parce­rias com out­ras unidades, para que as pes­soas não ten­ham que se deslo­car para cá”, disse a chefe da Divisão de Gestão do Cuida­do, Andrea Mar­in­ho Bar­bosa.

A nova lei admite parce­rias das unidades de saúde com orga­ni­za­ções do ter­ceiro setor, que devem ser uma opção.

Musicoterapia

Out­ras deter­mi­nações da políti­ca de human­iza­ção do luto na mater­nidade esco­la da UFRJ, e que são exem­p­lo, incluem musi­coter­apia para as pacientes e equipes de saúde, que, segun­do Andrea, é “para eles tiraram um pouco desse peso”, com apoio das psicólo­gas e assis­tentes soci­ais da própria equipe.

Rio de Janeiro (RJ), 30/10/2025 – Sala onde familiares se despedem dos bebês, na Maternidade Escola da UFRJ, em Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Sala onde famil­iares se des­pe­dem dos bebês, na Mater­nidade Esco­la da UFRJ — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A lei recomen­da a inclusão da dis­cussão sobre o luto mater­no na for­mação de profis­sion­ais da área de saúde, o que tor­na tam­bém opor­tuno o com­par­til­hamen­to de exper­iên­cias pelos téc­ni­cos, médi­cos e enfer­meiros.

A imple­men­tação da políti­ca, mes­mo estip­u­la­da em lei, requer uma mudança de men­tal­i­dade, de acor­do com a dire­to­ra da unidade, Pené­lope Sal­dan­ha, que  lem­bra o proces­so para garan­tia da pre­sença de um acom­pan­hante no par­to, este ano.

“Ini­cial­mente, todo mun­do achou que não ia ser pos­sív­el, que as mater­nidades não iam com­por­tar, que não ia caber no cen­tro cirúr­gi­co. Aqui, ped­i­mos para que as acom­pan­hantes pri­or­izassem alguém do sexo fem­i­ni­no, para asse­gu­rar a pri­vaci­dade das par­turi­entes. Demor­ou mais um tem­po para recon­hecer­mos que as mul­heres que­ri­am a par­tic­i­pação do seu com­pan­heiro no par­to e, então, a nós coube nos adap­tar e asse­gu­rar esse dire­ito”.

A mater­nidade da UFRJ que é refer­ên­cia para seis unidades bási­cas de saúde na cidade do Rio de Janeiro, faz tam­bém pré-natal de grávi­das de alto risco, e recebe, de todo o esta­do, grávi­das com diag­nós­ti­co de doença tro­foblás­ti­ca gesta­cional, um tipo de tumor que pode evoluir para o câncer de pla­cen­ta, além de aten­der par­tos de emergên­cia.

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