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Olhar voltado para a Amazônia ameaça sobrevivência do Cerrado

Repro­dução: © TV Brasil

Pesquisadores citam tese do Bioma de Sacrifício


Pub­li­ca­do em 11/09/2023 — 07:08 Por Lucas Pordeus León – Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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O dia 11 de setem­bro mar­ca o dia da savana mais bio­di­ver­sa do plan­e­ta: o Cer­ra­do brasileiro. O bio­ma ocu­pa 24% do ter­ritório nacional e está pre­sente em 11 esta­dos e no Dis­tri­to Fed­er­al, indo do Paraná até Rondô­nia, pas­san­do por São Paulo, Bahia e Maran­hão.  

Ape­sar da grande importân­cia do bio­ma para a preser­vação da fau­na, da flo­ra e dos povos orig­inários, espe­cial­is­tas ouvi­dos pela Agên­cia Brasil que estu­dam o Cer­ra­do fazem um aler­ta: o avanço da agropecuária de expor­tação jun­to com a tese do Bio­ma de Sac­ri­fí­cio têm colo­ca­do em risco o futuro da savana brasileira.

»> Clique aqui para ler todo o con­teú­do do Espe­cial Cer­ra­do 2023

Estu­dos indicam que a maior parte do des­mata­men­to do Cer­ra­do ocorre na região do Matopi­ba, área de fron­teira agrí­co­la que englo­ba os esta­dos do Maran­hão, de Tocan­tins, do Piauí e da Bahia – o ter­mo surge da junção da primeira síla­ba dess­es esta­dos.

Dia Nacional do Cerrado. Arte 1
Repro­dução
Série Dia do Cerrado. Patrícia do Observatório Matopiba. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: A pesquisado­ra do Obser­vatório Matopi­ba Patrí­cia da Sil­va — Arqui­vo pes­soal

Entre janeiro e jul­ho de 2023, 85% do des­mata­men­to do bio­ma ocor­reu no Matopi­ba, segun­do análise do Insti­tu­to de Pesquisa Ambi­en­tal da Amazô­nia (Ipam) que, ape­sar do nome, tam­bém tem o Cer­ra­do como obje­to de estu­do.

A pesquisado­ra do Obser­vatório do Matopi­ba Patrí­cia da Sil­va desta­cou que o Cer­ra­do tem sido con­sid­er­a­do por estu­diosos como uma zona de “sac­ri­fí­cio”.

“A gente tem cos­tume de olhar muito para a Amazô­nia e vai sendo mais per­mis­si­vo com o que acon­tece no Cer­ra­do, emb­o­ra o Cer­ra­do seja o berço das águas do Brasil e onde nascem oito das 12 bacias hidro­grá­fi­cas mais impor­tantes do país”, desta­cou.

Desmatamento

Enquan­to o des­mata­men­to na Amazô­nia diminuiu 42,5% entre janeiro e jul­ho deste ano, no Cer­ra­do ele cresceu 21,7% em relação ao mes­mo perío­do de 2022. Ou seja, foram des­mata­dos 582 mil hectares de Cer­ra­do até jul­ho deste ano, uma área semel­hante ao taman­ho do Dis­tri­to Fed­er­al. Cada hectare equiv­ale a um cam­po de fute­bol.

Série Dia do Cerrado. Yuri, Instituto Cerrados. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: O geó­grafo Yuri Salmona é dire­tor-exec­u­ti­vo do Insti­tu­to Cer­ra­dos — Arqui­vo pes­soal

Para o geó­grafo e doutor em Ciên­cias Flo­restais Yuri Salmona, dire­tor-exec­u­ti­vo do Insti­tu­to Cer­ra­dos, o des­mata­men­to vem crescen­do nos últi­mos anos porque o Cer­ra­do é um bio­ma despro­te­gi­do, onde a gov­er­nança ambi­en­tal foi deix­a­da nas mãos do setor pri­va­do e dos gov­er­nos estad­u­ais.

Para Salmona, existe uma ideia, difun­di­da inclu­sive inter­na­cional­mente, de que a Amazô­nia resolve a agen­da ambi­en­tal brasileira.

“Em con­tra­parti­da, o Esta­do brasileiro e a sociedade brasileira con­struíram o ideário de que o Cer­ra­do é um bio­ma de sac­ri­fí­cio. Então, vamos sac­ri­ficar esse bio­ma em nome do agronegó­cio e em nome da própria preser­vação da Amazô­nia. Daí você vê uma dinâmi­ca de que o des­mata­men­to que iria para Amazô­nia vem para o Cer­ra­do”, expli­cou.

O dire­tor do Insti­tu­to Cer­ra­dos acres­cen­tou que essa visão não faz sen­ti­do porque o Cer­ra­do abastece as bacias amazôni­cas por meio do rio Xin­gu e da bacia Tocan­tins-Aragua­ia,. “A água que corre no rio Ama­zonas e abastece a bacia amazôni­ca, em boa parte, provém do Cer­ra­do”, con­cluiu o espe­cial­ista que defend­eu que Amazô­nia e Cer­ra­do são “bio­mas irmãos”.

Agronegócio

Atual­mente, metade da área do Cer­ra­do é ocu­pa­da pela pro­dução de ani­mais e grãos. Em 1985, a agropecuária ocu­pa­va pouco mais de um terço (34%) do bio­ma, segun­do estu­do do Map­Bio­mas. O lev­an­ta­men­to feito com dados de satélites rev­el­ou que, entre 1985 e 2022, a savana brasileira perdeu 25% da sua veg­e­tação nati­va para o des­mata­men­to.

E a tendên­cia é de que o des­mata­men­to con­tin­ue, uma vez que há pre­visão de expan­são da agropecuária no Cer­ra­do nos próx­i­mos anos, segun­do pesquisa do Min­istério da Agri­cul­tura e Pecuária (Mapa). A pas­ta pre­vê um aumen­to de 37% na pro­dução de grãos no Matopi­ba em dez anos. Com isso, o setor deve aumen­tar a área explo­ra­da em 17%, o que rep­re­sen­ta uma expan­são da fron­teira agrí­co­la de 1,6 mil­hão de hectares no perío­do.

Dia Nacional do Cerrado. Arte EBC 2.
Repro­dução

A pro­dução agropecuária que pre­dom­i­na no Matopi­ba é real­iza­da por grandes empre­sas, com inves­ti­men­tos inter­na­cionais, que pro­duzem grãos em larga escala, com pro­dução alta­mente mecan­iza­da, e volta­da para expor­tação das chamadas com­modi­ties, que são matérias-pri­mas em esta­do bru­to, segun­do a pesquisado­ra Patrí­cia da Sil­va.

Desafios

O dire­tor-exec­u­ti­vo do IPAM, André Guimarães, con­sid­era que o ele­va­do grau de des­mata­men­to do Cer­ra­do colo­ca o bio­ma em “altís­si­mo risco”. Segun­do ele, difer­ente­mente da Amazô­nia, onde o des­mata­men­to se con­cen­tra em ter­ras públi­cas, no Cer­ra­do a maior parte é em fazen­das pri­vadas, o que exige out­ro tipo de ação do Esta­do.

“Nós esta­mos fal­han­do enquan­to Esta­do brasileiro ao não reg­u­la­men­tar os arti­gos do Códi­go Flo­re­stal que ger­am incen­tivos para que o pro­pri­etário pri­va­do desista do seu dire­ito de des­matar”, desta­cou.

Série Dia do Cerrado. Ane Alencar. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Para Ane Alen­car, do Map­Bio­mas Cer­ra­do, o Códi­go Flo­re­stal é per­mis­si­vo com o des­mata­men­to no Cer­ra­do– Arqui­vo pes­soal

O Códi­go Flo­re­stal, enquan­to limi­ta o des­mata­men­to a 20% da pro­priedade pri­va­da na Amazô­nia, no Cer­ra­do ele per­mite um des­mata­men­to de até 80% da pro­priedade. “Isso traz uma difi­cul­dade para reduzir o des­mata­men­to. No Cer­ra­do, eles podem des­matar legal­mente”, desta­ca Ane Alen­car, coor­de­nado­ra do Map­Bio­mas Cer­ra­do.

“No Cer­ra­do, a questão vai muito além de ser só uma questão legal, pas­sa por uma questão de boas práti­cas, de incen­ti­vo ao mel­hor reaproveita­men­to das áreas já des­matadas e de maior efi­ciên­cia na pro­dução dessas áreas. Então, é um desafio bem maior do que na Amazô­nia”, afir­ma.

Por out­ro lado, a pesquisado­ra Patrí­cia da Sil­va pon­dera que mes­mo os des­mata­men­tos tidos como legais estão com irreg­u­lar­i­dades.

“As pesquisas que a gente tem feito apon­tam que, emb­o­ra ten­ha uma boa parte desse des­mata­men­to que sejam “legais”, ou seja, pos­suam Autor­iza­ção de Supressão de Veg­e­tação (ASV), essas autor­iza­ções apre­sen­tam prob­le­mas e irreg­u­lar­i­dades na sua expe­dição”.

MMA

Brasília (DF) 23/08/2023 Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, fala na Comissão do Meio Ambiente do Senado durante audiência pública. Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Repro­dução: Mari­na Sil­va fala à Comis­são de Meio Ambi­ente do Sena­do — Lula Marques/ Agên­cia Brasil

Em audiên­cia públi­ca no Sena­do no final de agos­to, a min­is­tra do Meio Ambi­ente Mari­na Sil­va infor­mou que a pas­ta está preparan­do um novo plano con­tra o des­mata­men­to do Cer­ra­do que deve ser colo­ca­do para con­sul­ta públi­co neste mês de setem­bro.

Ao mes­mo tem­po, Mari­na desta­cou que o plano não terá suces­so sem par­tic­i­pação dos esta­dos:

“Con­sideran­do que mais de 70% dos des­mata­men­tos que estão acon­te­cen­do no Cer­ra­do têm a licença para des­matar, o que nós vamos pre­cis­ar é, dig­amos, revis­i­tar essas licenças para saber o nív­el de legal­i­dade delas”.

Nos­sa reportagem procurou a Frente Par­la­men­tar Agropecuária (FPA) e a Con­fed­er­ação Nacional da Agri­cul­tura (CNA) para se posi­cionarem sobre o des­mata­men­to do bio­ma para a pro­dução agrí­co­la, mas não obteve retorno até a pub­li­cação des­ta reportagem.

Edição: Denise Griesinger

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