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Paixão pela profissão mantém médicos longevos na ativa

Conheça histórias de três médicos que não pensam em parar de trabalhar

Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 01/11/2025 — 11:40
Rio de Janeiro
Brasília (DF), 30/10/2025 - O médico José Badim, o filho Marcos Badim, e o neto Pedro Badim (da esquerda para a direita) operam juntos. Foto: José Badim/Arquivo pessoal
Repro­dução: © José Badim/Arquivo pes­soal

A paixão pela med­i­c­i­na é o que move três espe­cial­is­tas com mais de 80 anos que con­tin­u­am na ati­va, ven­cen­do o pre­con­ceito daque­les que acred­i­tam que uma pes­soa nes­sa faixa etária deve ficar em casa e des­cansar.

Um dess­es profis­sion­ais é a nefrol­o­gista Deise de Boni Mon­teiro de Car­val­ho, de 85 anos, sendo 65 deles pas­sa­dos den­tro de hos­pi­tais, tra­bal­han­do. Em entre­vista à Agên­cia Brasil, ela diz que não pen­sa em parar de tra­bal­har e que não sente pre­con­ceito no dia a dia.

“Eu tra­bal­ho o tem­po inteiro e, na medi­da em que fui fican­do mais longe­va, eu sou até mais respeita­da, mais solic­i­ta­da. Não sin­to pre­con­ceito não, nem por ser mul­her, nem por ser vel­ha. Ain­da não pen­sei em deixar de tra­bal­har. Eu não sei faz­er out­ra coisa tam­bém”, con­ta Deise, que é aposen­ta­da do Min­istério da Saúde.

Brasília (DF), 30/10/2025 - Nefrologista Deise de Boni Monteiro de Carvalho. Foto: Deise de Boni/Arquivo pessoal
Repro­dução: Nefrol­o­gista Deise de Boni Mon­teiro de Car­val­ho diz que não sente pre­con­ceito por ser mul­her e pela idade — Foto: Deise de Boni/Arquivo pes­soal

Uma das pio­neiras no setor da nefrol­o­gia no país, Deise de Boni inte­grou a equipe que real­i­zou o primeiro trans­plante renal feito em São Paulo, em 1965, no Hos­pi­tal das Clíni­cas, e é uma das fun­dado­ras da Asso­ci­ação Brasileira de Trans­plantes de Órgãos (ABTO). Atual­mente, é chefe dos serviços de Nefrol­o­gia dos hos­pi­tais São Vicente de Paulo (HSVP) e São Fran­cis­co na Providên­cia de Deus (HSF), ambos na Tiju­ca, zona norte do Rio de Janeiro, onde coor­de­na a equipe de trans­plantes renais.

O HSF é o prin­ci­pal cen­tro trans­plan­ta­dor renal do esta­do do Rio e o segun­do maior do país. Sob sua coor­de­nação, já foram real­iza­dos 2.751 trans­plantes renais na unidade, até o últi­mo dia 24, des­de o iní­cio do serviço, em 2013. Com sua sim­pa­tia e ded­i­cação, Deise já fez parte de momen­tos impor­tantes na vida de seus pacientes, ten­do com­pare­ci­do, inclu­sive, ao casa­men­to de um deles, no Acre.

Para as pes­soas con­sid­er­adas idosas, aci­ma de 60 anos, ela acon­sel­ha: “Não pare de tra­bal­har. Seja útil. O tra­bal­ho me deixa lig­a­da, você lida com gente de várias idades, com jovens”.

Atual­mente, a equipe que Deise coor­de­na é toda “pediátri­ca”, como ela mes­ma brin­ca. Ela con­sid­era esse fato muito pos­i­ti­vo, porque são cabeças mais are­jadas, e o inter­câm­bio é pos­i­ti­vo. “Eu não sei se eles têm pre­con­ceito. Se têm, eles escon­dem”, diz a médi­ca sor­rindo.

Família longeva

O cirurgião cardía­co Hen­rique Murad, de 82 anos, segue tra­bal­han­do por uma razão prin­ci­pal:

“Gos­to muito de tra­bal­har; gos­to do que faço, ape­sar de ter muitos out­ros inter­ess­es. Gos­to de cin­e­ma, de teatro, não vou mais jog­ar fute­bol porque não dá, mas eu gos­to da vida e de tra­bal­har. É praze­roso”, diz.

Hen­rique Murad vem de uma família em que seu pai tra­bal­ha­va muito. “Min­ha mul­her tra­bal­ha muito; meus fil­hos tra­bal­ham muito. Faz parte da vida. Não é esforço nen­hum. Foi assim que a gente foi edu­ca­do e é assim que a gente con­tin­ua.”

Na família dele, a bisavó mor­reu com 98 anos; o pai, com 94; e a mãe, que ain­da nada­va aos 87 anos, fale­ceu com 98 anos.

Em razão de um prob­le­ma de saúde (estenose do canal medu­lar), o médi­co resolveu parar de oper­ar ao com­ple­tar 80 anos e mudou de foco, ded­i­can­do-se a par­tir daí ao con­sultório, ao ensi­no e à edi­to­ria de uma revista médi­ca.

Brasília (DF), 30/10/2025 - O cirurgião cardíaco Henrique Murad. Foto: Henrique Murad/Arquivo pessoal
Repro­dução: Para o cirurgião cardía­co Hen­rique Murad, não se deve desprezar um profis­sion­al em função da idade, porque se perde muito con­hec­i­men­to — Foto: Hen­rique Murad/Arquivo pes­soal

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, Murad cita dire­triz da Sociedade Amer­i­cana de Cirur­gia Ger­al que ori­en­ta que o cirurgião idoso é muito impor­tante pelo con­hec­i­men­to adquiri­do e por poder passá-lo para out­ros profis­sion­ais, por isso é uma mão de obra que não deve ser dis­pen­sa­da. A regra, porém, tem que ser adap­ta­da.

“Tem gente que está óti­mo aos 95 anos e tem gente que, com 70, está hor­ro­roso. Por isso, não adi­anta faz­er uma regra que vale para todos”, avalia.

Para Murad, não se deve desprezar um profis­sion­al em função da idade, porque se perde muito con­hec­i­men­to. “Ela [a regra da Sociedade Amer­i­cana de Cirur­gia Ger­al] advo­ga que se ava­liem as condições do médi­co. Se ele estiv­er bem, con­tin­ua operan­do, con­tin­ua tra­bal­han­do enquan­to pud­er. Acho que essa é uma políti­ca boa.”

Refer­ên­cia brasileira na real­iza­ção de cirur­gias de aor­ta, Hen­rique Murad man­tém-se ati­vo no serviço de Cirur­gia Cardía­ca do Hos­pi­tal São Vicente de Paulo (HSVP-RJ), que chefiou por 40 anos. “Tra­bal­har para mim não é esforço”, asse­gu­ra ele, que responde por cer­ca de 5 mil cirur­gias de coração durante sua tra­jetória profis­sion­al de quase 60 anos. É ain­da imor­tal da Acad­e­mia Nacional de Med­i­c­i­na (ANM). No próx­i­mo dia 9 de dezem­bro, ele falará exata­mente sobre etaris­mo na med­i­c­i­na, durante a Jor­na­da Médi­ca do HSVP-RJ.

Mesma rotina há mais de duas décadas

Com 95 anos de idade, com­ple­ta­dos no últi­mo dia 28 de out­ubro, o cirurgião José Badim (à esquer­da na foto prin­ci­pal) con­tin­ua com a mes­ma roti­na de quan­do fun­dou o hos­pi­tal que leva seu sobrenome, há 24 anos. Ele acor­da às 5h, toma café e vai para a unidade, situ­a­da na Tiju­ca, zona norte do Rio, onde atende pacientes em con­sul­tas e real­iza cirur­gias.

Inda­ga­do sobre o porquê de con­tin­uar tra­bal­han­do, Badim respon­deu que, aci­ma de tudo, por amor à profis­são e ao ser humano.

“Me sin­to mar­avil­hosa­mente bem. Vou ao hos­pi­tal todos os dias. Chego cedo, pas­so visi­ta aos pacientes e ain­da opero. Adoro essa roti­na. Só vou parar se algo me impedir, uma doença. Enquan­to estiv­er apto e com as mãos firmes, con­tin­uo.”

Para José Badim, o con­ta­to com o paciente exige mui­ta ded­i­cação e altruís­mo e, mes­mo com o con­hec­i­men­to da téc­ni­ca, o médi­co não pode des­cuidar da visão human­itária do cuida­do. “Tra­bal­ho até hoje em razão de ado­rar faz­er med­i­c­i­na. A med­i­c­i­na é um estí­mu­lo con­tín­uo para mim. Ela me man­tém vivo. Se eu pudesse voltar no tem­po e optar nova­mente, faria a mes­ma escol­ha de vida, sem dúvi­da algu­ma.”

Brasília (DF), 30/10/2025 - O médico José Badim. Foto: José Badim/Arquivo pessoal
Repro­dução: O médi­co José Badim diz que um profis­sion­al pre­cisa estar sem­pre atu­al­iza­do para ser respeita­do — Foto: José Badim/Arquivo pes­soal

Per­gun­ta­do se já sofreu dis­crim­i­nação por con­tin­uar na ati­va, ape­sar da idade, ele disse que um profis­sion­al pre­cisa estar sem­pre atu­al­iza­do para ser respeita­do.

“Eu assisti e vivi todas as mudanças na med­i­c­i­na nos últi­mos 60 anos, e a evolução é bru­tal. Hoje, não faze­mos nada sem a aju­da da tec­nolo­gia. Antes, o médi­co tin­ha que abrir o tórax; ago­ra, faze­mos dois ou três furos para tratar o mes­mo prob­le­ma e, no dia seguinte, o paciente vai emb­o­ra para casa. Um avanço fan­tás­ti­co”, desta­ca.

“Essa evolução vem pro­por­cio­nan­do mel­hor diag­nós­ti­co, mel­hor cura em mais cur­to pra­zo, maior econo­mia, retorno à vida nor­mal em menos tem­po, mel­hor qual­i­dade de vida. É fun­da­men­tal bus­car sem­pre a atu­al­iza­ção téc­ni­ca. A med­i­c­i­na evolui rap­i­da­mente, e o médi­co pre­cisa estar recep­ti­vo à colab­o­ração das novas tec­nolo­gias e dos novos trata­men­tos na sua práti­ca médi­ca”, acres­cen­ta.

Para José Badim, o etaris­mo não o afe­ta de maneira nen­hu­ma. “A longev­i­dade depende do cirurgião. Nor­mal­mente, quan­do chega aos 60 ou 65 anos de idade, o homem começa a desen­volver um cer­to tremor nas mãos. Quan­do isso acon­tece com o cirurgião, ele resolve parar, porque isso é incom­patív­el com a cirur­gia”, diz.

“Com a mão firme, poden­do faz­er um corte limpo, o profis­sion­al não pre­cisa se aposen­tar. É exata­mente assim que me sin­to: seguro para oper­ar. E entro no cen­tro cirúr­gi­co com o maior praz­er. Sou uma pes­soa ati­va demais para me aposen­tar. A mente tra­bal­han­do, ati­va e estim­u­la­da pelas obri­gações e respon­s­abil­i­dades, nos man­tém vivos. Isso é um aspec­to que deve con­tar muito para a aposen­ta­do­ria”, com­ple­men­ta.

For­ma­do em 1956 pela Fac­ul­dade Nacional de Med­i­c­i­na, José Badim espe­cial­i­zou-se em cirur­gia plás­ti­ca e recon­stru­ti­va pela Uni­ver­si­dade de Nova York, nos Esta­dos Unidos, onde atu­ou por sete anos. Ele voltou ao Brasil em 1963, onde real­i­zou dois pro­ced­i­men­tos pio­neiros no país: os primeiros implantes de mão e de couro cabe­lu­do. O cirurgião gan­hou noto­riedade em 1972, ao aten­der as víti­mas de uma explosão na Refi­nar­ia de Duque de Cax­i­as (Reduc), real­izan­do enx­er­tos de pele humana nas pes­soas que tiver­am parte do cor­po queima­da no incên­dio.

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