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Mudanças climáticas: população negra é mais afetada por calor extremo

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Falta de arborização e saneamento agravam impactos de alta temperatura


Pub­li­ca­do em 25/11/2023 — 14:28 Por Leonar­do Rodrigues Car­val­ho — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

Os efeitos das ondas de calor extremo são mais inten­sos para as pop­u­lações de áreas per­iféri­c­as dos cen­tros urbanos e par­tic­u­lar­mente para os negros, que rep­re­sen­tam a maio­r­ia dos moradores dessas local­i­dades. É o que apon­ta o geó­grafo Dios­mar Fil­ho (foto), pesquisador da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF), refer­ên­cia no debate sobre racis­mo ambi­en­tal e tam­bém coor­de­nador cien­tí­fi­co da Asso­ci­ação de Pesquisa Iyale­ta.

“Nes­sas áreas, há menos infraestru­tu­ra e menos assistên­cia à saúde, ao trans­porte, ao sanea­men­to e à mora­dia. E tudo isso tem relação com a for­ma como vamos enfrentar os efeitos cau­sa­dos pelas mudanças climáti­cas, por exem­p­lo, no momen­to das chu­vas ou no aumen­to da tem­per­atu­ra com as ondas de calor”, diz.

População negra é mais afetada pelo calor extremo, aponta pesquisador e geógrafo Diosmar Filho. Foto: Arquivo pessoal
Repro­dução: Pop­u­lação negra é mais afe­ta­da pelo calor extremo, apon­ta pesquisador e geó­grafo Dios­mar Fil­ho. Foto: Arqui­vo pes­soal — Arqui­vo pes­soal

Dios­mar obser­va que bair­ros per­iféri­cos, que geral­mente são mais aden­sa­dos e sem áreas verdes, estão tam­bém mais sujeitos a prob­le­mas de abastec­i­men­to de água e de ener­gia elétri­ca. Todos ess­es ele­men­tos são apon­ta­dos como fatores que agravam os efeitos de um dia muito quente. O geó­grafo lem­bra que, ness­es dias, é pre­ciso beber mais água. “Há áreas onde a água não chega em quan­ti­dade e qual­i­dade. Em Sal­vador, por exem­p­lo, há regiões per­iféri­c­as que chegam a ficar um mês inteiro sem abastec­i­men­to”, enfa­ti­za.

Mudanças climáticas

Sedi­a­da na cap­i­tal baiana, a Asso­ci­ação de Pesquisa Iyale­ta inves­ti­ga as mudanças climáti­cas e as desigual­dades raci­ais, de gênero, soci­ais e ter­ri­to­ri­ais. Há mais de dois anos, o cor­po de pesquisadores vem apro­fun­dan­do os estu­dos em áreas urbanas situ­adas den­tro do perímetro da Amazô­nia Legal. Os envolvi­dos pos­suem for­mação em difer­entes áreas, que vão das ciên­cias humanas às ciên­cias da saúde. No ano pas­sa­do, Dios­mar e out­ros sete pesquisadores par­tic­i­param da pro­dução de cader­nos trazen­do anális­es sobre os even­tos climáti­cos em Por­to Vel­ho e em Cuiabá.

Eles chamam atenção para as car­ac­terís­ti­cas dos chama­dos aglom­er­a­dos sub­nor­mais, clas­si­fi­cação do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE) para for­mas de ocu­pação irreg­u­lar do solo com fins de habitação em áreas urbanas. Em ger­al, são definidos pelo padrão urbanís­ti­co irreg­u­lar e pela carên­cia de serviços públi­cos essen­ci­ais. Tam­bém são mar­ca­dos pelo aden­sa­men­to, isto é, pos­suem uma grande con­cen­tração de moradores. Em Por­to Vel­ho, 12,2% da pop­u­lação resi­dem nes­sas áreas.

Dios­mar frisa que o tipo de edi­fi­cação vis­to ness­es espaços é um com­pli­cador. O geó­grafo apon­ta para a existên­cia de mora­dias insalu­bres, com pouco espaço e teto baixo. “Se você tem uma onda de calor e você tem uma área aonde você não tem grande cir­cu­lação de ar, cer­ta­mente vai haver um impacto dire­to nas condições de saúde das pes­soas”, avalia o geó­grafo.

Os pesquisadores obser­varam que, nos casos de Cuiabá  e Por­to Vel­ho, cidades anal­isadas, as questões ter­ri­to­ri­ais e a desigual­dade urbana influ­en­ci­am a for­ma como as mudanças climáti­cas impactam as pop­u­lações negras e indí­ge­nas. Eles obser­vam que, na cap­i­tal de Mato Grosso, a seg­re­gação racial urbana reflete a imple­men­tação do plano dire­tor munic­i­pal, que não levaria em con­ta a garan­tia dos dire­itos fun­da­men­tais da pop­u­lação negra e a pre­ocu­pação com os efeitos das mudanças do cli­ma.

“Em relação ao sanea­men­to bási­co, as mul­heres negras (79,38%) e home­ns negros (78,24%) res­i­dentes na área urbana de Cuiabá, apre­sen­tam a menor pro­porção de aces­so ao esgo­ta­men­to san­itário ade­qua­do (rede de esgo­to ger­al e uso de fos­sa sép­ti­ca) se com­para­da às das pes­soas bran­cas (mul­heres – 86,3% e home­ns –85,91%)”, reg­is­tra o estu­do.

Cuiabá foi uma das cidades que mais sofreu na onda de calor extremo reg­istra­da na últi­ma sem­ana, ten­do sido por alguns dias a cap­i­tal mais quente do país. Os ter­mômet­ros chegaram a super­ar a mar­ca dos 40ºC. O fenô­meno do El Niño, que vem se man­i­fe­s­tando de for­ma inten­sa  e deve con­tin­uar pro­duzin­do efeitos até abril de 2024, tem sido rela­ciona­do com o aumen­to das tem­per­at­uras na maior parte do Brasil nesse final de ano. Mas difer­entes pesquisadores avaliam que a recente onda de calor tam­bém reflete, em algum medi­da, o aque­c­i­men­to glob­al do plan­e­ta.

Saúde

Nos estu­dos em Cuiabá e Por­to Vel­ho, os pesquisadores tam­bém bus­caram avaliar indi­cadores de saúde asso­ci­a­dos a arbovi­ros­es, como são chamadas as doenças trans­mi­ti­das pelo mos­qui­to Aedes aegyp­ti: dengue, zika e chikun­gun­ya. Todas elas são mais preva­lentes no verão. A pro­lif­er­ação do mos­qui­to gan­ha rit­mo acel­er­a­do em tem­per­at­uras ele­vadas, pois no calor seu perío­do repro­du­ti­vo fica mais cur­to. Além dis­so, o verão de boa parte do Brasil é a estação mais chu­vosa, o que faz aumen­tar os locais com água para­da, onde os ovos são deposi­ta­dos pelo Aedes aegyp­ti.

Mosquito da dengue, Aedes aegypti
Repro­dução: Mos­qui­tos causam doenças como a dengue — Arquivo/Agência Brasil

Indi­cadores col­hi­dos pelos pesquisadores em Cuiabá apon­tam que as arbovi­ros­es atingem a pop­u­lação negra com maior inten­si­dade. Con­sideran­do as mul­heres diag­nos­ti­cadas com dengue entre 2014 e 2020, 54,79% eram negras, 14,85% bran­cas e 0,39% indí­ge­nas. Para o restante dos casos, não há infor­mação sobre raça ou etnia.

Entre os home­ns, os números são sim­i­lares: 54,85% negros, 13,06% bran­cos, 0,72% indí­ge­nas e 31,10% igno­ra­dos. Os espe­cial­is­tas obser­vam que as desigual­dades raci­ais e de gênero, as condições de mora­dia e a exposição a con­tex­tos de maior vul­ner­a­bil­i­dade urbana e de ausên­cia de dire­itos, como sanea­men­to bási­co e aces­so à serviços de saúde, são fatores inti­ma­mente rela­ciona­dos com a incidên­cia de taxas dessas doenças.

“Quan­do chega o verão, você começa ver as recomen­dações: ‘cuide do seu jardim, tire o vaso da plan­ta, faça isso, faça aqui­lo’. Há uma pro­pa­gan­da nacional que parece que nós vamos resolver todo o prob­le­ma da dengue desse jeito, sendo que, nas áreas per­iféri­c­as, o aces­so ao sanea­men­to é desigual. E a fal­ta de sanea­men­to favorece a trans­mis­são da doença”, frisa Dios­mar.

Políticas públicas

Um out­ro estu­do pub­li­ca­do pela Asso­ci­ação de Pesquisa Iyale­ta — con­cluí­do no ano pas­sa­do — apre­sen­tou con­tribuições para o Plano Nacional de Adap­tação (PNA), insti­tuí­do por meio de por­taria do Min­istério do Meio Ambi­ente, em maio de 2016, após um proces­so de escu­ta de difer­entes setores da sociedade. Seu obje­ti­vo é ori­en­tar gestores públi­cos na adoção de ini­cia­ti­vas com o obje­ti­vo de min­i­mizar o risco climáti­co no lon­go pra­zo e reduzir a vul­ner­a­bil­i­dade à crise do cli­ma.

Em setem­bro, foi insti­tuí­do pelo gov­er­no fed­er­al um grupo téc­ni­co para elab­o­rar pro­pos­ta de atu­al­iza­ção do PNA, ouvin­do a sociedade civ­il. Para Dios­mar, é pre­ciso pen­sar diver­sas medi­das. Entre elas, ele men­ciona a urgên­cia de uma políti­ca de arboriza­ção. “Cada vez mais a gente vai pre­cis­ar de áreas verdes”, pre­coniza.

Ele cita tam­bém a neces­si­dade de políti­cas públi­cas seto­ri­ais, ter­ri­to­ri­ais e locais. “Pre­cisamos de esta­dos e municí­pios com políti­cas de mora­dia, de sanea­men­to, de saúde e de edu­cação integradas. Pre­cisamos olhar o sanea­men­to como parte de um proces­so de edu­cação em tem­po de mudanças climáti­cas, pre­cisamos de mora­dia que se afaste desse mod­e­lo que apri­siona, onde as pes­soas das per­ife­rias das grandes cidades vivem den­tro de peque­nas casas de seis met­ros quadra­dos”, final­iza.

Edição: Kle­ber Sam­paio

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