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Nascido há 100 anos, César Lattes fez descoberta que marcou a física

Repro­dução: © Cen­tro Brasileiro de Pesquisas F

Estudo de brasileiro sobre partículas levou inglês ao Nobel


Publicado em 11/07/2024 — 09:38 Por Luiz Claudio Ferreira — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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No alto do Monte Cha­cal­taya, a 5,5 mil met­ros aci­ma do mar, em La Paz, o jovem físi­co brasileiro César Lattes, de ape­nas 23 anos, esta­va, naque­le ano de 1947, diante do cenário da sua mais incrív­el descober­ta. Ele pux­a­va o ar para res­pi­rar na alti­tude boli­viana porque sabia que iria valer a pena.  Preparou um exper­i­men­to com emul­sões quími­cas em cha­pas fotográ­fi­cas e con­seguiu iden­ti­ficar partícu­las méson Pí, uma hipótese que esta­va antes ape­nas no cam­po da teo­ria para explicar o fun­ciona­men­to do áto­mo.

A ação garan­tiu o Nobel para o chefe do lab­o­ratório em Bris­tol (Inglater­ra), Cecil Pow­ell, para o qual o brasileiro tra­bal­ha­va. Mes­mo não receben­do o prêmio indi­vid­ual­mente, César Lattes foi acla­ma­do e ficou famoso. Agrade­ceu os con­vites de tra­bal­ho do mun­do inteiro, mas resolveu tra­bal­har no Brasil. Lattes nasceu em 1924, há exatos 100 anos em Curiti­ba (PR), e mor­reu em 2005.

No cenário acadêmi­co brasileiro, Lattes é hom­e­nagea­do pelo nome de uma platafor­ma que reúne os dados de pesquisadores e pro­fes­sores brasileiros, na base do Con­sel­ho Nacional de Desen­volvi­men­to Cien­tí­fi­co e Tec­nológi­co (CNPQ). Isso porque o físi­co teve uma tra­jetória que foi além do seu cam­po de pesquisa e defend­eu, durante toda a vida, a ciên­cia no Brasil.

Nota 10

César Lattes foi um jovem que, com 19 anos, for­mou-se em físi­ca na Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP). Ele ingres­sou no iní­cio de 1941 e ter­mi­nou no final de 1943. “Nas dis­ci­plinas do últi­mo ano, que tin­ham temas mais avança­dos, rela­ciona­dos ao que a gente chama de físi­ca mod­er­na do sécu­lo 20, asso­ci­a­da à rel­a­tivi­dade e aos con­hec­i­men­tos quân­ti­cos, ele tirou 10 em todas as matérias”, afir­ma o pro­fes­sor Ivã Gurgel, da USP. Era raro alguém ter um desem­pen­ho desse tipo naque­le cur­so que esta­va, segun­do o docente, atu­al­iza­do com os prin­ci­pais con­hec­i­men­tos do que se fazia no mun­do.

Quan­do se for­mou, Lattes ficou entu­si­as­ma­do ao ficar saben­do do que era feito na Inglater­ra na detecção de partícu­las de raios cós­mi­cos, tema que já tra­bal­ha­va com seus pro­fes­sores Gleb Watagh­in e Giuseppe Occhiali­ni, no Depar­ta­men­to de Físi­ca. Em 1946, a con­vite de Occhiali­ni, Lattes foi para a Uni­ver­si­dade de Bris­tol, Reino Unido, com bol­sa da British Coun­cil, tra­bal­har no lab­o­ratório de Cecil Pow­ell na cal­i­bração das novas emul­sões nuclear­es, um detec­tor de partícu­las que era um aper­feiçoa­men­to das cha­pas fotográ­fi­cas comuns.

Por que não explode?

O que eles bus­cav­am enten­der é como pró­tons (partícu­las com car­ga pos­i­ti­va) ficam jun­tos no núcleo do áto­mo sem se repelir. Pro­fes­sor da Uni­ver­si­dade Estad­ual do Rio de Janeiro (UERJ), Anto­nio Augus­to Videira, da área de filosofia e história da ciên­cia, con­sid­era que esse é um prob­le­ma muito impor­tante da físi­ca nuclear na déca­da de 30: enten­der como o núcleo do áto­mo fica coeso e o que está fazen­do o papel de “cola” entre os pró­tons.

“As partícu­las mesons estavam sendo procu­radas há uma déca­da por físi­cos não ape­nas na Inglater­ra, mas tam­bém nos Esta­dos Unidos”, afir­ma Videira. O pro­fes­sor da UERJ, que tam­bém é colab­o­rador do Cen­tro Brasileiro de Pesquisas Físi­cas (CBPF), expli­ca que  Lattes começou rap­i­da­mente a imag­i­nar out­ros proces­sos para con­hecer mel­hor as emul­sões a fim de que os exper­i­men­tos fos­sem mais con­fiáveis.

 

Brasília (DF), 10.07.2024 - Decaimento do méson pi em méson mi e exibe o principal resultado obtido pelo grupo de Bristol, do físico César Lattes. Foto: Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas/Divulgação
Repro­dução: Brasília — Decai­men­to do méson pi em méson mi mostra prin­ci­pal resul­ta­do obti­do pelo grupo de Bris­tol, do físi­co César Lattes. Foto Cen­tro Brasileiro de Pesquisas Físicas/Divulgação

“Antes, eles não con­seguiam extrair dados quan­ti­ta­tivos. Con­seguiam reg­is­trar, mas não sabi­am a mas­sa e ener­gia do even­to. O meson é como se fos­se uma partícu­la inter­mediária entre o pró­ton e o neu­tron”. Primeiro, ele bus­cou realizar o exper­i­men­to no Pic du Midi, a 2.880 met­ros aci­ma do nív­el do mar, na França, com emul­sões tratadas com Boro. Mas ain­da não foi o sufi­ciente. “O Lattes tem a ideia de ir a uma mon­tan­ha ain­da mais alta, na Bolívia. Ele deixou as cha­pas e um mês depois voltou ao monte, recol­heu as cha­pas e con­seguiu encon­trar os reg­istros”.

Revelação

Para chegar ao monte, havia uma estru­tu­ra porque lá esta­va um clube de esqui e era uma região que abri­ga­va refu­gia­dos europeus que foram para Bolívia para fugir do fas­cis­mo e do nazis­mo durante a 2ª Guer­ra Mundi­al. “O gov­er­no boli­viano, inter­es­sa­do em con­hecer o cli­ma da região, tin­ha insta­l­a­do uma estação mete­o­rológ­i­ca. Então, havia como chegar lá”. Lattes, então, faz a primeira rev­e­lação na anti­ga Fac­ul­dade Nacional de Filosofia, que era lig­a­da ao Museu do Brasil.

“Ele ficou muito ani­ma­do. Chegou a dar um sem­i­nário aqui sobre isso. anun­cian­do que as cha­pas que havia expos­to na Bolívia tin­ham resul­ta­dos pos­i­tivos”. Depois, voltou para a Inglater­ra, e a equipe perce­beu muitos even­tos. “Eles acabam pub­li­can­do tra­bal­hos que vão ser con­heci­dos e que vão con­fir­mar a existên­cia do meson”. Ess­es resul­ta­dos vão ben­e­fi­ciar Cecil Pow­ell, em 1949, que era o chefe lab­o­ratório em Bris­tol.

Anto­nio Augus­to Videira expli­ca que pesquisadores brasileiros bus­cam enten­der por que o prêmio não foi para Lattes. “Ele acabou não gan­han­do o Prêmio Nobel por uma série de razões. Ele foi indi­ca­do sete vezes para o Prêmio Nobel e acabou não gan­han­do”.

Nos anos seguintes, as pesquisas de Lattes pas­sam a ficar con­heci­das e a ter destaque na impren­sa. “Ele fica muito con­heci­do, e essa pop­u­lar­i­dade vai ser fun­da­men­tal para que haja uma trans­for­mação na físi­ca e na ciên­cia brasileiras”, afir­ma o pro­fes­sor da Uerj.

Luta pela ciência

Segun­do o pro­fes­sor Ivã Gurgel, da USP, César Lattes foi con­vi­da­do para tra­bal­har em insti­tu­tos e uni­ver­si­dades de várias partes do mun­do. “Mas resolveu voltar para o Brasil”. E ele pas­sa a não somente defend­er os temas da físi­ca, mas se jun­tar a out­ros pesquisadores para exal­tar a neces­si­dade de inves­ti­men­to na ciên­cia. “Eles que­ri­am, por exem­p­lo, obter o chama­do tem­po inte­gral para os pro­fes­sores, que hoje em dia a gente chama de ded­i­cação exclu­si­va”. Lattes fez car­reira tam­bém na USP e Uni­camp depois de voltar ao Brasil.

O con­tex­to daque­le final dos anos 1950 aju­da­va no con­venci­men­to. “Todos os even­tos que acon­te­ce­r­am durante a 2ª Guer­ra foram por avanços cien­tí­fi­cos e tec­nológi­cos. Mostraram a importân­cia que a ciên­cia tin­ha para a segu­rança de um país, não ape­nas para a segu­rança, mas para o desen­volvi­men­to econômi­co, social e cul­tur­al”, diz Videira. Nesse con­tex­to, deu-se a cri­ação do Con­sel­ho Nacional de Desen­volvi­men­to Cien­tí­fi­co e Tec­nológi­co (CNPq), por exem­p­lo.

“Eles não pen­savam ape­nas na físi­ca. Para que a físi­ca pudesse se desen­volver de for­ma pos­i­ti­va, ela pre­cisa­va de quími­cos, de engen­heiros de diver­sas áreas, ela já pre­cisa­va de matemáti­cos”, afir­ma o pesquisador do Cen­tro Brasileiro de Pesquisas Físi­cas, enti­dade tam­bém cri­a­da em 1949.

Para o pesquisador, isso acon­te­ceu de for­ma muito ráp­i­da e inten­sa, levan­do em con­ta que as comu­ni­cações ocor­ri­am por car­tas e telefonemas,com difi­cul­dades.  Segun­do os pro­fes­sores entre­vis­ta­dos, a história de César Lattes deve inspi­rar os mais jovens. O pro­fes­sor da USP Ivã Gurgel teste­munha que, mes­mo com os alunos na grad­u­ação, há quem não con­heça quem foi o pesquisador. “A gente pre­cisa faz­er um tra­bal­ho de preser­vação de memória e de divul­gação”, con­sid­era.

A tra­jetória do homem que resolveu defend­er a ciên­cia pode­ria, de acor­do com Anto­nio Videira, ser exem­p­lo, porque Lattes demon­stra­va ideais nacional­is­tas.  “Seria muito inter­es­sante se as esco­las pudessem mul­ti­plicar histórias como a dele. Tem que ter tex­tos e vídeos sobre ele para serem divul­ga­dos nas redes soci­ais, por exem­p­lo”.

Edição: Graça Adju­to

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