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Mudanças climáticas do passado impactaram genética de ave na Amazônia

Repro­dução: © Rob­son Cza­ban / Wiki­Aves

Pássaros do gênero Willisornis são bioindicadores naturais


Publicado em 25/04/2024 — 08:43 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Os efeitos das mudanças climáti­cas nat­u­rais ocor­ri­das ao lon­go de mil­hares de anos na Amazô­nia estão reg­istra­dos no geno­ma de pás­saros do gênero Willisor­nis. Tam­bém con­heci­das como ren­dad­in­hos ou formigueiros, estas aves tiver­am uma redução da sua diver­si­dade genéti­ca ao lon­go do tem­po, sobre­tu­do dev­i­do às trans­for­mações ambi­en­tais ocor­ri­das no perío­do de glaciação. É o que apon­ta um estu­do brasileiro que vin­ha sendo desen­volvi­do des­de 2016 através da colab­o­ração de difer­entes insti­tu­ições cien­tí­fi­cas.

Os resul­ta­dos foram descritos em um arti­go pub­li­ca­do nes­sa quar­ta-feira (24) na revista cien­tí­fi­ca Ecol­o­gy and Evo­lu­tion, pub­li­cação inter­na­cional volta­da para a divul­gação de pesquisas em ecolo­gia, evolução e ciên­cias da con­ser­vação. Ape­sar de tratar de even­tos pas­sa­dos, os acha­dos podem con­tribuir para a análise de pos­síveis efeitos do aque­c­i­men­to glob­al, fenô­meno atual­mente em cur­so impul­sion­a­do pela ação do homem no plan­e­ta.

O estu­do foi coor­de­na­do pelo Insti­tu­to Tec­nológi­co Vale — Desen­volvi­men­to Sus­ten­táv­el (ITV-DS). Cri­a­do em 2010 com sede em Belém, tra­ta-se de um braço da min­er­ado­ra Vale ded­i­ca­da ao fomen­to da pesquisa cien­tí­fi­ca. Hou­ve ain­da envolvi­men­to da Uni­ver­si­dade Fed­er­al da Paraí­ba (UFPB), da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Pará (UFPA) e da Uni­ver­si­dade de Toron­to, no Canadá.

Rio de Janeiro (RJ) 25/04/2024 - Mudanças climáticas do passado impactaram genética de ave na Amazônia Subir essas fotos para o Mosaico, a fim de colocar na matéria sobre mudanças climáticas. Foto: Bruno Rennó / WikiAves
Repro­dução: Mudanças climáti­cas do pas­sa­do impactaram genéti­ca de ave na Amazô­nia. Foto: Bruno Ren­nó / Wiki­Aves

Segun­do o biól­o­go Alexan­dre Aleixo, pesquisador do ITV-DS que lid­er­ou o estu­do, os pás­saros do gênero Willisor­nis são con­sid­er­a­dos bioindi­cadores nat­u­rais da Amazô­nia. Sig­nifi­ca que são seres vivos que podem ser uti­liza­dos para avaliar a qual­i­dade ambi­en­tal do bio­ma onde vivem.

“Os pás­saros do gênero Willisor­nis só vivem próx­i­mos ao solo de flo­res­ta úmi­da. Eles não con­seguem habitar em nen­hum out­ro ambi­ente. Então eu pos­so diz­er que a dis­tribuição dele indi­ca a pre­sença de flo­res­ta úmi­da. Pode pare­cer redun­dante. Mas quan­do a gente olha para o con­tex­to históri­co e pro­va, através da pesquisa cien­tí­fi­ca, que os Willisor­nis estavam pre­sentes nes­sa região da Amazô­nia há 400 mil anos, temos um indica­ti­vo muito seguro de que a flo­res­ta tam­bém esta­va pre­sente nesse lugar, naque­le perío­do”, expli­ca Aleixo.

O estu­do envolveu o sequen­ci­a­men­to do geno­ma com­ple­to de nove pás­saros, oito deles real­iza­dos pelos pesquisadores brasileiros e um por cien­tis­tas canadens­es. As infor­mações con­ti­das no DNA das aves pas­saram por uma análise. Mod­e­los com­puta­cionais foram usa­dos para com­preen­der questões como a dinâmi­ca do taman­ho das pop­u­lações e as relações de par­entesco entre os indi­ví­du­os.

Aleixo expli­ca que foi real­iza­da uma análise coa­les­cente, que per­mite obter um retra­to ret­ro­spec­ti­vo da genéti­ca pop­u­la­cional. É a mes­ma téc­ni­ca usa­da nos testes de ances­tral­i­dade, que se pop­u­larizaram nos últi­mos anos na Europa e nos Esta­dos Unidos e que tam­bém já existe no Brasil. Por meio deles, é pos­sív­el obter, a par­tir de uma amostra de sali­va, infor­mações do geno­ma de qual­quer pes­soa.

O teste irá mostrar as ori­gens geográ­fi­cas do DNA, indi­can­do as regiões de onde vier­am seus ances­trais, e pode rev­e­lar out­ras infor­mações como o risco de desen­volver deter­mi­nadas doenças. No Brasil, já exis­tem empre­sas ofer­tan­do o serviço que prom­e­tem rev­e­lar o pas­sa­do com base em dados de até oito ger­ações.

“No caso dos Willisor­nis, a gente tam­bém bus­cou essa cáp­su­la do tem­po que está reg­istra­da no DNA e ela nos per­mi­tiu que a gente chegasse numa res­olução de 400 mil anos para cá, para o geno­ma de cada indi­ví­duo. A datação é ampara­da por vários estu­dos”, expli­cou Aleixo.

O biól­o­go acen­tu­ou tam­bém que as mudanças climáti­cas influ­en­ci­am proces­sos de expan­são e retração da cober­tu­ra veg­e­tal da Flo­res­ta Amazôni­ca. Dessa for­ma, essas aves enfrentaram um cenário críti­co no inter­stí­cio que vai de 80 mil até 20 mil anos atrás, quan­do hou­ve uma redução da área de mata fecha­da em decor­rên­cia da glaciação. De acor­do com o pesquisador, já há estu­dos que apon­tam para mudanças drás­ti­cas no regime de chu­vas nes­sa época, com esti­ma­ti­vas que indicam uma que­da de 40% a 60% no vol­ume de pre­cip­i­tações. Pas­sa­do esse perío­do, a Flo­res­ta Amazôni­ca voltou a se expandir para atin­gir o for­ma­to como a con­hece­mos atual­mente.

“Com menos cober­tu­ra veg­e­tal, as pop­u­lações de Willisor­nis acabam se reduzin­do e, con­se­quente­mente, apre­sen­tam taxas mais ele­vadas de cruza­men­tos entre par­entes. Isso resul­ta em menor diver­si­dade genéti­ca”, expli­ca Aleixo. O que sur­preen­deu os pesquisadores, no entan­to, foi a resil­iên­cia dessas aves, que demostraram capaci­dade de sobre­vivên­cia mes­mo em uma situ­ação adver­sa.

Vista aérea de floresta e rios da Amazônia
Repro­dução: Os pás­saros do gênero Willisor­nis só vivem próx­i­mos ao solo de flo­res­ta úmi­da.  — Val­ter Campanato/Agência Brasil

“O que vemos é que a flo­res­ta úmi­da se com­por­ta como uma san­fona ao lon­go do tem­po. Ela aumen­ta em perío­dos inter­glaciais e diminui em perío­dos glaciais. E isso deixa um impacto no geno­ma das espé­cies. Con­forme a teo­ria genéti­ca de pop­u­lações, quan­do você tem pop­u­lações que são muito homogêneas, que não são tão diver­sas do pon­to de vista genéti­co, elas ten­dem à extinção. Chama atenção que os Willisor­nis são pás­saros que não migram, não se deslo­cam muito. Eles têm um raio de ação muito pequeno. E mes­mo essas drás­ti­cas reduções pop­u­la­cionais não foram sufi­cientes para extin­guir a espé­cie.”

A pesquisa mostrou que esse proces­so ocor­reu em toda a exten­são flo­re­stal, mas não na mes­ma inten­si­dade. Os nove pás­saros que tiver­am seus geno­mas sequen­ci­a­dos são de difer­entes local­i­dades e foi obser­va­da uma vari­ação genéti­ca bem mais lim­i­ta­da no sul e no sud­este da Amazô­nia. De acor­do com os pesquisadores, os resul­ta­dos cor­rob­o­ram a tese de que essas regiões exper­i­men­tam trans­for­mações mais sig­ni­fica­ti­vas durante perío­dos sec­os, quan­do a flo­res­ta úmi­da se con­verte em ambi­entes aber­tos, como cer­ra­dos.

“Chamou atenção esse declínio maior no sul e sud­este. A gente sabe que mudanças climáti­cas impactaram Amazô­nia, isso está con­sol­i­da­do na lit­er­atu­ra cien­tí­fi­ca. Mas não existe ain­da uma ideia muito clara de como cada setor se com­por­tou. A gente con­segue ver na nos­sa pesquisa que essa retração flo­re­stal não foi homogênea em toda a exten­são do bio­ma. Essa parte que fica bem na tran­sição entre a Amazô­nia e o Cer­ra­do foi muito mais impacta­da do que as out­ras áreas”, rev­ela Aleixo.

Aquecimento global

Emb­o­ra seja esper­a­do que o plan­e­ta enfrente mudanças climáti­cas ao lon­go do tem­po, as alter­ações atual­mente em cur­so ger­am pre­ocu­pações de cien­tis­tas. Nas últi­mas décadas, vem sendo reg­istra­do um aumen­to anor­mal da tem­per­atu­ra média do plan­e­ta, influ­en­ci­a­do pela ação humana. A comu­nidade cien­tí­fi­ca vem chaman­do atenção para as con­se­quên­cias alar­mantes caso se man­ten­ha o rit­mo desse aque­c­i­men­to glob­al.

De acor­do com Aleixo, emb­o­ra não forneça dados especí­fi­cos do perío­do pre­sente, o estu­do com os Willisor­nis pode con­tribuir para um plane­ja­men­to de ações voltadas para mit­i­gar os efeitos das alter­ações climáti­cas em cur­so. “De cer­ta for­ma, a gente já con­segue inferir o que pode acon­te­cer”, diz ele, men­cio­nan­do a existên­cia de estu­dos que já fazem pro­jeções sobre a Amazô­nia.

Rio de Janeiro (RJ) 25/04/2024 - Mudanças climáticas do passado impactaram genética de ave na Amazônia Subir essas fotos para o Mosaico, a fim de colocar na matéria sobre mudanças climáticas. Foto: ITV-DS / Divulgação
Repro­dução: O estu­do foi coor­de­na­do pelo Insti­tu­to Tec­nológi­co Vale — Desen­volvi­men­to Sus­ten­táv­el (ITV-DS). Cri­a­do em 2010 com sede em Belém, tra­ta-se de um braço da min­er­ado­ra Vale Foto: ITV-DS / Divul­gação

Ele chama atenção para desafios envol­ven­do as unidades de con­ser­vação. “Muitas vezes, ado­ta-se a pre­mis­sa de que, uma vez demar­ca­da, a úni­ca coisa que pre­cis­aria ter é um tra­bal­ho ali de vig­ilân­cia para evi­tar o des­mata­men­to. Ou seja, a unidade está lá con­ser­va­da e pon­to final. Mas, na ver­dade, ela está total­mente desprepara­da para lidar com as mudanças climáti­cas. Mes­mo em uma área con­ser­va­da e cer­ca­da, você vai ter uma degradação em função do cli­ma e da mudança na dis­tribuição de chu­vas”, diz.

Dessa for­ma, pesquisas como a desen­volvi­da com os Willisor­nis podem con­tribuir para se pen­sar ações de con­ser­vação da bio­di­ver­si­dade. “A gente tem que ter indica­tivos, por exem­p­lo, de quais são as pop­u­lações que têm maior chance de sobre­viv­er ness­es locais diante da mudança climáti­ca. Isso per­mite esta­b­ele­cer, por exem­p­lo, estraté­gias de rein­tro­dução ou de cri­ação corre­dores de conexão. Mas eu pre­ciso saber exata­mente o que esse corre­dor vai estar conectan­do. Vai faz­er difer­ença para essa espé­cie?”, ques­tiona Aleixo.

Os pesquisadores já tra­bal­ham com derivações do estu­do. Eles querem encon­trar, no geno­ma, expli­cações para a resil­iên­cia dos Willisor­nis. “Eles têm algu­mas car­ac­terís­ti­cas que per­mi­ti­ram a essas aves se adaptarem a uma Amazô­nia mais seca, a uma Amazô­nia bas­tante per­tur­ba­da. A gente sabe que a fau­na se adap­ta e que existe uma resil­iên­cia para lidar com as mudanças climáti­cas. Mas ess­es estu­dos tam­bém nos aju­dam a enten­der qual o lim­ite dessa resil­iên­cia”, diz Aleixo. Já está em anda­men­to tam­bém uma avali­ação do geno­ma de out­ras espé­cies da fau­na e da flo­ra da Amazô­nia, entre elas a palmeira de açaí, a cas­tan­heiras e alguns lagar­tos.

Edição: Aécio Ama­do

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