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Ocupação Manoel Congo, no Rio, deve ser regularizada ainda em 2024

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Após 16 anos, movimento por moradia está perto de desfecho positivo


Pub­li­ca­do em 03/03/2024 — 10:40 Por Rafael Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Nas pare­des de már­more do corre­dor de entra­da, estão fix­adas dezenas de papéis com escalas de tra­bal­ho. Moradores se revezam de dia e de noite, em turnos de duas horas e meia, para garan­tir que a por­taria nun­ca fique vazia. Mais do que garan­tir a segu­rança do pré­dio, está em questão o cuida­do de um bem cole­ti­vo, orga­ni­za­do pelo Movi­men­to Nacional de Luta pela Mora­dia (MNLP) des­de 2008.

A Ocu­pação Manoel Con­go fica em um edifí­cio de dez andares na Rua Alcin­do Gua­n­abara, número 20, no cen­tro do Rio de Janeiro. É viz­in­ha de parede da Câmara Munic­i­pal e está a poucos pas­sos do The­atro Munic­i­pal e da Bib­liote­ca Nacional. Cer­ca de 40 famílias, ou 128 pes­soas, vivem no pré­dio. Recen­te­mente, a Caixa Econômi­ca Fed­er­al anun­ciou que a reg­u­lar­iza­ção defin­i­ti­va do pré­dio está próx­i­ma e deve acon­te­cer ain­da nesse semes­tre.

Rio de Janeiro (RJ), 29/02/2024 - Elci da Silva Freitas, moradora do edifício, em seu apartamento. Ocupação Manoel Congo, no centro do Rio, deve ser regularizada pelo Minha Casa Minha Vida (MCMV) neste semestre. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: Elci da Sil­va Fre­itas mora na Ocu­pação Manoel Con­go com os dois fil­hos — Tânia Rêgo/Agência Brasil

Para quem está lá des­de o iní­cio da ocu­pação, quan­do o pré­dio ain­da per­ten­cia ao Insti­tu­to Nacional de Seguro Social (INSS), mas esta­va aban­don­a­do há dez anos, é até difí­cil acred­i­tar que o final feliz está logo ali.

“Tin­ha mui­ta incerteza no iní­cio, foi uma luta muito difí­cil. Mas valeu a pena, a gente con­seguiu. Hoje esta­mos aqui felizes com a nos­sa cas­in­ha quase pronta. A expec­ta­ti­va é boa, mas tam­bém tem uma ansiedade para con­cluir o que a gente lutou até ago­ra”, con­fi­den­ciou Elci da Sil­va Fre­itas, que mora em um aparta­men­to com os dois fil­hos.

Elci entrou no movi­men­to de luta por mora­dia a con­vite de uma ami­ga. Antes de ir para a ocu­pação, ela mora­va na favela do Can­ta­ga­lo. Era uma casa própria, mas as condições eram tão difí­ceis que começaram a afe­tar a saúde dela.

“Lá era muito perigoso, eu via mui­ta vio­lên­cia. Mora­va em um lugar onde os ban­di­dos matavam embaixo da min­ha varan­da. Depois de ver tan­ta coisa acon­te­cen­do, pas­sei até a sofr­er do coração. Eu cheguei a faz­er duas cirur­gias. Mas a ocu­pação foi uma tran­quil­i­dade para mim. Porque aqui esta­mos no meio de ami­gos”, afir­ma Elci. “A gente tam­bém pas­sa a enx­er­gar mel­hor a neces­si­dade do povo. No cen­tro, tem tudo. Mas quem mora na Baix­a­da Flu­mi­nense, por exem­p­lo, sofre muito. Sai de madru­ga­da para tra­bal­har, não sabe que horas vol­ta, se o ônibus ou o metrô vai que­brar. É um povo sofri­do.”

Rio de Janeiro (RJ), 29/02/2024 - Wilson Azevedo, morador do edifício. Ocupação Manoel Congo, no centro do Rio, deve ser regularizada pelo Minha Casa Minha Vida (MCMV) neste semestre. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: Wil­son Azeve­do mora há cin­co anos na Ocu­pação Manoel Con­go — Tânia Rêgo/Agência Brasil

Wil­son Azeve­do tem 72 anos e vive em um aparta­men­to com a mãe de 93 anos. Tam­bém morou na favela do Can­ta­ga­lo por muito tem­po. Por incen­ti­vo do irmão, pas­sou a fre­quen­tar encon­tros de movi­men­tos soci­ais e decid­iu entrar para o MNLM. Morou um tem­po na Ocu­pação Mar­i­ana Crioula, na região da Gam­boa, até mudar há cin­co anos para a Manoel Con­go.

“Uma das coisas mais impor­tantes que encon­trei aqui no movi­men­to, que mais gostei, foi saber que eu teria que me respon­s­abi­lizar pelo fil­ho do próx­i­mo, que cada um ia cuidar do fil­ho do out­ro, e que cada um estaria seguro na mão do out­ro para cam­in­har. E só assim con­seguimos chegar aonde nós queríamos”, afir­ma Wil­son. “Aqui é uma família. Nós esta­mos sem­pre nos pre­ocu­pan­do um com o out­ro. E a luta é grande nes­sa coor­de­nação. Não vamos deixar ninguém para trás.”

Elisete da Sil­va Napoleão, de 58 anos, é uma das lid­er­anças da Ocu­pação Manoel Con­go. No aparta­men­to dela, vivem o mari­do, um fil­ho e uma neta. Ela con­ta que a maior moti­vação para par­tic­i­par do movi­men­to foi o sen­ti­men­to de exclusão quan­do mora­va em favela.

Rio de Janeiro (RJ), 29/02/2024 - Elisete da Silva Napoleão, moradora do edifício, em seu apartamento. Ocupação Manoel Congo, no centro do Rio, deve ser regularizada pelo Minha Casa Minha Vida (MCMV) neste semestre. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: Para Elisete da Sil­va Napoleão, o des­fe­cho da Ocu­pação Manoel Con­go não pode ser um caso iso­la­do — Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Quan­do você luta por uma mora­dia digna, prin­ci­pal­mente nas áreas com maior estru­tu­ra como o cen­tro, você está dizen­do que o tra­bal­hador tem dire­itos e eles pre­cisam ser garan­ti­dos”, afir­ma Elisete.

“Na favela, você não se sente parte da cidade. Parece que é um mun­do à parte. O Rio de Janeiro é uma cidade exclu­dente. Não tem políti­ca de habitação. Por isso que vim morar na ocu­pação. Aqui, não ficamos sub­ju­ga­dos à lei do trá­fi­co. O que mais me irri­ta­va era quer­er sair de casa para tra­bal­har e não con­seguir por causa de tiroteio”, com­ple­ta.

Para Elisete, reg­u­larizar a Manoel Con­go não é o capí­tu­lo final dessa história. É um mar­co de que é pos­sív­el con­quis­tar o dire­ito bási­co à mora­dia, que dev­e­ria ser garan­ti­do para toda a pop­u­lação.

“Quan­do é que nós teríamos din­heiro para com­prar um aparta­men­to nesse local? Nem que eu tra­bal­has­se a vida toda con­seguiria. A ficha não caiu total­mente. Até porque apare­cem sem­pre novos desafios. Depois de reg­u­larizar, vamos seguir com as out­ras lutas. Não pode ser um mod­e­lo iso­la­do. Quer­e­mos políti­cas públi­cas de habitação que aten­dam todos aque­les mil­hões que não têm casa”, disse Elisete.

Maria de Lour­des Lopes, con­heci­da como Lur­dinha, tem 68 anos, e tam­bém está entre as líderes da Ocu­pação Manoel Con­go. Nasci­da em Minas Gerais, viveu em fave­las de Vol­ta Redon­da e depois se mudou para o Rio de Janeiro. Ela cor­rob­o­ra o dis­cur­so de Elisete, de que a vitória do movi­men­to é um primeiro pas­so de uma luta que ain­da tem mui­ta estra­da pela frente.

Rio de Janeiro (RJ), 29/02/2024 - Maria de Lourdes Lopes, moradora do edifício e coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). Ocupação Manoel Congo, no centro do Rio, deve ser regularizada pelo Minha Casa Minha Vida (MCMV) neste semestre. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil. Ocupação Manoel Congo, no centro do Rio, deve ser regularizada pelo Minha Casa Minha Vida (MCMV) neste semestre. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: Maria de Lour­des Lopes é morado­ra da Ocu­pação Manoel Con­go e coor­de­nado­ra do Movi­men­to Nacional de Luta pela Mora­dia (MNLM) — Tânia Rêgo/Agência Brasil

“A gente colo­cou mais de 40 famílias pobres no coração do Rio de Janeiro. E ninguém con­seguiu tirar a gente daqui. Até hoje ten­tam, mas não con­seguem. É uma ale­gria, é uma cer­ca que a gente cor­tou. Esta­mos mostran­do que é pos­sív­el. Tem solução. Bas­ta o poder públi­co ter o com­pro­mis­so de mudar essa situ­ação”, disse Lur­dinha.

“Pre­cisamos pegar essa refer­ên­cia e trans­for­mar em políti­ca públi­ca uni­ver­sal­izante. Não é faz­er mais casa, ali­men­tar a indús­tria da con­strução civ­il. É garan­tir que quem não tem condições de pagar por uma mora­dia pos­sa ter esse dire­ito. Se não vira só mais um caso. Dá algu­ma reper­cussão e depois não se fala mais. Imóveis públi­cos não uti­liza­dos ou mal uti­liza­dos pre­cisam ser colo­ca­dos à dis­posição do tra­bal­hador. Imóv­el pre­cisa garan­tir a função social da pro­priedade. Ela pre­cisa estar sub­meti­da ao bem comum”, com­ple­men­tou.

Situação jurídica

Segun­do a Caixa Econômi­ca, a Ocu­pação Manoel Con­go foi con­trata­da no âmbito do Pro­gra­ma Min­ha Casa, Min­ha Vida Faixa I – Enti­dades, com a Enti­dade Orga­ni­zado­ra Asso­ci­ação de Apoio à Mora­dia, sob o regime de Auto­gestão — admin­is­tração dire­ta, na qual a enti­dade é respon­sáv­el pelas obras. Elas foram finan­ciadas pelo Fun­do de Desen­volvi­men­to Social (admin­istra­do pela Caixa), no val­or de R$ 3,8 mil­hões. Cada unidade habita­cional cus­tou cer­ca de R$ 91 mil.

O edifí­cio foi divi­di­do em 42 aparta­men­tos, sendo 20 de um quar­to e 22 de dois quar­tos, além de sala, coz­in­ha e ban­heiro, con­tan­do tam­bém com uma área comum. A Caixa tam­bém afir­mou que, durante a con­clusão das obras, a enti­dade teve difi­cul­dades em legalizar o empreendi­men­to e alguns serviços não evoluíram.

Com a reg­u­la­men­tação da Por­taria 146/2023 do Min­istério das Cidades “surgiu a pos­si­bil­i­dade de a Enti­dade pleit­ear suple­men­tação de recur­sos jun­to ao Min­istério para final­iza­ção dos serviços e a legal­iza­ção, porém está em trami­tação.  Assim, com a final­iza­ção dos serviços fal­tantes e obtenção dos doc­u­men­tos legais, como o Habite-se, será pos­sív­el realizar os trâmites de reg­u­lar­iza­ção necessários jun­to ao cartório de reg­istro de imóveis”.

Edição: Juliana Andrade

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