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Orgulho lésbico: pesquisadoras unem ativismo e produção intelectual

Repro­dução: © Rede Lés­bi Brasil/Divulgação

Para marcar data, elas falam do trabalho que amplia identidades


Publicado em 19/08/2024 — 08:02 Por Rafael Cardoso — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Orgul­ho, no sen­ti­do cole­ti­vo, é um sen­ti­men­to de sat­is­fação com as real­iza­ções de out­ras pes­soas com quem se tem algum vín­cu­lo ou iden­ti­dade. A con­strução do orgul­ho cole­ti­vo, assim, pas­sa pelo con­hec­i­men­to que o grupo tem da própria tra­jetória. Nes­ta, segun­da-feira (19), quan­do se cel­e­bra o Dia do Orgul­ho Lés­bi­co, pesquisado­ras falam sobre o seu tra­bal­ho para ampli­ar os sig­nifi­ca­dos dessa iden­ti­dade sex­u­al e políti­ca.

A data é sem­pre lem­bra­da pelo episó­dio históri­co do Fer­ro’s Bar, esta­b­elec­i­men­to na região boêmia do cen­tro de São Paulo, que foi pal­co de um ato de mul­heres lés­bi­cas em 1983. O local tin­ha vira­do uma refer­ên­cia para essa comu­nidade, que viu nascer ali uma orga­ni­za­ção políti­ca das fre­quen­ta­do­ras. Um dos sím­bo­los do movi­men­to era a cir­cu­lação do bole­tim Chana­com­chana, que teve a ven­da proibi­da pelos pro­pri­etários do bar. Nasceu assim a man­i­fes­tação mais famosa pro­tag­on­i­za­da por lés­bi­cas no país.

Nos dias atu­ais, além da mil­itân­cia nas ruas e nas platafor­mas dig­i­tais, gru­pos de pesquisado­ras lés­bi­cas têm investi­do forças na pro­dução de con­hec­i­men­to, nas dis­putas de memória e na ocu­pação de espaços acadêmi­cos. Elas com­par­til­ham vivên­cias int­elec­tu­ais e com­bat­em o silen­ci­a­men­to e a invis­i­bil­i­dade que sem­pre foram o padrão ness­es ambi­entes.

É o caso de Paula Sil­veira-Bar­bosa, de 28 anos, grad­u­a­da e mestre em Jor­nal­is­mo. Ela começou os estu­dos sobre impren­sa alter­na­ti­va, até desco­brir fontes sobre a impren­sa lés­bi­ca dos anos 1980. O tema foi lev­a­do para o mestra­do, quan­do anal­isou a história das pub­li­cações e o que elas podi­am traz­er de lega­do para o jor­nal­is­mo no ger­al. A pesquisa virou livro e foi semi­fi­nal­ista do Prêmio Jabu­ti Acadêmi­co.

Rio de Janeiro (RJ), 18.08.2024 - Paula Silveira-Barbosa, diretora geral do Arquivo Lésbico Brasileiro da Rede Lésbi Brasil. Foto: Rede Lésbi Brasil/Divulgação
Repro­dução: Rio de Janeiro — Paula Sil­veira Bar­bosa, dire­to­ra ger­al do Arqui­vo Lés­bi­co Brasileiro -. Foto Rede Lés­bi Brasil/Divulgação

Paula foi uma das fun­dado­ras do Arqui­vo Lés­bi­co Brasileiro (ALB), ini­cia­ti­va que começou em dezem­bro de 2020 por um grupo de pesquisado­ras e ativis­tas lés­bi­cas. O grupo apre­sen­ta como prin­ci­pal mis­são preser­var reg­istros históri­cos rela­ciona­dos às les­bian­idades do Brasil e do exte­ri­or, e democ­ra­ti­zar o aces­so aos itens de pesquisa. Nesse sen­ti­do, preser­var e con­hecer mel­hor a memória pro­move o reen­con­tro com refer­ên­cias impor­tantes do pas­sa­do.

“Quan­do a gente se envolve em movi­men­to social, em algum tipo de ativis­mo, é comum achar que somos as pes­soas mais rev­olu­cionárias, que ninguém nun­ca foi tão van­guar­da. Quan­do a gente olha para o que muitas lés­bi­cas fiz­er­am no pas­sa­do, descon­fio que, em alguns assun­tos, elas estavam sendo mais rev­olu­cionárias do que a gente”, diz Paula, que é a atu­al dire­to­ra-ger­al da ALB. “Temos muitas refer­ên­cias de mul­heres lés­bi­cas nes­sa luta. A memória do que elas fiz­er­am do que pro­duzem, do que con­tin­u­am pro­duzin­do no pre­sente, tam­bém nos aju­da a ter per­spec­ti­va de futuro”.

O acer­vo dig­i­tal tem var­iedade de arti­gos e pesquisas, e qual­quer pes­soa inter­es­sa­da pode acessá-lo, des­de que faça cadas­tro prévio. O aces­so é gra­tu­ito, sendo veda­da a repro­dução. O ALB tam­bém pro­move cur­sos de for­mação, par­tic­i­pa de debates e even­tos sobre arquiv­os, memórias e ativis­mo. São comuns parce­rias com enti­dades, acer­vos e insti­tu­ições que defen­d­em gru­pos his­tori­ca­mente mar­gin­al­iza­dos.

A primeira coleção pub­li­ca­da no site foi Impren­sa Lés­bi­ca, fontes que eram uti­lizadas pela maio­r­ia das pesquisado­ras no iní­cio e que incluíam jor­nal, bole­tim, revista, dos anos 80 até os mais recentes. — feitos por lés­bi­cas para lés­bi­cas. A insti­tu­ição pro­moveu cur­so sobre o assun­to e fez cam­pan­ha de finan­cia­men­to cole­ti­vo. Com o din­heiro, desen­volveu o acer­vo dig­i­tal e adquir­iu equipa­men­to para dig­i­talizar, cat­a­log­ar e higi­en­izar o acer­vo.

Lésbicas Que Pesquisam

Em agos­to de 2017, foi cri­a­do o grupo Lés­bi­cas Que Pesquisam (LQP), com o obje­ti­vo de vis­i­bi­lizar a pre­sença lés­bi­ca na acad­e­mia – como estu­dantes, pesquisado­ras ou pro­fes­so­ras. Para cat­a­log­ar as pesquisado­ras, foi divul­ga­do nas redes soci­ais um for­mulário de cadas­tro, que ficou disponív­el entre agos­to de 2017 e janeiro de 2018.

O LQP não tem restrições quan­to aos temas e áreas de con­hec­i­men­to. Por­tan­to, não tra­ta ape­nas de les­bian­idades. A ideia cen­tral é difundir reflexões pro­duzi­das por mul­heres lés­bi­cas. Pesquisado­ras de qual­quer tit­u­lação e de for­mação em anda­men­to podem entrar para a lista, des­de grad­uan­das até doutoras.

O grupo desen­volve pro­je­tos como 50 Lés­bi­cas Para Lem­brar e o Ban­co de Dados sobre o Movi­men­to Lés­bi­co no Brasil Con­tem­porâ­neo. Há tam­bém out­ras ações vir­tu­ais de divul­gação de pesquisas, como o #lés­bi­cas­quepesquisam­nafed­er­al, além do com­par­til­hamen­to de tex­tos inédi­tos. A ideia é que as pesquisado­ras pos­sam bus­car refer­ên­cias entre elas mes­mas e mostrar que o con­hec­i­men­to cien­tí­fi­co não é feito ape­nas por het­eros­sex­u­ais, bran­cos e elit­is­tas.

As redes soci­ais do grupo trazem reflexões aber­tas para enten­der o uni­ver­so lés­bi­co con­tem­porâ­neo: deman­das nas mobi­liza­ções de mul­heres lés­bi­cas, orga­ni­za­ção do movi­men­to lés­bi­co no Brasil; se o mais cor­re­to é falar em movi­men­to ou movi­men­tos plu­rais lés­bi­cos; pon­tos de con­fluên­cia e dis­sidên­cias; questões que não estão sendo con­tem­pladas pelos debates.

Rede Lésbi Brasil

A Rede Nacional de Ativis­tas e Pesquisado­ras Lés­bi­cas e Bis­sex­u­ais (Rede Lés­bi Brasil) foi lança­da em agos­to de 2019 no Rio Grande do Sul, em audiên­cia públi­ca que trata­va sobre fem­i­nicí­dio. O obje­ti­vo era agre­gar ativis­tas e pesquisado­ras de todo o país, unir mil­itân­cia e pro­dução acadêmi­ca. O tra­bal­ho da rede tem sido o de pro­mover, ao mes­mo tem­po, sem­i­nários, cur­sos, debates e atos políti­cos.

A Rede Lés­bi Brasil colo­ca como mis­são com­bat­er “a condição com­pul­sória de invis­i­bil­i­dade e apaga­men­to das questões lés­bi­cas e bis­sex­u­ais”. Existe o entendi­men­to de que é pre­ciso poli­ti­zar “exper­iên­cias, afe­tos e praz­eres”. E um dos cam­in­hos para isso é pro­duzir políti­cas públi­cas especí­fi­cas, a par­tir do pro­tag­o­nis­mo e dos olhares das mul­heres lés­bi­cas, para que suas deman­das sejam aten­di­das.

A rede hoje tem mais de 60 mul­heres conec­tadas em todas as regiões do país. Uma delas é Rose­laine Dias, pro­fes­so­ra e mestre em edu­cação, doutoran­da em ciên­cias humanas. Ela pesquisou sobre a LGBTQI­fo­bia a par­tir da per­spec­ti­va de jovens de Cam­po Grande, na cap­i­tal de Mato Grosso do Sul. Foram entre­vis­tas com cen­te­nas de estu­dantes da maior esco­la de ensi­no médio do esta­do. O tra­bal­ho pôde ampli­ar a com­preen­são sobre os difer­entes tipos de vio­lên­cia de sexo e gênero pre­sentes no ambi­ente esco­lar.

Rio de Janeiro (RJ), 18.08.2024 - Roselaine Dias, articuladora da Rede Lésbi Brasil. Foto: Rede Lésbi Brasil/Divulgação
Repro­dução: Rio de Janeiro — Rose­laine Dias, artic­u­lado­ra da Rede Lés­bi Brasil — Foto Rede Lés­bi Brasil/Divulgação

Nes­sa junção entre políti­ca e pro­dução int­elec­tu­al, abrem-se cam­in­hos para desen­volver o orgul­ho, o afe­to e a luta.

“A gente con­segue na inter-relação, inter­secção de rede, artic­u­lação e diál­o­go, fomen­tar vários espaços e cam­pos de ação. Traze­mos dis­cussões sobre vivên­cia, mil­itân­cia e dores das mul­heres lés­bi­cas. Isso fica claro nos sim­pó­sios e atos políti­cos de que par­tic­i­pamos. Um bom exem­p­lo é o Ocu­pa Sap­atão, no Rio de Grande do Sul, em que artic­u­lam­os ativis­tas e pesquisado­ras para pen­sar nos­sas lutas e deman­das. E dize­mos ali para toda a cidade que temos o mes­mo dire­ito de estar ali, nas ruas brig­an­do pelos nos­sos dire­itos. Nós artic­u­lam­os políti­ca, praz­er, dese­jo, cul­tura e for­mas de vivên­cia no espaço públi­co”, diz Rose­laine.

Edição: Graça Adju­to

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