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Mostra em SP apresenta afeto e humor da fotógrafa Stefania Bril

Repro­dução: © Acer­vo Insti­tu­to Mor­eira Salles/Arquivo Ste­fa­nia Bril/Divulgação

São 160 trabalhos em preto e branco da década de 1970


Publicado em 28/08/2024 — 07:30 Por Elaine Patrícia Cruz — Repórter da Agência Brasil — São Paulo

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Em uma calça­da da cap­i­tal paulista, um meni­no se encon­tra deita­do, com a cabeça pou­sa­da sobre um car­rin­ho de com­pras. Em suas mãos, uma revista em quadrin­hos. A sin­gela e irrev­er­ente imagem do cotid­i­ano, ocor­ri­da em 1973, não pas­sou des­perce­bi­da pelo olhar de Ste­fa­nia Bril (1922–1992). O momen­to acabou sendo reg­istra­do e eterniza­do pelas lentes de sua câmera e acabou ren­den­do uma de suas fotografias mais con­heci­das: Meni­no lê gibi em car­rin­ho de super­me­r­ca­do.

Essa é uma das cer­ca de 160 fotografias, todas em pre­to e bran­co, que foram tiradas sobre­tu­do na déca­da de 1970 e que, des­de a noite dessa terça-feira (27), estão em exposição no Insti­tu­to Mor­eira Salles (IMS), na Aveni­da Paulista. Chama­da de Ste­fa­nia Bril: des­obe­diên­cia pelo afe­to, é a primeira mostra indi­vid­ual ded­i­ca­da à obra da artista nos últi­mos 30 anos.

Nasci­da em Gdan­sk, na atu­al Polô­nia, Ste­fa­nia Bril viveu a infân­cia e ado­lescên­cia em Varsóvia. Sobre­viveu ao Holo­caus­to e, ao final da guer­ra, mudou-se para a Bél­gi­ca, onde se gradu­ou em quími­ca. Em 1950, ela e o mari­do migraram para o Brasil, onde começou a tra­bal­har nas áreas de bio­quími­ca e quími­ca nuclear. Foi somente aos 47 anos que começou a atu­ar com fotografia, cap­tan­do espe­cial­mente cenas cotid­i­anas nas cidades, com pes­soas comuns retratadas em situ­ações de encon­tro, afe­to e humor. “Insis­to em ter uma visão poéti­ca e lev­e­mente zom­beteira de um mun­do que às vezes se leva a sério demais”, dizia a artista.

Suas fotos reg­is­tram não só os anôn­i­mos e o fluxo da vida, como tam­bém as sutilezas, iro­nias e con­tradições do dia a dia. Como aque­la em que um rapaz está com o cor­po esten­di­do sobre a gra­ma, com exceção de seus pés, que estão volta­dos para a calça­da. Ao lado dele, há uma pla­ca, onde se lê: Não pise na gra­ma.

São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano - Autorretrato, c. 1971, Stefania Bril Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação
Repro­dução: São Paulo — Mostra em SP apre­sen­ta o afe­to e o humor de Ste­fa­nia Bril em seus retratos do cotid­i­ano — Autor­re­tra­to, c. 1971 — Foto Acer­vo Insti­tu­to Mor­eira Salles/Arquivo Ste­fa­nia Bril/Divulgação

“Ela não era uma fotó­grafa comum, mas uma fotó­grafa do comum”, definiu a curado­ra Ileana Pradil­la Ceron, durante bate-papo na noite dessa terça-feira (27) e que abriu a exposição ao públi­co. “Ela não tin­ha um lugar especí­fi­co den­tro das con­venções. Não era uma fotó­grafa de jor­nal­is­mo e nem de ensaios ou temas especí­fi­cos. Muitas vezes, temos a sen­sação de que suas fotos são ingênuas porque não estão tratan­do dos grandes temas como os da esfera públi­ca, políti­ca ou do poder. Ela não tra­ta de questões de gênero nem de temas exóti­cos. Está retratan­do a vida, o cotid­i­ano. Mostra exata­mente o que não vemos”, disse a curado­ra.

“A Ste­fa­nia tin­ha essa coisa que não é fácil de con­seguir: estar lig­a­da ao pas­sa­do, mas com os olhos no futuro. Ela deixou essa obra grande e impor­tante, mas tam­bém os elos de onde a gente vem. Cada um de nós, se fiz­er­mos peque­nas coisas, elas se tornarão grandes”, disse a fotó­grafa Nair Bene­dic­to que, em 1991, fun­dou o Nafo­to – Núcleo dos Ami­gos da Fotografia, jun­to com Ste­fa­nia Bril.

O cotidiano

Os dois grandes temas mais explo­rados pela artista, disse o tam­bém curador Miguel Del Castil­lo, são as cidades e as pes­soas que habitam essas cidades. “Ela vê as cidades com out­ro olhar. Nos anos 70, fotografan­do, vê onde a mod­ernidade fal­ha, onde ela não é sufi­ciente, onde essas cidades mod­er­nas não com­por­tam difer­enças e não deix­am a vida flo­rescer”.

São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação
Repro­dução: São Paulo — Mostra em SP apre­sen­ta o afe­to e o humor de Ste­fa­nia Bril em seus retratos do cotid­i­ano — Foto Acer­vo Insti­tu­to Mor­eira Salles/Arquivo Ste­fa­nia Bril/Divulgação

Nes­sas fotos, traz sem­pre uma dose de humor e irreverên­cia e tam­bém de des­obe­diên­cia. “O cotid­i­ano, con­sid­er­a­do um tema sem importân­cia, é afir­ma­do por Ste­fa­nia como espaço de resistên­cia, inclu­sive em meio a um con­tex­to total­itário como os anos de chum­bo no Brasil, quan­do fotografa­va”, afir­maram os curadores.

“O cotid­i­ano rep­re­sen­ta a saí­da pos­sív­el para quem vivia uma cir­cun­stân­cia históri­ca de repressão”, definiu Cremil­da Med­i­na, jor­nal­ista, pesquisado­ra, pro­fes­so­ra e que con­viveu com a fotó­grafa. “Essa fotografia [do rapaz lendo o gibi deita­do com a cabeça sob o car­rin­ho de super­me­r­ca­do] é o sím­bo­lo da leitu­ra cul­tur­al que Ste­fa­nia fez nas ruas de São Paulo e no mun­do con­tem­porâ­neo”, desta­cou.

Crítica e apagamento

Para esta exposição, a seleção foca espe­cial­mente na pro­dução fotográ­fi­ca de Ste­fa­nia, mas tam­bém desta­ca sua atu­ação como críti­ca e agi­ta­do­ra cul­tur­al, lem­bran­do que foi a primeira pes­soa a assi­nar como críti­ca de fotografia na impren­sa brasileira, ten­do tra­bal­ha­do por mais de uma déca­da no jor­nal O Esta­do de S. Paulo e na revista Iris Foto. Ela tam­bém foi respon­sáv­el por orga­ni­zar os primeiros fes­ti­vais de fotografia no Brasil e con­ce­beu a Casa da Fotografia Fuji, primeiro cen­tro cul­tur­al em São Paulo volta­do exclu­si­va­mente para o ensi­no e a divul­gação da fotografia, que coor­de­nou de 1990 a 1992.

Ape­sar de ter pro­duzi­do mais de 11 mil fotogra­mas no perío­do de 1969 a 1980 e de ter deix­a­do mais de 400 tex­tos críti­cos sobre o tema, sua obra ain­da é pouco con­heci­da no país. Essa fal­ta de recon­hec­i­men­to nas dis­cussões sobre fotografia impediu, por exem­p­lo, que ela se tor­nasse uma refer­ên­cia na cul­tura visu­al do Brasil.

Vis­i­tan­do a exposição pela primeira vez, a arquiv­ista Clarice Fer­reira, 26 anos, obser­vou que, ape­sar de pou­ca recon­heci­da e estu­da­da, Ste­fa­nia era muito con­heci­da em seu meio. “É meio dicotômi­co quan­do a gente pen­sa sobre isso, porque quan­do vejo o arqui­vo dela de per­to perce­bo que, na ver­dade, emb­o­ra o tra­bal­ho não fos­se expos­to ou recon­heci­do, ela era super con­heci­da na área. Tin­ha con­ta­to com vários fotó­grafos bril­hantes, como Evan­dro Teix­eira, Sebastião Sal­ga­do, Mau­reen Bisil­li­at. Me per­gun­to como que o tra­bal­ho dessa mul­her não era recon­heci­do se ela era tão con­heci­da por todas as pes­soas da área naque­la época. Com certeza existe um apaga­men­to e isso se reflete de várias maneiras, até pelo tem­po que essa exposição lev­ou para exi­s­tir”, comen­tou em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Para Clarice, o tra­bal­ho de Ste­fa­nia traz sem­pre um olhar difer­ente. “Sua fotografia é muito sen­sív­el, um olhar que real­mente os fotó­grafos da época não estavam inter­es­sa­dos em pas­sar. Além dis­so, a for­ma como lia a fotografia tam­bém era muito inter­es­sante. E, não obstante, ela virou críti­ca e curado­ra. Tin­ha um jeito muito difer­ente de con­duzir o tra­bal­ho e basi­ca­mente não esta­va nem aí para o que as pes­soas iam pen­sar. Fazen­do o que que­ria, chegou muito longe”.

São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação
Repro­dução: São Paulo (SP) — Mostra em SP apre­sen­ta o afe­to e o humor de Ste­fa­nia Bril em seus retratos do cotid­i­ano — Foto Acer­vo Insti­tu­to Mor­eira Salles/Arquivo Ste­fa­nia Bril/Divulgação

O assis­tente de fotografia Hum­ber­to Fel­ga, 24 anos, que não con­hecia o tra­bal­ho de Ste­fa­nia, desta­cou que sua obra dev­e­ria ser mais recon­heci­da. “É um nome que já devia vir à tona há muito tem­po e que foi apa­ga­do. Então, estou feliz de estar con­hecen­do ago­ra o tra­bal­ho dela. O que me chama a atenção é esse reg­istro de vida. Notei essa car­ga cômi­ca que ela tem. Tem uma foto de uma cri­ança, inclu­sive, que diz ‘eu sou cora­josa’ e é uma cri­ança super pos­tu­ra­da, com olhar. Não sei se é exata­mente o que ela esta­va escu­tan­do ou o que esta­va ven­do na hora, mas ela trouxe num títu­lo essa nar­ra­ti­va”.

A exposição, que é gra­tui­ta, fica em car­taz até o dia 26 de janeiro. Mais infor­mações sobre a mostra podem ser obti­das no site do IMS.

Edição: Graça Adju­to

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