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Organizações cobram maior proteção dos defensores de direitos humanos

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em cinco anos o Brasil registrou 13% dos assassinatos de ativistas


Pub­li­ca­do em 03/06/2023 — 13:30 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Em jun­ho do ano pas­sa­do, o Brasil foi con­de­na­do pela Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos e con­sid­er­a­do como respon­sáv­el pela vio­lação dos dire­itos à ver­dade e à pro­teção da família de Gabriel Sales Pimen­ta, jovem advo­ga­do assas­si­na­do em 1982 aos 27 anos. Atuan­do na defe­sa dos dire­itos dos tra­bal­hadores rurais, ele foi alve­ja­do por tiros quan­do saía de um bar na cidade de Marabá (PA). Pas­sa­dos mais de 40 anos, a Corte Inter­amer­i­cana apon­tou fal­has graves do Esta­do brasileiro, que não se mobi­li­zou ade­quada­mente para esclare­cer as cir­cun­stân­cias do crime e punir os envolvi­dos, sendo que havia teste­munhas ocu­lares e out­ros meios de pro­va disponíveis.

A sen­tença, além de fixar quan­tias ind­eniza­tórias a serem pagas à família de Gabriel, obser­va que o tra­bal­ho de defen­sores e defen­so­ras de dire­itos humanos é “fun­da­men­tal para o for­t­alec­i­men­to da democ­ra­cia” e esta­b­elece uma série de deter­mi­nações ao país. Uma delas é a revisão e for­t­alec­i­men­to do Pro­gra­ma de Pro­teção aos Defen­sores de Dire­itos Humanos, Comu­ni­cadores e Ambi­en­tal­is­tas.

Pas­sa­do quase um ano da con­de­nação, o cumpri­men­to da deter­mi­nação vem sendo cobra­do pelo Comitê Brasileiro de Defen­so­ras e Defen­sores de Dire­itos Humanos (CBDDH). Ape­sar de promes­sas do gov­er­no fed­er­al e do alin­hamen­to de algu­mas dire­trizes, a enti­dade vê demo­ra na efe­ti­vação de medi­das com­bi­nadas em reuniões. No iní­cio da sem­ana pas­sa­da, o descon­tenta­men­to foi expos­to em um novo encon­tro com rep­re­sen­tantes do Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia (MDH).

Proteção

O Pro­gra­ma de Pro­teção aos Defen­sores de Dire­itos Humanos, Comu­ni­cadores e Ambi­en­tal­is­tas do MDH abrange todo o ter­ritório nacional e insti­tui diver­sos mecan­is­mos para garan­tir a inte­gri­dade de quem este­ja sofren­do risco ou sendo alvo das ameaças. São ativis­tas que atu­am, por exem­p­lo, em apoio à pop­u­lação em situ­ação de rua, ribeir­in­hos, povos indí­ge­nas, quilom­bo­las, cri­anças, mul­heres em situ­ação de vio­lên­cia domés­ti­ca, imi­grantes em condição vul­neráv­el, alvos de pre­con­ceito de raça e de gênero, tra­bal­hadores em situ­ação degradante e víti­mas de vio­lên­cia arma­da ou de vio­lações prat­i­cadas por forças de segu­rança do Esta­do. Defen­d­em o dire­ito à ter­ra, à mora­dia, ao tra­bal­ho, à saúde, à edu­cação e ao trata­men­to dig­no.

A inclusão no pro­gra­ma pode ocor­rer por pedi­do do próprio inter­es­sa­do ou por solic­i­tação de enti­dades da sociedade civ­il, do Min­istério Públi­co ou de out­ros órgãos públi­cos que ten­ham con­hec­i­men­to da ameaça. Entre diver­sos mecan­is­mos pre­vis­tos, está o acom­pan­hamen­to das inves­ti­gações e a ofer­ta de assistên­cia jurídi­ca e psi­cológ­i­ca. Em casos excep­cionais, é pre­vista a artic­u­lação da pro­teção poli­cial e a reti­ra­da pro­visória da pes­soa do seu local de atu­ação por até 90 dias.

“Vive­mos um país que reg­is­tra situ­ações extrema­mente graves de vio­lação de dire­itos humanos. Então é urgente que pos­samos for­t­ale­cer os mecan­is­mos de pro­teção”, diz a ativista San­dra Car­val­ho, que atua na orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal Justiça Glob­al e inte­gra o CBDDH. O comitê existe des­de 2004 e é for­ma­do por 45 enti­dades e movi­men­tos soci­ais de todo o Brasil.

De acor­do com San­dra, as prin­ci­pais reivin­di­cações são a pari­dade entre sociedade civ­il e gov­er­no no con­sel­ho delib­er­a­ti­vo do pro­gra­ma, a aprovação de uma lei para insti­tu­cional­izá-lo, a cri­ação de um plano nacional de pro­teção e o reforço no orça­men­to. Procu­ra­do pela Agên­cia Brasil, o Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia não respon­deu.

Casos

“A neces­si­dade de um pro­gra­ma efi­caz de pro­teção se dá em um con­tex­to em que infe­liz­mente a gente tem no Brasil uma incidên­cia muito grande de ameaças e assas­si­natos”, avalia San­dra. Emb­o­ra observe que o maior número de casos ocorre no cam­po, ela desta­ca o cresci­men­to de ocor­rên­cias no meio urbano. O mais emblemáti­co, nos últi­mos anos, foi o assas­si­na­to em 2018 da vereado­ra car­i­o­ca Marielle Fran­co e do motorista dela, Ander­son Gomes. A par­la­men­tar lid­er­a­va um manda­to com foco nos dire­itos humanos quan­do foi mor­ta a tiros no Rio de Janeiro.

Em áreas rurais, ocor­rên­cias com grandes reper­cussões envolvem o assas­si­na­to da mis­sionária norte-amer­i­cana Dorothy Stang no Pará em 2005 e mais recen­te­mente a do indi­genista Bruno Pereira. Servi­dor de car­reira da Fun­dação Nacional dos Povos Indí­ge­nas (Funai), ele e o repórter britâni­co Dom Phillips foram mor­tos no ano pas­sa­do em uma embosca­da no Vale do Javari, no Ama­zonas.

A maio­r­ia dos casos, no entan­to, gan­ham menos holo­fotes. Dados da Orga­ni­za­ção das Nações Unidas (ONU) sobre assas­si­natos de defen­sores de dire­itos humanos entre 2015 e 2019 colo­cam o Brasil em segun­do lugar no rank­ing de país­es com mais casos. Nesse perío­do, foram reg­istradas 1.323 ocor­rên­cias em todo o mun­do, sendo que 174 em ter­ritório brasileiro, o que cor­re­sponde a 13% do total.

Os números foram apre­sen­ta­dos em uma audiên­cia públi­ca na Câmara dos Dep­uta­dos em setem­bro de 2021 por Anas­ta­sia Divin­skaya, rep­re­sen­tante da ONU Mul­heres, e Mary Lawlor, rela­to­ra espe­cial das ONU sobre a situ­ação dos defen­sores dos Dire­itos Humanos. Na ocasião, elas obser­varam que o Brasil, emb­o­ra man­i­feste apoio for­mal às recomen­dações sobre o tema em fóruns inter­na­cionais, não tem imple­men­ta­do diver­sas medi­das.

A orga­ni­za­ção inter­na­cional Glob­al Wit­ness tam­bém divul­gou recen­te­mente um lev­an­ta­men­to que rev­ela um cenário pre­ocu­pante. Dos 227 assas­si­natos de defen­sores de ter­ras e do meio ambi­ente em todo o mun­do no ano de 2000, 20 foram no Brasil. Os números do país só são super­a­dos por Colôm­bia, Méx­i­co e Fil­ip­inas. O relatório obser­va que os dados são par­ci­ais e não cap­tam a ver­dadeira escala do prob­le­ma, já que nem todos os casos são noti­fi­ca­dos.

Histórico

A primeira ver­são de um Pro­gra­ma de Pro­teção aos Defen­sores de Dire­itos Humanos foi lança­da em 2004, no primeiro manda­to do pres­i­dente Luís Iná­cio Lula da Sil­va, aten­den­do à deman­da das orga­ni­za­ções envolvi­da no CBDDH, cri­a­do no mes­mo ano. O tex­to foi con­struí­do a par­tir de um grupo de tra­bal­ho e con­tou com a par­tic­i­pação da sociedade civ­il.

De acor­do com a ONU, defen­sores dos dire­itos humanos são “todos os indi­ví­du­os, gru­pos e órgãos da sociedade que pro­movem e pro­tegem os dire­itos humanos e as liber­dades fun­da­men­tais uni­ver­salmente recon­heci­dos”. Esse con­ceito é absorvi­do pelo pro­gra­ma de pro­teção. Na ver­são atual­mente em vig­or, ele inclui ain­da duas cat­e­go­rias especí­fi­cas: comu­ni­cadores que dis­sem­i­nam infor­mações visan­do pro­mover os dire­itos humanos e ambi­en­tal­is­tas que atuem na defe­sa do meio ambi­ente e dos recur­sos nat­u­rais. Segun­do o site do gov­er­no fed­er­al, atual­mente há 506 pes­soas inscritas no pro­gra­ma.

Com o tem­po, no entan­to, lacu­nas foram sendo diag­nos­ti­cadas pelas enti­dades. Mudanças tam­bém ger­aram descon­tenta­men­to. “A pres­i­den­ta Dil­ma, um pouco antes do seu impeach­ment, assi­nou um decre­to que ter­mi­nou com a pos­si­bil­i­dade de par­tic­i­pação social no con­sel­ho delib­er­a­ti­vo do pro­gra­ma de pro­teção. Então a par­tic­i­pação social, que era muito impor­tante pra con­tribuir nas anális­es de risco, foram ali­jadas desse proces­so”, lamen­tou San­dra.

Um novo decre­to foi edi­ta­do em 2019 pelo então pres­i­dente Jair Bol­sonaro. A par­tic­i­pação social foi reesta­b­ele­ci­da mas de for­ma não par­itária: dos nove assen­tos, seis seri­am preenchi­dos por rep­re­sen­tantes de órgãos lig­a­dos ao gov­er­no. “Nós, orga­ni­za­ções da sociedade civ­il, não aceita­mos porque isso seria uma fal­ta de pos­si­bil­i­dade de par­tic­i­pação efe­ti­va”, con­ta San­dra.

Segun­do ela, o pro­gra­ma ficou frag­iliza­do ao lon­go dos últi­mos anos, esvazi­a­do de recur­sos e vive um proces­so de deses­tru­tu­ração. No mes­mo perío­do, cresce­r­am as ten­sões decor­rente da pro­lif­er­ação de dis­cur­sos de ódio na políti­ca e da par­al­isação da demar­cação das ter­ras indí­ge­nas, da tit­u­lação dos ter­ritórios quilom­bo­las, da refor­ma agrária e de políti­cas habita­cionais urbanas.

“Durante o gov­er­no de Jair Bol­sonaro, que tin­ha uma pos­tu­ra públi­ca con­trária à defe­sa dos dire­itos humanos, nós tive­mos uma pre­cariza­ção muito forte da políti­ca de pro­teção. Então, logo que foi ini­ci­a­do o tra­bal­ho da equipe de tran­sição do gov­er­no Lula, o comitê elaborou um ofí­cio fazen­do um rela­to da situ­ação e depois fize­mos algu­mas reuniões para dis­cu­tir diver­sos pon­tos”, acres­cen­ta a ativista.

Reivindicações

Além da par­tic­i­pação social par­itária no con­sel­ho delib­er­a­ti­vo, as orga­ni­za­ções querem a aprovação de um pro­je­to de lei que pos­si­bilite uma maior insti­tu­cional­iza­ção do pro­gra­ma de pro­teção, atual­mente respal­da­do ape­nas por decre­tos. Uma pro­pos­ta trami­ta no Con­gres­so Nacional des­de 2007. Mas como as dis­cussões se arras­tam há muito tem­po e diver­sas mudanças no tex­to já foram real­izadas, o comitê acred­i­ta que ela não atende mais à deman­da do con­tex­to atu­al. Por isso, defen­d­em a elab­o­ração de um novo pro­je­to, a ser encam­in­hado ao Con­gres­so Nacional com um pedi­do de urgên­cia.

As orga­ni­za­ções querem ain­da um maior aporte de recur­sos pelo Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia e a elab­o­ração do Plano Nacional de Pro­teção a Defen­sores de Dire­itos Humanos, Comu­ni­cadores e Ambi­en­tal­is­tas, tal como já deter­mi­na­do pela Justiça no âmbito de uma ação civ­il públi­ca movi­da pelo Min­istério Públi­co Fed­er­al (MPF). Através dele, seri­am definidas todas as dire­trizes para o pro­gra­ma de pro­teção em âmbito nacional.

“Nós fize­mos algu­mas reuniões com o gov­er­no eleito e o min­istro Sil­vio Almei­da. Cheg­amos a um acor­do em torno de um decre­to inter­min­is­te­r­i­al que cria um grupo de tra­bal­ho para elab­o­rar esse plano nacional. E um out­ro decre­to que pre­vê a pari­dade entre sociedade civ­il e Esta­do no con­sel­ho delib­er­a­ti­vo do pro­gra­ma de pro­teção. A nos­sa cobrança ocorre porque esta­mos sentin­do que está haven­do uma morosi­dade nes­sa trami­tação. Já se pas­saram seis meses da posse do novo gov­er­no fed­er­al. Os tex­tos dos decre­tos foram elab­o­ra­dos e estão pron­tos, em acor­do com a sociedade civ­il. Mas den­tro do gov­er­no, algu­ma coisa está emper­ran­do e buro­c­ra­ti­zan­do esse proces­so”, avalia San­dra.

Na próx­i­ma sem­ana, entre os dias 5 e 7 de jun­ho, acon­tece em Brasília o Encon­tro Nacional do CBDDH. O min­istro foi con­vi­da­do para um pro­nun­ci­a­men­to na aber­tu­ra e é esper­a­do. “Ele con­fir­mou a pre­sença. A expec­ta­ti­va é que chegue com a boa notí­cia de que os decre­tos foram assi­na­dos”, final­iza a ativista.

Edição: Aline Leal

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