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Morte de jovem que marcou movimento negro ainda tem questões em aberto

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Da brutalidade do assassinato surgiu o Movimento Negro Unificado


Pub­li­ca­do em 28/12/2023 — 08:27 Por Daniel Mel­lo — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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Até os dias de hoje, depois de 45 anos, não se sabe o local exa­to em que Rob­son Luz foi tor­tu­ra­do pela polí­cia. O jovem, então com 22 anos de idade, foi lev­a­do após ser acu­sa­do por viz­in­hos de ter rou­ba­do uma caixa de fru­tas. Mor­reu ao ser hos­pi­tal­iza­do dev­i­do aos fer­i­men­tos cau­sa­dos pelas pan­cadas e choques elétri­cos. O inquéri­to aber­to para apu­rar as cir­cun­stân­cias do crime não apon­tou, entre­tan­to, o local exa­to onde o rapaz foi supli­ci­a­do.

A per­gun­ta fica sem respos­ta mes­mo com o desar­quiv­a­men­to do proces­so, que durante décadas não pode ser aces­sa­do nem por pesquisadores, nem por famil­iares. Só em 2022, depois de um lon­go proces­so, o pesquisador Lucas Scar­avel­li con­seguiu ter em mãos os doc­u­men­tos. O mate­r­i­al foi dig­i­tal­iza­do pelo Cen­tro de Pesquisa e Doc­u­men­tação Históri­ca Gua­ianás (CPDOC).

A pesquisado­ra da orga­ni­za­ção Rena­ta Eleutério, diz que as infor­mações são de que ele foi pre­so no 44º Dis­tri­to Poli­cial, de Gua­ianas­es, zona leste paulis­tana. Porém, há indí­cios de que ele foi lev­a­do para out­ro local no perío­do em que esteve sob poder dos poli­ci­ais. “No proces­so, em um dos depoi­men­tos, o rapaz indi­ca que ele foi reti­ra­do daque­la del­e­ga­cia e lev­a­do para out­ro lugar. E aí depois foi joga­do na del­e­ga­cia, reti­ra­do de lá e joga­do em qual­quer out­ro can­to”, rev­ela a pesquisado­ra.

Movimento Negro Unificado

São Paulo SP16/12/2023 . Reabertura do caso Robson, jovem morto pela ditadura, reconstrói luta contra genocídio do povo preto . Lenny Blue de Oliveira,advogada, jornalista, escritora, ativista feminista do Movimento Negro. Foto Paulo Pinto/Agencia Brasil
Repro­dução: Lenny Blue de Oliveira, advo­ga­da, jor­nal­ista, escrito­ra, ativista fem­i­nista do Movi­men­to Negro Unifi­ca­do — Foto Paulo Pinto/Agencia Brasil

A bru­tal­i­dade do assas­si­na­to ocor­ri­do em maio de 1978 impul­sio­nou, nos meses seguintes, a cri­ação do Movi­men­to Negro Unifi­ca­do (MNU). Em 7 de jul­ho acon­te­ceu o históri­co protesto nas escadarias do The­atro Munic­i­pal, no cen­tro da cidade de São Paulo. Foi em uma das ativi­dades preparatórias para essa man­i­fes­tação que a advo­ga­da e escrito­ra Lenny Blue de Oliveira se aprox­i­mou da orga­ni­za­ção. “Uma sem­ana antes, nós fomos pan­fle­tar ali no mio­lo [do cen­tro históri­co paulis­tano], onde era a rua Dire­i­ta”, lem­bra.

“O caso Rob­son foi o fun­da­men­to daque­le grupo em 7 de jul­ho. O movi­men­to negro foi cri­a­do antes, mas a pedra basi­lar é a base da vio­lên­cia cometi­da con­tra o Rob­son”, acres­cen­ta a ativista, que inte­gra até hoje o MNU.

A par­tir da vio­lên­cia sofri­da pelo jovem, o movi­men­to negro, segun­do Lenny, denun­ciou o sis­tema pri­sion­al e a polí­cia como insti­tu­ições racis­tas, des­ti­na­da essen­cial­mente a perseguir a pop­u­lação negra. “O assas­si­na­to de Rob­son casou com esse princí­pio, todo pre­so como um pre­so políti­co”, enfa­ti­za.

O sofri­men­to de Rob­son deix­a­va claro que a tor­tu­ra não era reser­va­da ape­nas aos que fazi­am oposição políti­ca à ditadu­ra mil­i­tar. “A polí­cia depois de uma sem­ana pegou somente ele, sendo que eram um grupo de várias pes­soas que pegaram uma caixa de fru­tas. Mas somente ele sofreu a seví­cia, não por coin­cidên­cia o úni­co pre­to ret­into do grupo”, diz o pesquisador Lucas Scar­avel­li.

Desarquivamento difícil

Mes­mo décadas depois do crime e sem nen­hum sig­i­lo dec­re­ta­do ofi­cial­mente, o pesquisador diz que enfren­tou diver­sos obstácu­los para chegar até os arquiv­os do caso. “Não foi fácil, teve umas idas e vin­das”, con­ta sobre os obstácu­los que sur­giam com jus­ti­fica­ti­vas buro­cráti­cas “Nos foi impe­di­do várias vezes o cadas­tro [para poder con­sul­tar os doc­u­men­tos], sem nen­hu­ma jus­ti­fica­ti­va, eu ten­ho a sequên­cia de e‑mails das neg­a­ti­vas do tri­bunal do júri”, detal­ha.

Foi pre­ciso recor­rer a juízes e pro­mo­tores para, por meio da influên­cia dessas pes­soas, final­mente chegar aos arquiv­os. “Essas pes­soas con­seguiram faz­er o desar­quiv­a­men­to do proces­so por um tem­po lim­i­ta­do”, diz. Para con­seguir manip­u­lar o mate­r­i­al, Scar­avel­li recor­reu ao CPDOC, “que reúne pes­soas lá de Gua­ianas­es, da per­ife­ria, que já têm uma for­mação em história e ciên­cias soci­ais, nas áreas humanas, e com essa pesquisa em arquiv­os”.

Pequena vitória

Ape­sar do caso ter ocor­ri­do ain­da durante a ditadu­ra, os poli­ci­ais acu­sa­dos de envolvi­men­to no caso acabaram exon­er­a­dos da polí­cia após a con­de­nação crim­i­nal. “Emb­o­ra con­tin­uem com sua vida civ­il preser­vadas, é uma vitória. Eu estou olhan­do para essa per­spec­ti­va do copo cheio”, avalia o pesquisador, ao com­parar o caso com de ativis­tas políti­cos assas­si­na­dos pela repressão do regime. “Zuzu Angel, Vladimir Her­zog, a família Telles, entre out­ros, se arras­tam na Justiça ain­da hoje, sem nen­hu­ma vitória conc­re­ta e sem a final­iza­ção do trân­si­to em jul­ga­do”.

“Foi uma vitória os poli­ci­ais terem sido afas­ta­dos”, reit­era Lenny sobre a punição aos poli­ci­ais José Max­imi­no Reis, José Pereira de Matos e ao del­e­ga­do Luiz Alber­to Abdal­la, con­de­na­dos pela morte, mas que não chegaram a cumprir pena de prisão.

“A gente tem que relem­brar porque isso mostra que as coisas não mudaram, que o racis­mo ficou mais téc­ni­co e mais abrangente”, acres­cen­ta a mil­i­tante ao destacar que o caso de Rob­son não foi úni­co durante a ditadu­ra e que situ­ações semel­hantes ain­da se repetem no Brasil.

“A gente chama de democráti­co [o regime pós 1988], emb­o­ra a gente não viva a inte­gri­dade do sig­nifi­ca­do da democ­ra­cia, nem no sen­ti­do grego, nem no sen­ti­do mod­er­no”, enfa­ti­za Scar­avel­li.

Em 1996, a viú­va de Rob­son, Sueli, rece­beu uma ind­eniza­ção pela morte.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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