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Museu das Culturas Indígenas exibe manto sagrado Tupinambá até domingo

Repro­dução: © Paulo Pinto/Agência Brasil

Peça original que está na Dinamarca desde 1689 voltará ao país em 2024


Pub­li­ca­do em 16/09/2023 — 10:10 Por Elaine Patri­cia Cruz – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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Em 2000, Nival­da Ama­r­al de Jesus, a Amo­tara, vis­i­tou, em São Paulo, a exposição Brasil +500, que cel­e­bra­va os 500 anos do desco­bri­men­to do Brasil. Foi ali que ela entrou em con­ta­to pela primeira vez com o man­to Tupinam­bá, uma indu­men­tária con­fec­ciona­da com penas ver­mel­has de pás­saros guará sobre uma base de fibra nat­ur­al, semel­hante a uma rede de pesca. Remanes­cente do sécu­lo 17, a relíquia tem 1,80 metro de altura e havia sido empresta­da ao Brasil pelo Museu Nacional da Dina­mar­ca (National­museet), peça que lá chegou no ano de 1689.

Para Amo­tara, esse con­ta­to foi um reen­con­tro com uma memória tran­scen­den­tal de seu povo Tupinam­bá de Olivença, na Bahia. Para este povo, o man­to não é um obje­to, mas uma rep­re­sen­tação de um ser vivo, “um ancião de mais de 300 anos”, que os conec­ta dire­ta­mente com seus ances­trais e sua cul­tura. Quan­do viu o man­to ali expos­to, Amo­tara decid­iu que ele não pode­ria mais ficar na Europa.

Amo­tara, out­ros rep­re­sen­tantes tupinam­bás e a Embaix­a­da do Brasil na Dina­mar­ca nego­cia­ram com o museu da Dina­mar­ca o retorno do man­to ao país. E ago­ra ele está pron­to para voltar: o Museu Nacional da Dina­mar­ca anun­ciou que vai doá-lo ao Museu Nacional do Rio de Janeiro e que ele chegará ao país em 2024.

“Ficamos saben­do da existên­cia do man­to quan­do con­hece­mos a antropólo­ga Susana Vie­gas, de Por­tu­gal. Ela veio a Olivença e con­heceu Amo­tara. Con­heceu tam­bém a família de dona Domin­gas e seu Pedro Brás. Ela [a antropólo­ga] dizia: ‘Vocês têm um mar­co. Vocês têm um man­to na Dina­mar­ca’. E min­ha mãe, Nival­da Amo­tara, quan­do era menor, já tin­ha ouvi­do a avó dela dizen­do que exis­tia um man­to na Igre­ja Nos­sa Sen­ho­ra da Esca­da e que vivia den­tro de um baú. Ele era todo feito de pena de guará e teci­do com lin­ha de tucum. Ela já tin­ha ouvi­do falar sobre a pre­sença desse man­to”, con­tou Maria Valdelice Ama­r­al de Jesus, ou Jamopo­ty, em entre­vista à Agên­cia Brasil. Jamopo­ty é a primeira caci­ca do povo Tupinam­bá de Olivença e da Bahia.

O primeiro con­ta­to com o man­to, no entan­to, só veio a ocor­rer em São Paulo, durante a exposição. E foi emo­cio­nante. “Con­vi­da­da pela Fol­ha de S.Paulo, a Amo­tara e o Aloí­sio [Aloí­sio Cun­ha Sil­va, que tam­bém era um líder tupinam­bá] foram lá no [Par­que] Ibi­ra­puera. E quan­do ela chegou na por­ta do Ibi­ra­puera, teve uma grande emoção, que foi [quan­do] os Encan­ta­dos a con­duzi­ram até o man­to. Os Encan­ta­dos mostraram para ela o que ela foi lá ver”, con­tou Jamopo­ty.

Segun­do a caci­ca, o man­to pre­cisa ser devolvi­do ao povo Tupinam­bá como instru­men­to de resistên­cia e tam­bém de luta por seu ter­ritório. “Fomos inva­di­dos, tan­to no nos­so ter­ritório quan­to nas coisas que pre­servá­va­mos de nos­sos ances­trais. Quan­tas peças temos fora do Brasil? São muitas. E isso pre­cisa ser devolvi­do para seus povos de origem. Isso vai dar segu­rança para nos­so povo, vai dar o nos­so ter­ritório demar­ca­do e vai dar, prin­ci­pal­mente, a estru­tu­ra e a conexão. O povo vai estar mais jun­to. O man­to vem para a união. Toda peça que sai do seu ter­ritório e vai para fora, quan­do retor­na, retor­na para a união dos povos”, afir­mou.

A caci­ca lem­brou ain­da que o man­to é um encan­ta­men­to e que, por isso, trará mudanças para o Brasil. “Vamos rece­ber esse ancião com muito orgul­ho. Ele vai traz­er a força e a unidade de nos­sas memórias que não estão aqui, mas em espíri­to”.

Segun­do Jamopo­ty, o man­to ficará no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e não na aldeia, porque esse ter­ritório ain­da não foi demar­ca­do. “O man­to tem uma força espir­i­tu­al dos nos­sos ances­trais que é para a demar­cação desse ter­ritório. Não deve­mos esque­cer que esse ter­ritório foi demar­ca­do em 1926. E hoje a gente pre­cisa demar­cá-lo de novo.”

Recepção

São Paulo-SP 14/09/2023 Indumentária confeccionada por Glicéria Tupinambá em exibição no projeto Manto em Movimento. Foto Paulo Pinto/Agência Brasil
Repro­dução: Glicéria Tupinam­bá con­fec­cio­nou o man­to expos­to no Museu das Cul­turas Indí­ge­nas — Paulo Pinto/Agência Brasil

O man­to que está na Dina­mar­ca dev­erá chegar ao Brasil somente em janeiro. Mas, para ante­ci­par essa chega­da, o pro­je­to Man­to em Movi­men­to tem pro­movi­do uma ação de ati­vação que pre­tende apre­sen­tar um man­to Tupinam­bá de for­ma itin­er­ante por vários museus de São Paulo.

Con­fec­ciona­do por Glicéria Tupinam­bá, o man­to ficará em exibição no Museu das Cul­turas Indí­ge­nas, na cap­i­tal paulista até este domin­go (17). Depois, seguirá para a Pina­cote­ca, para os museus do Ipi­ran­ga e de Arte Con­tem­porânea e para a Ocu­pação 9 de Jul­ho, retor­nan­do para a Casa do Povo.

A exposição Man­to em Movi­men­to é uma mostra doc­u­men­tal que refaz o per­cur­so da artista no reen­con­tro com os man­tos de seu povo. A mostra tam­bém se inter­conec­ta com a luta pela demar­cação do ter­ritório Tupinam­bá. O man­to con­fec­ciona­do por Glicéria tem per­cor­ri­do vários museus, mas a Casa do Povo, espe­cial­mente, preparou uma mostra com­ple­ta sobre esse tra­bal­ho da artista, apre­sen­tan­do mapas, icono­grafias, tex­tos e painéis que pode ser vis­i­ta­da até o dia 9 de dezem­bro.

A artista e ativista Glicéria Jesus da Sil­va, a Glicéria Tupinam­bá, tem pesquisa­do sobre essa indu­men­tária há algum tem­po. Inspi­ra­da nesse reen­con­tro de Amo­tara e Aloí­sio com o man­to, Glicéria con­fec­cio­nou out­ros qua­tro, com o obje­ti­vo de reen­con­trar aque­les que havi­am sido lev­a­dos para a Europa. Sua pro­pos­ta não é de uma retoma­da mate­r­i­al. Seu tra­bal­ho, expli­ca a Casa do Povo, está conec­ta­do ao dire­ito à memória e à ances­tral­i­dade, que per­mite exercer o dire­ito de reapren­der e reviv­er uma tradição, relem­bran­do seu modo de feitu­ra e dos rit­u­ais que a indu­men­tária rep­re­sen­ta.

“O primeiro man­to que eu fiz foi em 2006 para hom­e­nagear os Encan­ta­dos e foi doa­do para o Museu Nacional na exposição Os primeiros brasileiros. Depois dis­so, os Encan­ta­dos me pedi­ram para que eu fizesse mais três man­tos. Ele foi feito com base no man­to que eu tin­ha vis­to de per­to, na França, e tam­bém na min­ha pesquisa”, expli­cou a artista à Agên­cia Brasil.

“Na França, foi a primeira vez que o man­to falou comi­go. Naque­le momen­to, desco­bri que o man­to era um ances­tral, uma enti­dade e que esta­va se comu­ni­can­do. E ele me trazia a men­sagem de que os man­tos eram por­ta­dos por mul­heres e eram feitos por mul­heres. E que eu dev­e­ria bus­car isso. Então voltei para a aldeia e fui con­fec­cionar esse man­to, encon­tran­do ess­es pon­tos e frag­men­tos que estavam com min­has tias-avós. Elas tra­mavam com o pon­to do jer­eré. Eu con­segui res­gatar esse pon­to e desen­volvi uma out­ra téc­ni­ca, mas cheguei no mes­mo obje­ti­vo. E aí come­cei a faz­er a apli­cação das penas, que são cole­tadas den­tro do ter­ritório. Toda a comu­nidade se envolveu na feitu­ra desse man­to, que é cole­ti­va”, lem­brou Glicéria.

Para con­fec­cionar o man­to, foram necessários qua­tro meses e penas de vários pás­saros e aves como peru, fran­go, canário-da-mata, gav­ião e guiné. E essa indu­men­tária, desta­cou Glicéria, é fem­i­ni­na. “Ele [o man­to] reforça as majés, as mul­heres que têm o poder de cura e de reza, que são as parteiras e ben­zedeiras.”

Além do man­to que está na Dina­mar­ca, a Casa do Povo infor­ma que há mais dez espal­ha­dos por museus europeus. Ess­es artefatos, pro­duzi­dos entre os sécu­los 16 e 17, teri­am sido tro­ca­dos em nego­ci­ações diplomáti­cas ou saque­a­d­os durante a col­o­niza­ção. No Brasil, fisi­ca­mente, não restou nen­hum, mas eles resi­s­ti­ram na memória ances­tral de seu povo.

Mais infor­mações sobre a vis­i­tação ao pro­je­to Man­to em Movi­men­to pode ser obti­da no site da Casa do Povo ou no do Museu das Cul­turas Indí­ge­nas.

Edição: Nádia Fran­co

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