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OAB diz que PL do aborto é flagrantemente inconstitucional e atroz

Repro­dução: © Raul Spinassé/OAB

Parecer foi aprovado hoje por aclamação


Publicado em 17/06/2024 — 15:41 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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O Con­sel­ho Pleno da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil (OAB) aprovou nes­ta segun­da-feira (17), por acla­mação, um pare­cer que define como incon­sti­tu­cional, incon­ven­cional e ile­gal o pro­je­to de lei (PL) que equipara o abor­to após a 22ª sem­ana de ges­tação ao homicí­dio. Com 81 mem­bros, o Con­sel­ho da OAB é o órgão máx­i­ma da insti­tu­ição que rep­re­sen­ta a advo­ca­cia brasileira.

“Abso­lu­ta despro­por­cional­i­dade e fal­ta de razoa­bil­i­dade da proposição leg­isla­ti­va em questão, além de per­ver­sas mis­oginia e racis­mo. Em suma, sob óti­ca do dire­ito con­sti­tu­cional e do dire­ito inter­na­cional dos dire­itos humanos o PL 1904/2024 é fla­grante­mente incon­sti­tu­cional, incon­ven­cional e ile­gal”, afir­ma o pare­cer.

O doc­u­men­to con­sid­era ain­da que o PL remon­ta à Idade Média, sendo “atroz, degradante, retró­gra­do e per­se­cutória a meni­nas e mul­heres”. De acor­do com o pare­cer, “[o PL] obri­ga meni­nas e mul­heres, as prin­ci­pais víti­mas de estupro, a duas opções: ou ela é pre­sa pelo crime de abor­to, cujo o trata­men­to será igual ao dis­pen­sa­do ao crime de homicí­dio sim­ples, ou ela é obri­ga­da a ger­ar um fil­ho do seu estuprador”.

O Con­sel­ho votou a favor do pare­cer pro­duzi­do por comis­são for­ma­da por cin­co rep­re­sen­tantes da OAB, todas mul­heres, lid­er­adas pela con­sel­heira Sil­via Vir­ginia Sil­va de Souza, atu­al pres­i­dente do Con­sel­ho Nacional de Dire­itos Humanos.

Brasília (DF) 17/06/2024 - OAB diz que PL do aborto é flagrantemente inconstitucional e atrozSilvia Virginia Silva de Souza Foto: Raul Spinassé/OAB Nacional
Repro­dução: Con­sel­heira Sil­via Vir­ginia Sil­va de Souza, pres­i­dente do Con­sel­ho Nacional de Dire­itos Humanos. Foto: Raul Spinassé/OAB Nacional

Foram real­iza­dos “75 mil estupros por ano, com 58 mil dess­es estupros con­tra meni­nas de até 13 anos, 56% negras. O retra­to das víti­mas deste pro­je­to de lei, se aprova­do, são meni­nas pobres e negras que têm voz aqui, sim, nesse plenário. Eu vim desse lugar”, disse Sil­via de Souza durante a sessão do Con­sel­ho da OAB.

O pare­cer foi feito a pedi­do do pres­i­dente da Ordem, Beto Simon­et­ti, que desta­cou que o doc­u­men­to aprova­do hoje não é uma mera opinião da insti­tu­ição. “É uma posição da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil, forte, firme, ser­e­na e respon­sáv­el. E, a par­tir dele, nós con­tin­uare­mos lutan­do no Con­gres­so Nacional, através de diál­o­go, e ban­can­do e patroci­nan­do a nos­sa posição”, afir­mou.

O doc­u­men­to aprova­do pelo Con­sel­ho da OAB pede que o pro­je­to de lei que equipara o abor­to ao homicí­dio seja arquiv­a­do ou, caso aprova­do, que o tema seja lev­a­do ao Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF).

Inconstitucional

O pare­cer afir­ma que o PL 1.904/24 vio­la a Con­sti­tu­ição por não pro­te­ger e garan­tir o dire­ito à saúde, prin­ci­pal­mente às mul­heres víti­mas de estupro. Segun­do o pare­cer, a pena impos­ta pelo pro­je­to à mul­her víti­ma de estupro, por ser maior que a pena impos­ta hoje ao estuprador, tam­bém vio­la o princí­pio da pro­por­cional­i­dade que deve reger o dire­ito penal.

“Atribuir à víti­ma de estupro pena maior que do seu estuprador, não se coad­una com os princí­pios da razoa­bil­i­dade e da pro­por­cional­i­dade da proposição leg­isla­ti­va, além de trata­men­to desumano e dis­crim­i­natório para com as víti­mas de estupro”, diz o doc­u­men­to.

De acor­do com o pro­je­to, a mul­her poderá ter uma pena que chega a 20 anos, enquan­to o estuprador pode pegar, no máx­i­mo, 10 anos de cadeia.

O doc­u­men­to aprova­do hoje pela OAB desta­ca ain­da que o tex­to “gros­seiro e desconexo da real­i­dade” não con­sid­era as difi­cul­dades que as mul­heres e meni­nas víti­mas de estupro têm para aces­sar o abor­to legal.

“O PL não se pre­ocupou com a pos­si­bil­i­dade de uma descober­ta tar­dia da gravidez, fenô­meno comu­mente perce­bido nos lugares mais inte­ri­o­ra­nos dos Esta­dos brasileiros, ou ain­da, com a desí­dia do Esta­do na assistên­cia médi­ca em tem­po hábil”, argu­men­tou.

17.06.2024. Brasília (DF) - Sessão do Conselho Pleno da OAB Nacional.Crédito: Raul Spinassé/OAB
Repro­dução: Brasília — Sessão do Con­sel­ho Pleno da OAB Nacional que con­sider­ou PL do Abor­to incon­sti­tu­cional. Foto: Raul Spinassé/OAB

Segun­do a OAB, as difi­cul­dades impostas pela real­i­dade jus­ti­fi­cam a inter­rupção da gravidez aci­ma da 22ª sem­ana.

“No Brasil, o abor­ta­men­to seguro está restri­to a poucos esta­b­elec­i­men­tos e con­cen­tra­da em grandes cen­tros urbanos. A difi­cul­dade em recon­hecer os sinais da gravidez entre as cri­anças, ao descon­hec­i­men­to sobre as pre­visões legais do abor­to, à descober­ta de diag­nós­ti­cos de mal­for­mações que geral­mente são real­iza­dos após primeira metade da gravidez, bem como à imposição de bar­reiras pelo próprio sis­tema de saúde (objeção de con­sciên­cia, exigên­cia de bole­tim de ocor­rên­cia ou autor­iza­ção judi­cial, den­tre out­ros) con­stituem as prin­ci­pais razões para a procu­ra pelo abor­to após a 20ª sem­ana de gravidez”, expli­ca o pare­cer.

Direito penal

O pare­cer afir­ma que o dire­ito penal deve ser usa­do como últi­mo recur­so, já que ele é regi­do pelo princí­pio da inter­venção mín­i­ma e da reser­va legal. “O dire­ito penal tor­na-se ilegí­ti­mo quan­do a serviço do clam­or social, pois sua uti­liza­ção deve ser como ulti­ma ratio, e não como primeira e úni­ca opção”, diz o doc­u­men­to.

Out­ro argu­men­to uti­liza­do é o de que o PL vio­la o princí­pio da humanidade das penas.

“A imposição de pena de homicí­dio às víti­mas de estupro é capaz de osten­tar car­ac­terís­ti­cas de penas cruéis e infamantes, o que seria um retro­ces­so e uma vio­lação ao princí­pio da humanidade das penas”, argu­men­tou.

Laicidade e vício formal

Segun­do a OAB, o PL tam­bém feriria o princí­pio do Esta­do Laico, que sus­ten­ta que con­vicções de deter­mi­na­da religião não podem ser impostas ao con­jun­to da sociedade.

“A políti­ca crim­i­nal pro­pos­ta no PL em análise, no seu aspec­to soci­ológi­co aparenta estar imbuí­da de con­vicções teís­tas, ao pas­so que se afas­tar da real­i­dade de meni­nas e mul­heres brasileiras estupradas e engravi­dadas por seus algo­zes e, por­tan­to, não encon­tra abri­go no princí­pio da lai­ci­dade do Esta­do”, diz.

A OAB tam­bém chamou atenção para o fato de a urgên­cia do pro­je­to de lei ter sido aprova­do sem dis­cussão com a sociedade.

“Nota­do vício for­mal, vez que não foi apre­goa­do pela Mesa [da Câmara] poden­do ser vota­do dire­ta­mente no Plenário, sem que antes fos­se sub­meti­do à análise das comis­sões de méri­to da Câmara, sendo, ain­da, suplan­ta pos­si­bil­i­dade de par­tic­i­pação da sociedade civ­il e de Insti­tu­ições Públi­cas nos debates e dis­cussões acer­ca des­ta temáti­ca”, com­ple­tou.

Defesa do PL

De auto­ria do dep­uta­do fed­er­al Sóstenes Cav­al­cante (PL-RJ), o tex­to con­ta com a assi­natu­ra de 32 par­la­mentares. Ao jus­ti­ficar o pro­je­to, o dep­uta­do Sóstenes sus­ten­tou que “como o Códi­go Penal não esta­b­elece lim­ites máx­i­mos de idade gesta­cional para a real­iza­ção da inter­rupção da ges­tação, o abor­to pode­ria ser prat­i­ca­do em qual­quer idade gesta­cional, mes­mo quan­do o nasc­i­turo já seja viáv­el”.

Edição: Valéria Aguiar

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