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Ópera leva moradores de Congonhas a visitarem a própria história

Repro­dução: © Már­cia Charnizon/Divulgação

Espetáculo Devoção foi encenado ao ar livre


Publicado em 16/07/2024 — 08:11 Por Luiz Cláudio Ferreira – Repórter da Agência Brasil* — Congonhas

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Os ban­quin­hos de plás­ti­co trans­for­maram-se em poltronas para assi­s­tir à novi­dade. Não era um teatro, e o ven­to sopra­va na praça em que Maria Con­ceição Fab­ri, de 73 anos, tra­bal­ha todos os dias venden­do água de coco.

Diante do San­tuário de Bom Jesus de Matosin­hos, na históri­ca Con­gonhas (MG), a 80 quilômet­ros de Belo Hor­i­zonte, Con­ceição ficou encan­ta­da ao assi­s­tir a um espetácu­lo de ópera pela primeira vez na vida.

O espetácu­lo Devoção ence­na­va, ao ar livre, na noite do últi­mo sába­do (13), a saga do por­tuguês Feli­ciano Mendes que, em paga­men­to a uma promes­sa, con­stru­iu a igre­ja com a ven­da de ouro e doações que con­seguiu na cidade.

Congonhas (SP), 13.07.2024 - Maria da Conceição Fabri e Maria Cristina Assis. Ópera Devoção. Foto: Luiz Claudio Ferreira/Agência Brasil
Repro­dução: Maria Con­ceição e Maria Cristi­na aproveitaram a praça cheia para con­ferir a Ópera Devoção e vender quitutes na praça – Luiz Clau­dio Ferreira/Agência Brasil

Em cena, nes­sa pré-estreia, os artis­tas con­tra­ce­navam com os 12 pro­fe­tas esculpi­dos em pedra sabão por Antônio Fran­cis­co Lis­boa, o Alei­jad­in­ho, no lugar que é patrimônio cul­tur­al da humanidade. Emo­ciona­da com o espetácu­lo, Con­ceição não des­cui­da­va do seu ouro de todo dia: “oi família! Bora com­prar água de coco?”.

“A gente sabe a história daqui da igre­ja, e do Feli­ciano Mendes, mas desse jeito fica até mais boni­to”, diz a com­er­ciante, que já foi domés­ti­ca, coz­in­heira e se aposen­tou.

Ao lado dela, a aposen­ta­da Maria Cristi­na Assis, de 77, tam­bém ficou emo­ciona­da porque se lem­brou da própria história, ao pagar promes­sas para ter saúde. Ouviu do tenor: “foi uma lon­ga jor­na­da…” e reag­iu: “foi mes­mo. A min­ha jor­na­da, tam­bém”. “Que vozeirão o dele. Essas luzes ficam tão bem! Como ele lem­bra dessa músi­ca tão lon­ga? É a nos­sa história”.

Coro

Maria Cristi­na son­hou em ser pro­fes­so­ra, mas pre­cisou parar o cur­so de mag­istério. Pre­cisa­va cuidar da família. “Tive 21 fil­hos, mas per­di oito. Já paguei promes­sa para mel­ho­rar de saúde. Casei nova, mas nun­ca fui feliz no casa­men­to. Nun­ca tive tem­po de son­har nada”.

Ela não teve “qual­quer ouro” para pagar a promes­sa, vive da aposen­ta­do­ria por invalidez e reza todos os dias no san­tuário que era o cenário da ópera. “Vivo com uma fil­ha que é mãe solteira e pen­so como aju­dar 12 netos e seis bis­ne­tos. Ten­ho vários prob­le­mas de saúde e sem­pre recor­ro ao Bom Jesus”.

Ela lem­bra que a mãe dela tam­bém ora­va por saúde. “O que nós temos para doar é a fé. A úni­ca coisa que a gente tin­ha era min­has roupas”.

A aposen­ta­da Maria Cristi­na recorre ao Bom Jesus como um dia pediu socor­ro o por­tuguês Feli­ciano Mendes, nasci­do em 1726, tema da ópera que os con­gonhens­es assi­s­ti­ram no últi­mo sába­do.

Segun­do a biografia pub­li­ca­da pelo escritor e pesquisador mineiro Domin­gos da Cos­ta, o homem tin­ha for­mação de pedreiro e era fil­ho de família humilde no povoa­do de San­ta Maria de Gêmeos, no norte por­tuguês.

Ao ter con­hec­i­men­to do ouro que havia do out­ro lado do Atlân­ti­co, o rapaz con­seguiu chegar ao Rio de Janeiro e depois em Minas Gerais. “A ativi­dade no garim­po deixou ele grave­mente enfer­mo. Foi quan­do resolveu faz­er a promes­sa ao Bom Jesus de Matosin­hos de con­stru­ir a igre­ja”, disse o escritor à Agên­cia Brasil.

Congonhas (SP), 13.07.2024 - Ópera Devoção. Foto: Márcia Charnizon/Divulgação
Repro­dução: Ópera Devoção, no San­tuário de Bom Jesus de Matosin­hos – Már­cia Charnizon/Divulgação

Primeiro ato

A obra de Domin­gos da Cos­ta, Con­gonhas: da fé de Feli­ciano à genial­i­dade de Alei­jad­in­ho, inspirou os autores da ópera, como o músi­co André Car­doso, que assi­na o libre­to (tex­to explica­ti­vo do espetácu­lo). Para ele, a ópera deve ser pop­u­lar­iza­da e ence­na­da a todos os públi­cos.

“Não deve haver estig­mas em relação à ópera. Sem­pre que aber­ta ao povo, há ence­nações lotadas. Ofer­e­cer ópera à pop­u­lação é uma escol­ha que se faz. É uma hon­ra con­tar a história deles para a cidade, uma história de sac­ri­fí­cios em prol da devoção”.

Car­doso expli­ca que, jun­to a per­son­agens reais, a ence­nação tam­bém criou per­son­agens fic­tí­cios para facil­i­tar a dra­matur­gia e preencher as lacu­nas.

O com­pos­i­tor do espetácu­lo, João Guil­herme Rip­per, salien­ta que a ideia não era faz­er um doc­u­men­tário sobre Feli­ciano, mas ence­nar uma ficção históri­ca. “Não é a devoção ape­nas cristã, mas a devoção mineira no seu sen­ti­do mais amp­lo e sin­créti­co”.

Inclu­sive, há uma vari­ação de rit­mos ao final do espetácu­lo com o uso de tam­bores. Rip­per expli­ca que seu méto­do de com­posição inclui imag­i­nar as cenas na hora em que são escritas. Assim, pen­sou que seria um espetácu­lo que seria mon­ta­do ao ar livre e tam­bém no teatro.

Para o dire­tor musi­cal Ronal­do Zero a músi­ca é capaz de comover em todos os lugares. “É uma história muito abrangente, que fala dessa devoção desse homem son­hador, que enfren­tou difi­cul­dades. A músi­ca é acessív­el e tem que estar em todos os lugares”, afir­mou.

Congonhas (SP), 13.07.2024 - Ópera Devoção. Foto: Márcia Charnizon/Divulgação
Repro­dução: Ópera Devoção ence­na­da ao ar livre em Con­gonhas — Már­cia Charnizon/Divulgação

O espetácu­lo vai ser ence­na­do, nes­ta sem­ana, em ambi­ente fecha­do no Palá­cio das Artes, em Belo Hor­i­zonte, de 19 a 23 de jul­ho. Mas a entra­da, nesse cenário, não será gra­tui­ta. Os ingres­sos cus­tam a par­tir de R$ 30. No espetácu­lo, estão envolvi­dos aprox­i­mada­mente 200 artis­tas e 400 téc­ni­cos, além de movi­men­tar 230 fig­uri­nos e 500 adereços.

Além da ópera, para quem quer saber mais sobre a história de Feli­ciano Mendes e não tiv­er aces­so ao espetácu­lo, pode vis­i­tar o Museu de Con­gonhas, que foi inau­gu­ra­do há nove anos. O dire­tor do lugar, Sér­gio Reis, entende que o maior desafio com o espaço cul­tur­al é garan­tir a mul­ti­pli­cação das infor­mações sobre a cidade.

“Das mais vel­has às mais novas, as pes­soas pas­sam a ter orgul­ho do lugar em que vivem e ficam inter­es­sadas em preser­var e se man­ter na cidade”.

Segundo Ato

O san­tuário tem lev­a­do as cri­anças da região a con­hecer mais sobre a história do lugar e tam­bém sobre Alei­jad­in­ho que, no começo do  sécu­lo 19, esculpiu em pedra sabão os 12 pro­fe­tas que estão na frente da igre­ja. Feli­ciano Mendes havia mor­ri­do qua­tro décadas antes.

A história de Feli­ciano Mendes era pouco con­heci­da, inclu­sive entre a pop­u­lação de Con­gonhas – cer­ca de 52 mil habi­tantes. “Ele adoe­ceu, fez a promes­sa e obteve a cura. Ele fixou a cruz no alto do Mor­ro do Maran­hão, no ano de 1757”, afir­ma o bió­grafo Domin­gos da Cos­ta.

Ele expli­ca que a igre­ja demor­ou um sécu­lo para ficar na for­ma como está hoje. Nem Feli­ciano nem Alei­jad­in­ho viram o san­tuário pron­to. “Quan­do Feli­ciano fale­ceu, em 1765, fal­ta­va con­stru­ir as duas tor­res”.

Toda essa história impres­sio­nou a maest­ri­na do espetácu­lo, Ligia Ama­dio. “É muito difer­ente faz­er [ence­nar] em ambi­ente fecha­do. Mas achei muito emo­cio­nante ence­nar no local em que os fatos ocor­reram”.

O secretário de Cul­tura de Minas Gerais, Leônidas Oliveira, con­ta que a mon­tagem cus­tou R$ 3 mil­hões e que pre­tende levar o espetácu­lo inclu­sive para Por­tu­gal. Por reunir músi­ca, teatro e dança, a ópera é uma das man­i­fes­tações mais com­ple­tas.  “A próx­i­ma que quer­e­mos faz­er será sobre o sertão mineiro”.

Vozes

A dupla de pro­tag­o­nistas, o tenor mineiro Matheus Pom­peu, que inter­pre­ta Feli­ciano Mendes, e a sopra­no por­tugue­sa Car­la Cara­mu­jo, que faz Mer­cês, uma esposa cri­a­da para a ficção, estavam emo­ciona­dos. “Muito bom voltar para con­tar a nos­sa história”, disse o artista. “Eu fiquei toca­da porque fala sobre um com­pa­tri­o­ta e seus son­hos”, disse a can­to­ra.

Congonhas (SP), 13.07.2024 - Lúcia dos Santos. Ópera Devoção. Foto: Luiz Claudio Ferreira/Agência Brasil
Repro­dução: Lúcia dos San­tos se emo­cio­nou com a ence­nação — Luiz Clau­dio Ferreira/Agência Brasil

O vozeirão de ambos tocou fun­do a plateia, inclu­sive a com­er­ciante Lúcia dos San­tos, de 66 anos, que ven­dia broa de mil­ho e o cubu, uma iguar­ia típi­ca da região fei­ta com fubá. Enquan­to atraía os clientes, batia pal­mas a cada cena com­ple­ta. “Eles não vão me ouvir daqui, mas fiquei feliz”.

Os pais dela tam­bém foram para Con­gonhas para tra­bal­har nas empre­sas de minério. “Foi um pouco como a história do Feli­ciano Mendes”. Ela, que já tra­bal­hou como cuidado­ra, hoje está devota­da à culinárias, ou às qui­tan­das, como pref­ere diz­er. “Quan­do as pes­soas con­hecem nos­so lugar ficam mais inter­es­sadas em cuidar e nos vis­i­tar, né? Não vou me esque­cer o dia que vi uma ópera”.

Serviço

Ópera Devoção, em Belo Hor­i­zonte
Data: 19 a 23 de jul­ho, às 20h
Local: Grande Teatro Cemig Palá­cio das Artes
Ingres­sos: R$ 60 e R$ 30 (meia) Infor­mações aqui

*Repórter via­jou a con­vite da Fun­dação Clóvis Sal­ga­do

Edição: Denise Griesinger

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