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Novo teste de HPV no SUS pode antecipar diagnóstico em até 10 anos

Repro­dução: © Rena­to Araújo/Agência Brasil

Vírus é o principal causador de câncer de colo de útero


Publicado em 09/03/2024 — 15:06 Por Paula Laboissière – Repórter da Agência Brasil — Brasília

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O Min­istério da Saúde anun­ciou esta sem­ana a incor­po­ração ao Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS) de um teste para detecção de HPV em mul­heres clas­si­fi­ca­do pela própria pas­ta como ino­vador. A tec­nolo­gia uti­liza testagem mol­e­c­u­lar para a detecção do vírus e o ras­trea­men­to do câncer do colo do útero. Pro­fes­sor e pesquisador da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas (Uni­camp), o gine­col­o­gista Júlio César Teix­eira con­duz, há quase sete anos, um pro­gra­ma de ras­trea­men­to de HPV que uti­liza o teste ago­ra será disponi­bi­liza­do na rede públi­ca.

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, o médi­co con­fir­mou o caráter ino­vador do teste e expli­cou que a pro­pos­ta é que ele passe a sub­sti­tuir o exame pop­u­lar­mente con­heci­do como Papan­i­co­lau.

Júlio César Teixeira, ginecologista, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Repro­dução: Júlio César Teix­eira, gine­col­o­gista, pro­fes­sor e pesquisador da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas (Uni­camp) — Foto: Arqui­vo pes­soal

“É um teste feito por máquina, ou seja, tem um erro próx­i­mo de zero, enquan­to o Papan­i­co­lau tem muitas eta­pas onde há mui­ta inter­fer­ên­cia humana”.

Ain­da de acor­do com o gine­col­o­gista, a tec­nolo­gia per­mite que a testagem seja fei­ta ape­nas de cin­co em cin­co anos, enquan­to o ras­treio do HPV pelo Papan­i­co­lau deve ser real­iza­do a cada três anos.

Teix­eira tam­bém detal­hou a relação da infecção por HPV com alguns tipos de câncer que vão além do câncer de colo de útero, como o de boca, na vul­va, no pênis e no canal anal. Para o espe­cial­ista, a testagem do HPV, soma­da à vaci­nação pre­coce em ado­les­centes com até 15 anos, pode mudar o cenário de saúde públi­ca no país.

Atual­mente, 16 mul­heres mor­rem por câncer de colo de útero no Brasil – uma a cada 82 min­u­tos, com idade média de 45 anos. “Isso pode­ria ser evi­ta­do. Esse é o nos­so foco”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Agên­cia Brasil: Nes­ta sex­ta-feira (8), o Min­istério da Saúde anun­ciou a incor­po­ração ao SUS de um teste para detecção de HPV. O que o sen­hor tem a diz­er sobre essa nova testagem no país?

Júlio César Teix­eira: O teste, em si, é real­mente ino­vador no sen­ti­do de que ele aca­ba detectan­do mais lesões pré-câncer que o anti­go Papan­i­co­lau. Então, você aca­ba não deixan­do pas­sar mul­heres que têm lesões e você ante­ci­pa os diag­nós­ti­cos em até 10 anos. É um teste feito por máquina, ou seja, tem um erro próx­i­mo de zero, enquan­to o Papan­i­co­lau tem muitas eta­pas onde há mui­ta inter­fer­ên­cia humana e, por isso, aca­ba ten­do um pouco mais de difi­cul­dade.

Essa difi­cul­dade do Papan­i­co­lau faz com que ele seja feito a cada três anos nas con­sul­tas de roti­na. O teste de HPV, por ser mais efi­ciente, é feito a cada cin­co anos. Quan­do ele dá neg­a­ti­vo, a mul­her pode ficar 100% tran­quila por cin­co anos.

Agên­cia Brasil: Esse teste já vin­ha sendo usa­do no Brasil na rede par­tic­u­lar e ago­ra pas­sa a ser incor­po­ra­do na rede públi­ca?

Teix­eira: Sim, ele já existe há alguns anos. Está disponív­el na rede par­tic­u­lar, mas nem todos os planos de saúde cobrem até hoje. O pes­soal que tem aces­so uti­liza porque ele tem uma facil­i­dade e uma van­tagem: de par­ti­da, ele é mais caro que o Papan­i­co­lau, mas, na ver­dade, aca­ba com­pen­san­do porque você aca­ba pre­venin­do mais e, naque­las mul­heres que teri­am lesões, você detec­ta em fase bem Ini­cial, ou seja, com trata­men­to bem mais bara­to.

Ao final, na hora em que você colo­ca para gestão de um plano ou de um pro­gra­ma, ele aca­ba sendo mais econômi­co do que o que já se gas­ta com o Papan­i­co­lau.

Agên­cia Brasil: Do pon­to de vista do trata­men­to e da pos­si­bil­i­dade de cura, qual é a difer­ença de se detec­tar uma lesão de HPV bem no iní­cio e out­ra já em está­gio mais avança­do?

Teix­eira: O Papan­i­co­lau tam­bém detec­ta as lesões no iní­cio, mas, pro­por­cional­mente, o número de casos detec­ta­dos é menor. Então, a gente está falan­do em quan­ti­dade de casos, ou seja, em não deixar escapar uma mul­her que tem uma lesão sig­ni­fica­ti­va, que pode não ser detec­ta­da e que vai ser detec­ta­da só dali três anos. Com o teste de HPV, isso tende a não acon­te­cer. E, quan­to menor a gravi­dade da lesão, mais fácil, inclu­sive, dela se curar sem trata­men­to.

Às vezes, a gente só acom­pan­ha e, quan­do existe uma lesão que pre­cisa de trata­men­to, os trata­men­tos são os mes­mos. A difer­ença é que real­mente o teste de HPV ante­ci­pa esse diag­nós­ti­co.

A gente uti­liza essa tec­nolo­gia no SUS de Inda­iatu­ba des­de 2017. Já esta­mos no sex­to ano desse pro­gra­ma e nós iden­ti­fi­camos que, quan­do a gente faz, com alta cober­tu­ra, nas mul­heres de Inda­iatu­ba, aumen­ta­mos a detecção dos cânceres que iri­am apare­cer nos próx­i­mos 10 anos na cidade e troux­e­mos ess­es cânceres para fase microscópi­ca, ou seja, com trata­men­tos mais fáceis e próx­i­mos de 100% de cura. Essa é a van­tagem do teste.

Com­para­n­do teste por teste, ele tem essas van­ta­gens pon­tu­ais. Mas só vai fun­cionar se ele estiv­er inseri­do em um pro­gra­ma orga­ni­za­do, onde você tem o con­t­role da pop­u­lação que está fazen­do os testes de pre­venção e, prin­ci­pal­mente, daque­las que não estão fazen­do, para chamar e faz­er.

Agên­cia Brasil: O sen­hor acred­i­ta que, com essa incor­po­ração de tec­nolo­gia, podemos pen­sar em aposen­tar o Papan­i­co­lau? Ou ele segue como méto­do pre­ven­ti­vo para out­ras doenças?

Teix­eira: O Papan­i­co­lau vai ser sub­sti­tuí­do pelo teste de HPV como primeira abor­dagem, como um primeiro teste. Vai ser um pelo out­ro sim. É assim que é feito. É uma sub­sti­tu­ição mes­mo. Só que, em 10% dos casos, vai ser detec­ta­do algum tipo de HPV que não é tão grave, mas tam­bém não é tão leve.

Ness­es casos, a gente faz o teste de Papan­i­co­lau no mes­mo mate­r­i­al já col­hi­do. Então, o teste de Papan­i­co­lau vai ser uti­liza­do, com uma out­ra tec­nolo­gia um pouco mais mod­er­na, mas no mes­mo mate­r­i­al já col­hi­do, em 10% dos casos.

Ou seja, uma de cada 10 mul­heres que vai faz­er o teste de HPV vai acusar uma situ­ação inter­mediária e aí vai ser feito um Papan­i­co­lau para aux­il­iar com mais infor­mações e indicar qual o mel­hor cam­in­ho para a con­dução desse caso.

Agên­cia Brasil: Falan­do especi­fi­ca­mente sobre o HPV, a gente con­hecia antiga­mente como um tipo de doença sex­ual­mente trans­mis­sív­el (DST) e hoje é clas­si­fi­ca­do como uma infecção sex­ual­mente trans­mis­sív­el (IST)?

Teix­eira: Isso, mas é ape­nas uma nomen­clatu­ra. De todas as pes­soas, home­ns mul­heres, todas, até o fim da vida, 80% vão ter con­ta­to com algum dos HPV. São vários tipos, você tem aí uns 25 que acome­tem a região gen­i­tal e alguns deles são rela­ciona­dos ao câncer. Então, o que acon­tece? Quase todo mun­do vai ter. Oiten­ta por cen­to é um número alto. Vai ter con­ta­to sim, vai ter essa IST. Só que a grande maio­r­ia, 90%, elim­i­na em até 24 meses o vírus, por meio da respos­ta imunológ­i­ca da pes­soa.

A maio­r­ia das pes­soas têm uma infecção tran­sitória e vai se curar. O prob­le­ma é aque­la infecção que fica per­sis­tente por anos, sem dar sin­tomas. Aí, vai dan­do lesões ali no colo do útero, por exem­p­lo, mas pode dar tam­bém no canal anal, na vul­va, no pênis, na boca. Há vários locais onde pode haver lesões pré-câncer. O colo de útero é o prin­ci­pal.  Basi­ca­mente, ali é o foco prin­ci­pal porque há muitos casos e a pro­porção de câncer por HPV no colo do out­ro é de 99,9%, ou seja, prati­ca­mente não há câncer no colo do útero se não hou­ver HPV. Aí, entra a vaci­nação pre­coce.

Se a gente vaci­nar a pop­u­lação inteira abaixo dos 15 anos, esse câncer vai sumir. Só que, enquan­to isso não acon­tece, porque demor­aria de 20 a 30 anos após a vaci­nação nes­sa faixa etária para isso para acon­te­cer, a gente con­tin­ua fazen­do ess­es pro­gra­mas de ras­trea­men­to pre­ven­tivos per­iódi­cos. Porque tem uma tran­sição lon­ga.

Agên­cia Brasil: É impor­tante destacar que pre­cisa vaci­nar não só a meni­na como o meni­no tam­bém?

Teix­eira: Todo mun­do. Porque você tem cânceres provo­ca­dos pelo HPV em out­ros pon­tos do cor­po e você tem que blo­quear a cir­cu­lação do vírus na pop­u­lação. A gente deve vaci­nar todo mun­do abaixo dos 15 anos e isso está disponív­el no sis­tema públi­co gra­tuita­mente. Essa vaci­na, hoje, está com duas dos­es, com inter­va­lo de seis meses para essa faixa de idade, abaixo dos 15 anos.

Em vários país­es que começaram a vaci­nar 10 anos antes do Brasil, já não há mais casos e eles já estão uti­lizan­do uma úni­ca dose de vaci­na. Ou seja, você vai reduzir até que se lim­ite tudo, o câncer, as lesões pré-câncer, a neces­si­dade mais de uma dose de vaci­na. O câncer vai sumin­do e nós vamos poder inve­stir o din­heiro econ­o­miza­do e as vidas econ­o­mizadas em out­ras ações para o país.

Agên­cia Brasil: Essa vaci­na, à época do lança­men­to no Brasil, ger­ou uma cer­ta polêmi­ca. Hoje, a gente ain­da percebe resistên­cia por parte dos pais em imu­nizar as cri­anças. O que o sen­hor tem a diz­er em relação a isso?

Teix­eira: Quase todo mun­do vai ter esse con­ta­to com o vírus durante a vida. Então, a gente tem que se pre­venir. Não tem como você evi­tar. Mas veja bem:

O obje­ti­vo da vaci­nação não é pre­venir uma infecção sex­u­al ou lib­er­ar um ado­les­cente para o iní­cio da vida sex­u­al. O obje­ti­vo é pre­venir câncer. É uma vaci­na que previne câncer. Eu sou da Uni­camp e estou tratan­do gente inter­na­da, mul­heres de 30 a 35 anos, com câncer avança­do, em está­gio bem avança­do e muito ruins, que estão para mor­rer. Toda sem­ana a gente vê isso. E pode­ria ser evi­ta­do com essas ações de vaci­nação e de ras­trea­men­to per­iódi­co.

Olha um para­le­lo impor­tante: a hepatite B causa câncer de fíga­do e a pes­soa adquire o vírus por relação sex­u­al e por trans­fusão de sangue. Na vaci­nação con­tra a hepatite B, a cri­ança, quan­do nasce, já sai com a primeira dose apli­ca­da na mater­nidade des­de 2004 no Brasil. Com isso, nós já não esta­mos mais ten­do câncer de fíga­do rela­ciona­do à hepatite B nos gru­pos abaixo de 20 anos no Brasil. Porque todo mun­do está vaci­na­do.

E ninguém fala nada que é um vírus que se pega por relação sex­u­al. Então, o que que fal­ta é ori­en­tação, edu­cação do povo e con­sci­en­ti­za­ção.

Edição: Car­oli­na Pimentel

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