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Mostra em São Paulo percorre trajetória da fotógrafa Claudia Andujar

Repro­dução: © Clau­dia Andu­jar

Exposição gratuita começa nesta quarta e vai até o fim de junho


Publicado em 03/04/2024 — 07:16 Por Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil — São Paulo

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Começa nes­ta quar­ta-feira (3), no Itaú Cul­tur­al de São Paulo, uma exposição sobre as exper­i­men­tações e a tra­jetória da artista e fotó­grafa Clau­dia Andu­jar. As ima­gens remon­tam à car­reira da fotó­grafa no foto­jor­nal­is­mo da revista Real­i­dade, pas­san­do pelo for­t­alec­i­men­to da fotografia como arte, além do tra­bal­ho de reg­istro e denún­cia de vio­lação de dire­itos feito jun­to aos indí­ge­nas yanoma­mi.

O curador da mostra Clau­dia Andu­jar — cos­mo­visão, Eder Chiodet­to, define a artista como fil­ha “legí­ti­ma” da ger­ação de 1968.

São Paulo - Exposição revela as experimentações e a trajetória da artista e fotógrafa Claudia Andujar, em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo. Foto: Claudia Andujar
Repro­dução: Imagem da série Pesade­lo — Clau­dia Andujar/divulgação

“É uma ger­ação que vai mudar bas­tante o com­por­ta­men­to. E claro que tudo isso impactou muito o cam­po da arte. É um momen­to em que os artis­tas estão ten­tan­do deslo­car a arte de novo – como tin­ha acon­te­ci­do no sur­re­al­is­mo – nes­sa vira­da dos anos 60 para os anos 70, com a pop art, etc. Ela é fil­ha legí­ti­ma desse movi­men­to.”

As séries de fotografias expostas rev­e­lam como Clau­dia ten­siona a lin­guagem fotográ­fi­ca, forçan­do os lim­ites da fotografia tradi­cional para faz­er uma rep­re­sen­tação mais legí­ti­ma daqui­lo que ela alme­ja­va.

“Essa exposição é para sur­preen­der, traz uma Cláu­dia que pou­cas pes­soas con­hecem. Eu mostro todo esse tra­je­to das exper­i­men­tações dela ao lon­go da car­reira, ela manip­u­lan­do a fotografia de todo jeito pos­sív­el, ou seja, expandin­do o repertório nar­ra­ti­vo da fotografia.”

As 135 obras estão divi­di­das em 11 séries, expostas em dois andares do espaço Itaú Cul­tur­al. Entre as exper­i­men­tações, Clau­dia uti­liza­va filmes fotográ­fi­cos infraver­mel­hos, cro­mos risca­dos, fil­tros monocromáti­cos, ima­gens refo­tografadas com dis­torções e mutações de luzes e cores, justaposições e duplas exposições.

Ao lon­go da car­reira, Clau­dia revisi­ta seu acer­vo e tra­bal­ha as ima­gens de acor­do com as intenções de deter­mi­na­do momen­to ou pro­je­to. “É uma artista que nun­ca vai pen­sar a fotografia que sai da câmera como algo pron­to. Em ger­al, depois que fotografa, ela vai faz­er out­ras eta­pas de proces­sa­men­to, até chegar onde ela pre­cisa.”

Logo no iní­cio da mostra, o públi­co vai con­hecer duas séries de fotografias que apre­sen­tam uma parte menos con­heci­da da sua pro­dução, em tra­bal­ho para a revista Real­i­dade. Uma delas é um con­jun­to de fotografias feitas para reportagem sobre homos­sex­u­al­i­dade, na déca­da de 60, que acabou cen­sura­da na época.

“Essa daqui era para uma matéria que saiu com o títu­lo ‘homos­sex­u­al­is­mo’, ain­da pen­san­do como patolo­gia. É 1967 isso, sob ditadu­ra mil­i­tar. E aí a reportagem sai só com o tex­to e as fotos são vetadas pela cen­sura”, lem­brou o curador.

Entre as ima­gens, estão duas mãos entre­laçadas, pes­soas des­fo­cadas e o uso da som­bra em que se rev­ela mais as sil­hue­tas do que as iden­ti­dades, além de uma can­to­ra se apre­sen­tan­do.

“Den­tro do viés da exposição, mes­mo den­tro de uma reportagem, que seria um doc­u­men­tal tradi­cional, um foto­jor­nal­is­mo, ela já tem um jogo de cin­tu­ra enorme para usar os des­fo­ques, ela usa muito bem a som­bra, os ângu­los.”

Chiodet­to rela­ta que, no final do ano pas­sa­do, essas mes­mas fotografias foram expostas no museu de etno­grafia em Budapeste, na Hun­gria, que está sob o coman­do de um gov­er­no de extrema-dire­i­ta.

“Essas fotos estavam num espaço lá. O min­istro da Cul­tura da Hun­gria man­dou parar a exposição, vetar, colo­car isso tudo em uma sala fecha­da, proibir a entra­da de menores de 18 anos e demi­tiu o dire­tor do museu por causa dis­so. Imag­i­na, quase 60 anos depois, umas fotos dessas que você está ven­do [aqui]”, con­tou.

São Paulo - Exposição revela as experimentações e a trajetória da artista e fotógrafa Claudia Andujar, em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo. Foto: Claudia Andujar
Repro­dução: Imagem da série Min­ha vida em dois mun­dos. A Curado­ria da mostra Clau­dia Andu­jar — cos­mo­visão é de Eder Chiodet­to — Clau­dia Andujar/divulgação

Tam­bém extrap­olan­do a lin­guagem tradi­cional, a segun­da série foi fei­ta a pedi­do da revista Real­i­dade para rep­re­sen­tar pesade­los. “E é mar­avil­hoso, ela fotografa o gato dela, uma escul­tura que ela tin­ha, uma boneca. Tudo isso aqui den­tro do aparta­men­to dela. Só que ela vai faz­er fusão de imagem, uso de som­bra, aqui é uma téc­ni­ca que ‘fri­ta’ a gelati­na do neg­a­ti­vo e se cria esse ruí­do [na imagem], para chegar na rep­re­sen­tação do pesade­lo, que é algo não visív­el”, con­ta o curador.

Yanomami

Ain­da na revista, ela faz os primeiros reg­istros dos yanoma­mi, na déca­da de 1970, uma época em que a etnia esta­va sendo sub­meti­da a um con­ta­to exter­no mais inten­so no con­tex­to dos pro­je­tos de desen­volvi­men­to do perío­do da ditadu­ra mil­i­tar.

“Ela começa a perce­ber a inteligên­cia dos yanoma­mi no tra­to com a natureza e a espir­i­tu­al­i­dade deles, que é muito ele­va­da, ela percebe a sofisti­cação desse povo.”

“Nes­sa viagem, ela tem o primeiro con­ta­to com os yanoma­mi, que vai mudar a vida dela por com­ple­to de novo”, con­ta Chiodet­to, acres­cen­tan­do que a artista “faz uma relação análo­ga com o que acon­te­ceu com os judeus: um grupo hegemôni­co ata­can­do um grupo minoritário”.

Nasci­da na Suíça em 1931, de família judia, ela e a mãe fugi­ram do nazis­mo na Europa após verem grande parte da família ser lev­a­da para cam­pos de con­cen­tração e assas­si­na­da.

São Paulo - Exposição revela as experimentações e a trajetória da artista e fotógrafa Claudia Andujar, em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo. Foto: Claudia Andujar
Repro­dução: Clau­dia faz os primeiros reg­istros dos yanoma­mi na déca­da de 1970. Na imagem, foto da série Reahu, o invisív­el — Clau­dia Andujar/divulgação

Clau­dia ficou muito próx­i­ma dos yanoma­mi e, em 1976, ela se deslo­ca até a aldeia. Ela atrav­es­sa de São Paulo até Roraima em 13 dias, em viagem com um fus­ca pre­to. A mostra apre­sen­ta uma série de retratos de indí­ge­nas, com as cores rep­re­sen­tan­do o verde da mata e o azul do céu, apon­ta o curador.

Out­ro con­jun­to de fotografias, já em out­ro pon­to da mostra, ilus­tra o sofri­men­to dos yanoma­mi diante das invasões de seu ter­ritório: “a essa série ela dá o nome de Malen­con­tro, pós con­ta­to dos indí­ge­nas com os bran­cos, a invasão do garim­po, a tragé­dia que se arras­ta até hoje. Então, ela vol­ta para as ima­gens de arqui­vo dela e, de novo, vai refo­togra­far para cri­ar uma atmos­fera, uma ten­são de como esse ‘malen­con­tro’ esta­va sendo pés­si­mo para os indí­ge­nas.”

As ima­gens cor­re­spon­dem a fotografias reg­istradas na déca­da de 1970 e sub­meti­das a téc­ni­cas de proces­sa­men­to para uma exposição fei­ta no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1989, inti­t­u­la­da Genocí­dio do yanoma­mi: morte do Brasil.

“Já era um man­i­festo con­tun­dente. Ela pega as ima­gens, ilu­mi­na com luz de vela e aba­jur e fotografa. Para ter esse tom doura­do, que é o tom do ouro, da bus­ca do ouro pelo homem bran­co que está garim­pan­do e jogan­do mer­cúrio na água, levan­do muitos indí­ge­nas à morte.”

Novo trabalho

São Paulo - Exposição revela as experimentações e a trajetória da artista e fotógrafa Claudia Andujar, em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo. Foto: Claudia Andujar
Repro­dução: Série O voo do Watu­pari na exposição que ter­mi­na no final de jun­ho — Clau­dia Andujar/divulgação

Aos 92 anos, Clau­dia Andu­jar faz uma releitu­ra de uma série sua, em parce­ria com Eder Chiodet­to, espe­cial­mente para esta exposição. Durante a viagem que fez a bor­do do seu fus­ca pre­to, jun­to ao mis­sionário Car­lo Zac­qui­ni, ao encon­tro dos yanoma­mi, ela fez um diário de viagem por meio de fotografias, sem sair do car­ro. “Ela fotografa e sem­pre tem a janelin­ha do fus­ca, a janela de trás, as lat­erais, da frente, como se fos­se um out­ro visor. É uma série em pre­to e bran­co.”

Em alguns tra­bal­hos, no pas­sa­do, Andu­jar fez sobreposição de acríli­cos col­ori­dos nas fotografias. E foi isso que fiz­er­am, des­ta vez, na série de ima­gens de sua viagem. “Lev­ei a série fotográ­fi­ca ampli­a­da [até ela]. Para sim­u­lar o acríli­co, lev­ei um monte de celo­fane col­ori­do das cores que ela cos­tu­ma­va usar e lá ela fala­va ‘vamos ten­tar aqui’, eu cor­ta­va ali com a tesoura na hora, enfim rolou. Ela fez dez peças novas”, con­tou o curador.

O nome da série é O voo de Watu­pari (imagem de destaque), o que remete à chega­da dela ao ter­ritório indí­ge­na. “Quan­do ela chega com o fus­ca na aldeia, os indí­ge­nas cer­cam ela, porque, primeiro, eles quase nun­ca viam um car­ro, era uma coisa muito rara. E eles começam a rir um monte e falam ‘mas, Clau­dia, você veio aqui a bor­do de um urubu, de um watu­pari?’”, rela­tou. Watu­pari é como os yanoma­mi chamam o urubu.

Principal trabalho

Son­hos Yanoma­mi, a série mais impor­tante da artista, segun­do Chiodet­to, mate­ri­al­iza em ima­gens o uni­ver­so da espir­i­tu­al­i­dade daque­les indí­ge­nas a par­tir das exper­i­men­tações da artista. Em um de seus rit­u­ais, os indí­ge­nas entram em transe, têm mira­gens e depois relatam as visões que tiver­am. “Clau­dia fica­va encan­ta­da com as ima­gens que eles descrevi­am ver­bal­mente e fica­va incré­du­la que ela não podia traduzir isso em imagem. Era uma frus­tração dela.”

Décadas depois, em 2002, nova­mente revis­i­tan­do seu acer­vo, ela sobrepõe sem quer­er ima­gens reg­istradas em cro­mo. “E então ela começa a faz­er isso proposi­tal­mente, e aí tem um êxtase, uma catarse, que vai ger­ar essa série aqui que se chama Son­hos Yanoma­mi. Antes de mostrar para qual­quer pes­soa, ela man­da para a aldeia e per­gun­ta se isso tem algu­ma relação com essas ima­gens que eles descrevem quan­do voltam do transe. E eles ficaram enlouque­ci­dos em como ela con­seguiu isso”, con­tou Chiodet­to.

“É a série mais impor­tante dela: quan­do ela con­seguiu mate­ri­alizar isso, fundin­do o cor­po dos indí­ge­nas, com a pais­agem, com o céu, com o rio, com as árvores, com as rochas. Porque é muito da crença yanoma­mi, de que rocha e fêmur e out­ras sub­stân­cias são feitas do mes­mo áto­mo e tudo isso é uma ener­gia cós­mi­ca e ela con­segue sin­te­ti­zar essa série Son­hos”, con­tou.

A mostra fica em car­taz até 30 de jun­ho, no Itaú Cul­tur­al, local­iza­do na Aveni­da Paulista, 149. Vis­i­tação ocorre de terça-feira a sába­do, das 11h às 20h; domin­gos e feri­ados, das 11h às 19h, com entra­da gra­tui­ta.

Edição: Denise Griesinger

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