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Mulheres extrativistas enfrentam preconceito e geram renda na Amazônia

Uma das fontes de renda é o murumuru, usado na indústria cosmética

Tâmara Freire* — Envi­a­da espe­cial
Pub­li­ca­do em 31/05/2025 — 09:12
Ilha das Cin­zas (PA)
Ilha de Marajó (PA), 29/05/2025 - Mulheres extrativistas. Jesuína Batista e Dionete Silva colhem murumuru. Foto: Anderson Águia/Natura/WEG
Repro­dução: © Ander­son Águia/Natura/WEG

Há cer­ca de dez anos, quan­do saíam para col­her muru­mu­ru (fru­to de uma palmeira trop­i­cal) na Flo­res­ta Amazôni­ca, as mul­heres da comu­nidade São José, no norte da Ilha do Mara­jó (PA), ouvi­am de seus mari­dos e viz­in­hos a per­gun­ta: “As lou­cas já vão pro mato?”

Ilha de Marajó (PA), 29/05/2025 - Mulheres extrativistas. Benedita mostra estufa com amêndoa do murumuru. Foto: Anderson Águia/Natura/WEG
Repro­dução: Benedi­ta de Oliveira mostra est­u­fa com amên­doa do muru­mu­ru — Foto: Ander­son Águia/Natura/WEG

Mes­mo com as críti­cas e o pre­con­ceito, elas não desi­s­ti­ram e seguiram em frente, como lem­bra a extra­tivista Benedi­ta de Oliveira. “Quan­do nós começamos a tra­bal­har, foi muito difí­cil. Muito difí­cil mes­mo. A gente saía para o mato, deix­a­va tudo em casa e, quan­do chega­va, ain­da tin­ha que faz­er jan­ta, ajeitar tudo. E nós fomos muito crit­i­cadas pelos home­ns. Só que nós não lig­amos… nós con­tin­u­amos!”

“Quan­do a fru­ta do muru­mu­ru cai do pé, ela acu­mu­la uma em cima da out­ra, aí ela vai fer­men­tan­do e cria um mau cheiro, né? Por isso que a gente era chama­da por eles de ‘mul­heres fedorentas’, porque eles diziam que aque­le mau cheiro entran­ha­va”, acres­cen­ta Jesuí­na Batista Rosa (à esquer­da na foto prin­ci­pal).

Mas, por baixo da pol­pa “fedorenta”, até então con­sum­i­da ape­nas como ali­men­to por ani­mais sel­vagens e de cri­ação, há uma semente muito val­oriza­da pela indús­tria cos­méti­ca. À medi­da que a ren­da famil­iar foi aumen­tan­do, os home­ns foram obri­ga­dos a recon­hecer e respeitar o tra­bal­ho de suas com­pan­heiras. Antes dis­so, nen­hu­ma das mul­heres que fazem parte do grupo de extra­tivis­tas do Mani­va –  nome do igara­pé do Rio Ama­zonas que ban­ha a comu­nidade – tin­ha ren­da própria.

A grande maio­r­ia delas se casou ain­da na ado­lescên­cia e se ded­i­ca­va exclu­si­va­mente aos cuida­dos da casa e dos fil­hos, quan­do a opor­tu­nidade de se tornar extra­tivista apare­ceu, por deman­da da empre­sa de cos­méti­cos Natu­ra, em parce­ria com a Asso­ci­ação dos Tra­bal­hadores Agroex­tra­tivis­tas da Ilha das Cin­zas (Ata­ic), out­ra comu­nidade do Mara­jó. Elas tam­bém fornecem ucu­u­ba, fru­to de uma grande árvore, que tam­bém cai depois de maduro e geral­mente é reti­ra­do da super­fí­cie dos rios.

Ilha de Marajó (PA), 29/05/2025 - Mulheres extrativistas. Lourdes Batista mostra amêndoa do murumuru. Foto: Anderson Águia/Natura/WEG
Repro­dução: Lour­des Batista é uma das primeiras extra­tivis­tas do Mani­va — Foto: Ander­son Águia/Natura/WEG

Lour­des Batista Sil­va hoje está afas­ta­da da col­hei­ta por questões de saúde, mas, além de ser uma das primeira extra­tivis­tas do Mani­va, tam­bém foi respon­sáv­el por inte­grar muitas das out­ras par­tic­i­pantes.

“Eu falo de boca cheia que ten­ho orgul­ho da min­ha pes­soa. Eu me casei com 15 anos, min­ha primeira fil­ha eu tive com 16, e eu nun­ca deix­ei de tra­bal­har. Mas, quan­do a gente começou a vender o muru­mu­ru, mui­ta coisa mudou, porque aí eu pas­sei a não depen­der de homem.”

Benedi­ta tam­bém sente o mes­mo orgul­ho: “Nós, mul­heres, a gente não era vista, não era recon­heci­da. Fomos dis­crim­i­nadas, mas ago­ra acabou. Eu até con­segui realizar o meu son­ho de via­jar de avião. Foi a coisa mais incrív­el do mun­do que eu ten­ho na memória! E ago­ra este ano con­seguimos essa casa aqui, né? Cada uma de nós aju­dou um pouquin­ho.”

A casa men­ciona­da por ela se tra­ta do Cen­tro de Pro­dução das Mul­heres do Mani­va, onde as sementes são que­bradas e armazenadas, até somarem uma quan­ti­dade sufi­ciente para serem lev­adas pela Ata­ic e ven­di­das para a Natu­ra. Elas expli­cam o proces­so: as sementes de muru­mu­ru são sep­a­radas da pol­pa ain­da na flo­res­ta, lavadas no rio e colo­cadas para secar por alguns dias em uma est­u­fa. Depois, as sementes são que­bradas e as amên­doas – tan­to do muru­mu­ru quan­to da ucu­u­ba –, ensacadas para envio.

Ilha de Marajó (PA), 29/05/2025 - Mulheres extrativistas. Grupo de mulheres no Centro de Produção das Mulheres do Maniva. Foto: Anderson Águia/Natura/WEG
Repro­dução: Cen­tro de Pro­dução das Mul­heres do Mani­va — Foto: Ander­son Águia/Natura/WEG

Recen­te­mente o grupo con­seguiu aposen­tar o marte­lo que era usa­do para que­brar as sementes man­ual­mente – e que tam­bém acaba­va machu­can­do alguns dedos durante o proces­so –, após gan­har uma máquina que agili­zou muito o tra­bal­ho. Graças às mul­heres extra­tivis­tas, a comu­nidade tam­bém rece­beu painéis de ener­gia solar, que mel­ho­raram muito a qual­i­dade de vida da comu­nidade.

“Eu sem­pre tive o dese­jo de aju­dar na ren­da famil­iar, e a natureza me aju­dou a não ser uma mul­her só do lar, a enten­der que o tra­bal­ho não é só para o homem. Não! Nós mul­heres somos capazes de nos trans­for­mar e trans­for­mar o mun­do tam­bém… jun­tas, unin­do as nos­sas forças. Porque nós somos fortes e nós damos as nos­sas mãos”, con­ta Dionete da Sil­va Car­doso (à dire­i­ta na foto prin­ci­pal).

“Eu sem­pre digo para min­has fil­has, se tiv­er algu­ma coisa no nos­so cam­in­ho, vamos dar um jeit­in­ho de afas­tar e vamos prosseguir”, com­ple­ta ela.

O desafio ago­ra é enfrentar os efeitos das mudanças climáti­cas, que já estão sendo sen­ti­dos pelas pop­u­lações da flo­res­ta, como lem­bra Dionete: “Este ano, acho que a gente vai con­seguir faz­er uma entre­ga boa por causa da chu­va. Mas, nos últi­mos dois anos, foi mais difí­cil por causa da seca. Quan­do ela acon­tece, diminui a pro­dução do muru­mu­ru e de todas as espé­cies de fru­tos que nós temos aqui.”

*A repórter via­jou a con­vite da Natu­ra

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