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Negros são minoria no serviço público federal e têm menores salários

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal jr/Agência Brasil

Levantamento mostra que mulheres negras estão na base da pirâmide


Pub­li­ca­do em 09/10/2023 — 17:03 Por Bruno de Fre­itas Moura — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Mais da metade da pop­u­lação do país é negra, um uni­ver­so for­ma­do por pes­soas pre­tas e par­das, segun­do clas­si­fi­cação do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca. O grupo responde por 55,7% dos brasileiros. No entan­to, quan­do um negro entra para o serviço públi­co, ele enfrenta uma inver­são. Pas­sa a ser mino­ria no con­jun­to de servi­dores. Além dis­so, tem salário menor que o de pes­soas bran­cas.  

O cenário é rev­e­la­do em lev­an­ta­men­to feito pela orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG) República.org, ded­i­ca­da a mel­ho­rar a gestão de pes­soas no serviço públi­co. O estu­do mostra que os negros são ape­nas 35,09% dos servi­dores públi­cos ativos do exec­u­ti­vo fed­er­al, de acor­do com dados do Sis­tema Inte­gra­do de Admin­is­tração de Pes­soal (Sia­pe) de 2020.

“Por mais que ten­hamos uma entra­da no serviço públi­co basea­da em val­ores como o méri­to e a isono­mia, ao olhar­mos para o retra­to políti­co-social da sociedade brasileira, temos uma extrema desigual­dade de aces­so entre pes­soas negras e indí­ge­nas em relação a pes­soas bran­cas, o que se reflete em quem é sele­ciona­do no con­cur­so públi­co”, disse à Agên­cia Brasil Vanes­sa Cam­pa­gnac, ger­ente de Dados e Comu­ni­cação da República.org.

Carreiras

A baixa rep­re­sen­ta­tivi­dade dos negros se agra­va à medi­da que aumen­tam a importân­cia e a remu­ner­ação do pos­to na admin­is­tração públi­ca. Ao se anal­is­ar o car­go mais ele­va­do na hier­ar­quia do serviço públi­co no exec­u­ti­vo fed­er­al, o de direção e asses­so­ra­men­to supe­ri­or de nív­el 6 (DAS‑6), ape­nas 35 dos 240 pos­tos eram ocu­pa­dos por pre­tos e par­dos, ou seja, 14,58%.

“Os car­gos de livre nomeação [caso dos DAS‑6] deman­dam uma forte rede de con­ta­to, que é con­struí­da pelas relações soci­ais que ess­es indi­ví­du­os esta­b­ele­cem ao lon­go da vida. Na con­strução históri­co-social do nos­so país, pes­soas bran­cas foram mais ben­e­fi­ci­adas por essas redes, enquan­to pes­soas negras e indí­ge­nas tiver­am o aces­so restringi­do ness­es espaços de poder”, expli­ca Vanes­sa.

Out­ro recorte que apro­fun­da a dis­pari­dade entre bran­cos e negros está nas car­reiras de esta­do, como diplo­matas, e de gestão, como anal­is­tas de plane­ja­men­to e orça­men­to, audi­tores e espe­cial­is­tas. Os bran­cos ocu­pam 73%, enquan­to pre­tos e par­dos ficam com 23,72%.

A ger­ente da República.org acred­i­ta que a baixa pre­sença de negros nes­sas car­reiras se dá pela com­plex­i­dade dos con­cur­sos. “Cos­tu­mam ter um maior número de fas­es e con­tam com cláusu­las de bar­reiras que cri­am vários obstácu­los a serem per­cor­ri­dos”. Ela cita cus­tos como aquisição de mate­r­i­al de estu­do e deslo­ca­men­to, que incluem via­gens em alguns casos.

“Tam­bém exis­tem os cus­tos não mon­etários, como a disponi­bil­i­dade de tem­po ded­i­ca­do a essa preparação, já que pes­soas negras nor­mal­mente têm menos condições de deixarem de tra­bal­har para se dedi­carem inte­gral­mente aos estu­dos”, com­ple­ta.

Mulheres negras

A baixa rep­re­sen­ta­tivi­dade de negros é acen­tu­a­da por um out­ro prob­le­ma, a desigual­dade de gênero, que fica explíci­ta quan­do se com­para o rendi­men­to de home­ns bran­cos e mul­heres negras no serviço públi­co. A remu­ner­ação líqui­da média do primeiro grupo é de R$ 8.774,20 por mês, enquan­to as negras recebem média de R$ 5.815,50 men­salmente. Isso rep­re­sen­ta para elas um salário 33% menor.

Para Vanes­sa Cam­pa­gnac, a desigual­dade de remu­ner­ação é expli­ca­da, sobre­tu­do, “pela con­cen­tração de pes­soas negras em posições com pior remu­ner­ação e a sua baixa pre­sença em car­gos de lid­er­ança e car­reiras com maior prestí­gio e val­oriza­ção”.

Lei de Cotas

A dis­pari­dade entre negros e bran­cos pode­ria ser pior não fos­se a Lei de Cotas (Lei 12.990, de 9 de jun­ho de 2014), que reser­va 20% das vagas em con­cur­sos públi­cos da União para pre­tos e par­dos. No ano 2000, para cada 100 novos servi­dores do exec­u­ti­vo fed­er­al, 17 eram negros. Em 2020, essa relação saltou para 43 em 100 novos aprova­dos.

O lev­an­ta­men­to da República.org apon­ta que, em 2008, seis anos antes do iní­cio da vigên­cia da Lei de Cotas, 29% das pes­soas que ingres­saram no serviço públi­co fed­er­al eram negras. Em 2020, esse per­centu­al esta­va em 43%.

De acor­do com a ONG, os efeitos de ação afir­ma­ti­va da Lei 12.990 foram prej­u­di­ca­dos por causa da redução na quan­ti­dade de con­cur­sos públi­cos nos últi­mos anos. Se em 2014, ano em que a lei pas­sou a vig­o­rar, foram 279 con­cur­sos para preenchi­men­to de 27 mil vagas, em 2020 foram ape­nas três, para 659 car­gos.

Renovação da lei

A Lei de Cotas tem vigên­cia de dez anos a con­tar de 2014. Mas há ini­cia­ti­vas para que seja pror­ro­ga­da. Uma delas é o Pro­je­to de Lei 1.958, de 2021, de auto­ria do senador Paulo Paim (PT/RS), que trami­ta no Sena­do e man­tém a reser­va de 20% por mais dez anos.

Na jus­ti­fica­ti­va do pro­je­to, o senador apon­ta que a lei de cotas deve ser enten­di­da como necessária até quan­do “o número de pre­tos e par­dos na admin­is­tração públi­ca fed­er­al cor­re­spon­der ao per­centu­al desse seg­men­to na pop­u­lação total do país”. O pro­je­to está na Comis­são de Dire­itos Humanos e Leg­is­lação Par­tic­i­pa­ti­va.

Den­tro do gov­er­no, além de inter­esse na pror­ro­gação da lei, há um movi­men­to para aumen­tar a faixa de reser­va de 20% para 30%. A pro­pos­ta foi con­struí­da pelos min­istérios da Igual­dade Racial, da Gestão e da Ino­vação em Serviços Públi­cos, e da Justiça e Segu­rança Públi­ca.

Na avali­ação de Már­cia Lima, secretária de Políti­cas de Ações Afir­ma­ti­vas, Com­bate e Super­ação do Racis­mo, do Min­istério da Igual­dade Racial, a Lei de Cotas “garan­tiu que nos últi­mos anos mais pes­soas negras se tor­nassem servi­do­ras públi­cas efe­ti­vas, resul­ta­do pos­i­ti­vo da políti­ca. Porém, dev­i­do às históri­c­as desigual­dades, esse cresci­men­to ain­da não foi sufi­ciente”.

A secretária defende que “para garan­tir­mos uma maior equidade racial, pre­cisamos man­ter a políti­ca de cotas raci­ais nas car­reiras do serviço públi­co fed­er­al”.

A rep­re­sen­tante do min­istério ressalta ain­da que “é impor­tante para a con­strução das políti­cas públi­cas, para o ofer­ec­i­men­to dos serviços públi­cos e para a imple­men­tação dos pro­gra­mas que pes­soas negras este­jam pre­sentes, envolvi­das e tra­bal­han­do. As cotas no serviço públi­co pro­movem a igual­dade”.

Comissionados

Out­ra medi­da para diminuir a desigual­dade den­tro do serviço públi­co é o decre­to assi­na­do pelo pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, em março deste ano, que reser­va 30% dos car­gos de con­fi­ança na admin­is­tração dire­ta, autar­quias e fun­dações para pes­soas negras.

As cotas são para os Car­gos Comis­sion­a­dos Exec­u­tivos (CCE), de livre nomeação, e as Funções Comis­sion­adas Exec­u­ti­vas (FCE), tam­bém de livre nomeação, mas exclu­si­vas para servi­dores con­cur­sa­dos. A nor­ma tam­bém deter­mi­na a obser­vação da pari­dade de gênero na ocu­pação dess­es car­gos.

Vanes­sa Cam­pa­gnac obser­va que a imple­men­tação de ações afir­ma­ti­vas nos car­gos comis­sion­a­dos é fun­da­men­tal para com­bat­er dis­torções. Ela acred­i­ta que pos­sa ocor­rer um efeito mul­ti­pli­cador, uma vez que “pes­soas negras em car­gos de decisão podem atrair, de for­ma orgâni­ca, mais pes­soas negras para essas posições, pois há, assim, a con­strução de redes de con­ta­to mais diver­sas”.

A Lei de Cotas é especí­fi­ca para o exec­u­ti­vo fed­er­al, não se apli­can­do aos Poderes Judi­ciário e Leg­isla­ti­vo, nem para esta­dos e municí­pios. Um lev­an­ta­men­to da Fac­ul­dade Lati­no-Amer­i­cana de Ciên­cias Soci­ais disponi­bi­liza­do pela República.org apon­ta que pelo menos 20 unidades da fed­er­ação tin­ham algum tipo de reser­va de vagas para negros.

Além da manutenção de cotas em con­cur­sos, a ger­ente da República.org sug­ere out­ras for­mas de apoio à pop­u­lação negra. “Uma aju­da de cus­tos para preparação de con­cur­sos e deslo­ca­men­to, ou inves­ti­men­to em preparatórios des­ti­na­do a pes­soas negras pode­ri­am acel­er­ar a redução dessa desigual­dade”, diz.

Edição: Maria Clau­dia

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