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Pandemia causa impactos na alfabetização de crianças

Repro­dução: © Arquivo/ Agên­cia Brasil

Pelo PNE, Brasil deve zerar taxa de analfabetismo até 2024


Pub­li­ca­do em 08/09/2021 — 07:00 Por Mar­i­ana Tokar­nia — Repórter da Agên­cia Brasil  — Brasília

No Brasil, 11 mil­hões de pes­soas são anal­fa­betas. São pes­soas de 15 anos ou mais que, pelos critérios do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE), não são capazes de ler e escr­ev­er nem ao menos um bil­hete sim­ples. 

Pelo Plano Nacional de Edu­cação (PNE), Lei 13.005/2014, que esta­b­elece o que deve ser feito para mel­ho­rar a edu­cação no país até 2024, des­de o ensi­no infan­til até a pós-grad­u­ação, o Brasil deve zer­ar a taxa de anal­fa­betismo até 2024.

No Dia Mundi­al da Alfa­bet­i­za­ção, cel­e­bra­do hoje (8), a Agên­cia Brasil con­ver­sou com pro­fes­sores que tra­bal­ham com a alfa­bet­i­za­ção de cri­anças sobre os impactos da pan­demia na eta­pa de ensi­no e sobre a roti­na dess­es profis­sion­ais.

Sem tempo para cansaço

O pro­fes­sor do ter­ceiro ano do ensi­no fun­da­men­tal da Esco­la Classe Comu­nidade de Apren­diza­gem do Para­noá, no Dis­tri­to Fed­er­al, Mateus Fer­nan­des de Oliveira diz que ain­da não con­seguiu parar para sen­tir o cansaço que todo o perío­do de pan­demia cau­sou até aqui. Nos últi­mos 18 meses, ele pre­cisou lidar com diver­sas situ­ações, incluin­do famílias de estu­dantes com fome. Foi pre­ciso que a esco­la se orga­ni­zasse para dis­tribuir ces­tas bási­cas nas casas dos alunos.

“A gente esta­va falan­do de fal­ta de ali­men­tos em casa. Famílias pas­san­do por neces­si­dades. Não era pos­sív­el cobrar de uma família que esta­va pre­ocu­pa­da com ali­men­tação que desen­volvesse um proces­so de esco­lar­iza­ção em um momen­to como este. A gente enten­deu que a esco­la públi­ca, como parte do Esta­do, tem respon­s­abil­i­dade social. O Esta­do dev­e­ria cuidar das neces­si­dades bási­cas, mas não esta­va dan­do con­ta. A esco­la teve que se mobi­lizar”.

Enquan­to a esco­la esteve fecha­da, o pro­fes­sor chegou até mes­mo a vis­i­tar os estu­dantes pes­soal­mente, levar para eles as ativi­dades e ver­i­ficar como estavam. A maior parte dos alunos não tin­ha aces­so à inter­net e acaba­va não par­tic­i­pan­do das aulas online. Ago­ra a esco­la voltou em um mod­e­lo híbri­do, inter­ca­lan­do ensi­no pres­en­cial e ensi­no remo­to.

Oliveira percebe que as desigual­dades se acen­tu­aram. Aque­les alunos que vêm de um con­tex­to famil­iar em que a leitu­ra faz parte do cotid­i­ano, em que há livros e revis­tas em casa, chegam ago­ra ao ter­ceiro ano do fun­da­men­tal saben­do ler e escr­ev­er. Aque­les que moram em casas com pou­ca ou nen­hu­ma leitu­ra, às vezes sem mães e pais alfa­bet­i­za­dos, acabam ten­do um con­hec­i­men­to aquém do esper­a­do para cri­anças com 8 ou 9 anos de idade.

“Não dá para con­sid­er­ar este ano como só este ano. É pen­sar este ano e o seguinte como duas coisas con­tínuas, porque senão a gente se exas­pera e atro­pela os proces­sos. Atro­pela o tem­po de enten­der o que a gente sen­tiu e o que está sentin­do e de perce­ber que cam­in­hos pode tril­har. A gente pode acabar até geran­do o con­trário do que gostaria. Em princí­pio, é pre­ciso ter cal­ma e, ao mes­mo tem­po, saber que não temos tem­po a perder”.

Trabalho redobrado

Em Corum­bá (MS), foi com cachor­rin­has que a pro­fes­so­ra da Esco­la Munic­i­pal Almi­rante Taman­daré, Sonia Bays, con­quis­tou os alunos e con­seguiu medir o que eles havi­am apren­di­do em um ano de pan­demia. Ela dá aula para o primeiro ano do ensi­no fun­da­men­tal, estu­dantes de 6 anos, que estão começan­do a ser alfa­bet­i­za­dos. “Que­ria faz­er algo mais lúdi­co. Acred­i­to que as cri­anças são penal­izadas por estar longe da esco­la. Cri­ança em fase de alfa­bet­i­za­ção pre­cisa da esco­la”, diz.

Diante das difi­cul­dades de ensi­nar a dis­tân­cia e por meio de tec­nolo­gias, ela gravou um vídeo apre­sen­tan­do os próprios ani­mais de esti­mação e pediu que os pais estim­u­lassem os fil­hos a faz­er o mes­mo com seus bich­in­hos. “Na fase da alfa­bet­i­za­ção, a cri­ança pre­cisa de oral­i­dade. Ela fala e depois trans­fere para o papel. É pre­ciso estim­u­lar essa espon­tanei­dade, essa fala das cri­anças”.

Ao pequeno grupo que esta­va sendo aten­di­do pres­en­cial­mente em horários espe­ci­ais na esco­la, ela pediu que desen­has­se e, se soubesse, escrevesse os nomes dos ani­mais. Foi assim que avaliou o que os alunos sabi­am e aqui­lo em que tin­ham difi­cul­dades. Com base nas ativi­dades desen­volvi­das com as cri­anças, surgiu o tra­bal­ho Alfa­bet­i­za­ção e Infân­cia em Tem­pos de Pan­demia, apre­sen­ta­do em agos­to no 5º Con­gres­so Brasileiro de Alfa­bet­i­za­ção.

A maior parte dos alunos de Sonia está em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade. Não é raro que as famílias ten­ham ape­nas um celu­lar com aces­so lim­i­ta­do à inter­net. A estraté­gia muitas vezes, durante mais de um ano de pan­demia, era man­dar vídeos por what­sApp, para que os respon­sáveis baix­as­sem usan­do a inter­net do tra­bal­ho e, depois, mostrassem para as cri­anças.

No ano pas­sa­do, ela chegou a con­hecer os alunos pes­soal­mente, antes do fechamen­to das esco­las por causa da pan­demia. A tur­ma desse ano, no entan­to, era uma lista com 23 nomes e con­tatos. Sonia fez questão de entrar em con­ta­to com cada um por lig­ação e con­ver­sar com alunos e famílias. A logís­ti­ca não foi sim­ples, alguns estu­dantes pre­cis­aram ir para uma área com wifi aber­to, para rece­ber a videochama­da.

A esco­la foi retoman­do aos poucos o ensi­no pres­en­cial. Primeiro, ape­nas uma vez por sem­ana para aten­der aos alunos que não tin­ham aces­so a aulas remo­tas. Ago­ra, a esco­la voltou às aulas pres­en­ci­ais em esque­ma de reveza­men­to, com tur­mas reduzi­das.

“Os pro­fes­sores, cada um de uma série, sele­cionaram os con­teú­dos que seri­am pri­or­itários, que seri­am essen­ci­ais. Não vamos ter como dar con­ta de tudo. Esta­mos focan­do em leitu­ra e escri­ta”, diz e acres­cen­ta: “Os alunos não perder­am o ano, eles gan­haram a vida. Se antes já tín­hamos déficit de apren­diza­gem, ago­ra tam­bém temos, ain­da maior. Ter­e­mos que redo­brar o tra­bal­ho para vencer isso”.

Da sala para a tela

Depois de oito anos nas salas de aula no Rio de Janeiro, o pro­fes­sor Ricar­do Fer­nan­des assum­iu, em 2019, o car­go de assis­tente de Gerên­cia de Alfa­bet­i­za­ção e Anos Ini­ci­ais da Sec­re­taria Munic­i­pal de Edu­cação. No ano pas­sa­do, com a pan­demia, Fer­nan­des pas­sou a gravar aulas e pod­casts para os estu­dantes da rede munic­i­pal, por meio da prefeitu­ra, para garan­tir a edu­cação remo­ta. Ele, de repente, pas­sou a alcançar um públi­co muito maior.

“Aca­ba que você, que está pro­duzin­do uma vídeoaula, você não vira só o pro­fes­sor de uma tur­ma. A sen­sação que dá é que você vira pro­fes­sor de muitas tur­mas. Essa foi uma estraté­gia muito impor­tante para muitas cri­anças que estavam em casa”, diz.

Foi pre­ciso, segun­do Fer­nan­des, recri­ar, com tec­nolo­gia, espaços alfa­bet­i­zadores. Além de o for­ma­to ser um desafio, foi pre­ciso tam­bém repen­sar o con­teú­do de alfa­bet­i­za­ção, incluin­do as famílias. “Todas as vezes que a gente pen­sa um mate­r­i­al ago­ra, a gente pen­sa que essa família vai assi­s­tir jun­to, vai aju­dar na medi­ação desse con­teú­do. Então as aulas ago­ra são pen­sadas na per­spec­ti­va mais cole­ti­va. Quem está escu­tan­do o que essa cri­ança fala? Quais as per­gun­tas que essa cri­ança pode faz­er para essa pes­soa? É esse proces­so de uma edu­cação cole­ti­va que traz para a alfa­bet­i­za­ção um novo caráter”.

O pro­fes­sor con­ta que, durante a pan­demia, as tro­cas entre os pro­fes­sores da rede de ensi­no aju­daram a desen­volver novas estraté­gias para chegar aos alunos e tam­bém aju­daram os próprios profis­sion­ais a não se sen­tirem iso­la­dos. Fer­nan­des ressalta, no entan­to, que mes­mo com o esforço, há estu­dantes que pre­cis­arão de mais atenção. “A gente sabe que existe um públi­co que his­tori­ca­mente está ali­ja­do do con­tex­to de alfa­bet­i­za­ção e de edu­cação, e esse con­tex­to foi inten­si­fi­ca­do com a pan­demia”.

Estudo encomen­da­do ao Datafol­ha pela Fun­dação Lemann, o Itaú Social e o Ban­co Inter­amer­i­cano de Desen­volvi­men­to (BID), divul­ga­do em jun­ho deste ano, mostra que mais da metade (51%) das cri­anças em proces­so de alfa­bet­i­za­ção na rede públi­ca brasileira ficaram no mes­mo está­gio de apren­diza­do, ou seja, não apren­der­am nada de novo durante a pan­demia. Entre os estu­dantes bran­cos, 57% teri­am apren­di­do coisas novas, segun­do a per­cepção dos respon­sáveis. Entre os estu­dantes negros, esse índice cai para 41%.

Como respon­sáv­el pela pro­dução de mate­ri­ais para a alfa­bet­i­za­ção, Fer­nan­des diz que um dos obje­tivos é que os estu­dantes se sin­tam rep­re­sen­ta­dos. “Não se pode alfa­bet­i­zar sem olhar para a favela, sem olhar para o bair­ro desse aluno, sem olhar para o rit­mo desse aluno, sem enten­der que é um sujeito que aprende quan­do está em casa, quan­do está em con­ta­to com out­ros sujeitos. Não se pode negar os aspec­tos cul­tur­ais da cidade”, defende.

Unindo forças

Para a pres­i­dente da União Nacional dos Diri­gentes Munic­i­pais de Edu­cação (Undime) no Paraná, Mar­cia Bal­di­ni, é necessária a união de forças de gestores, Poder Públi­co, pro­fes­sores e famil­iares para garan­tir o ensi­no e a apren­diza­gem das cri­anças brasileiras. Mar­cia, que coor­de­na o Grupo de Tra­bal­ho sobre Alfa­bet­i­za­ção da Undime, diz que a pan­demia cau­sou um pre­juí­zo muito grande à alfa­bet­i­za­ção.

“É necessário ter políti­cas públi­cas nesse sen­ti­do, voltar o olhar para isso, porque se não tiver­mos nas nos­sas esco­las um olhar foca­do em relação ao pro­fes­sor alfa­bet­i­zador, a for­mação con­tin­u­a­da, condições de tra­bal­ho, a con­sci­en­ti­za­ção das famílias para que esse aluno pos­sa apren­der, os pre­juí­zos serão imen­su­ráveis nos anos seguintes na edu­cação fun­da­men­tal, no ensi­no médio e até mes­mo na edu­cação supe­ri­or, em que vamos for­mar os famosos anal­fa­betos fun­cionais”.

Mar­cia expli­ca que a alfa­bet­i­za­ção exige a medi­ação do pro­fes­sor. Isso porque gestos, movi­men­tos labi­ais e mate­ri­ais didáti­cos têm impacto na apren­diza­gem. Ess­es ele­men­tos acabam se per­den­do no ensi­no remo­to. “Os alunos que estão retor­nan­do [para o ensi­no pres­en­cial] apre­sen­tam muitas difi­cul­dades, há alunos que esque­ce­r­am até mes­mo como se escreve o nome”. Os dados mostram muito clara­mente, nos primeiros anos da edu­cação infan­til e do ensi­no fun­da­men­tal, pre­juí­zos soci­ais, econômi­cos, edu­ca­cionais, que vão se esten­der ao lon­go da vida.

Retomada

Neste semes­tre, as esco­las estão, aos poucos, com o avanço da vaci­nação no país, retoman­do as aulas pres­en­ci­ais, ain­da que mescladas ao ensi­no remo­to, no chama­do ensi­no híbri­do. Será pre­ciso ain­da, segun­do a ofi­cial de edu­cação do Fun­do das Nações Unidas para a Infân­cia (Unicef) no Brasil, Julia Ribeiro, localizar os estu­dantes que não con­seguiram assi­s­tir às aulas na pan­demia.

“Faz­er bus­ca ati­va dess­es meni­nos e meni­nas que não tiver­am condição de se man­ter apren­den­do durante a pan­demia. Os dados apon­tam isso, a pan­demia atingiu meni­nos e meni­nas que já eram mais vul­neráveis. Quem já esta­va fora da esco­la ficou cada vez mais longe, e quem esta­va na esco­la, mas sem condições de apren­der em casa, acabou sendo excluí­do desse dire­ito”.

Pesquisa divul­ga­da este ano pelo Unicef mostra que o número de cri­anças e ado­les­centes sem aces­so à edu­cação no Brasil saltou de 1,1 mil­hão em 2019 para 5,1 mil­hões em 2020. Dess­es, 41% têm entre 6 e 10 anos, faixa etária em que ocorre a alfa­bet­i­za­ção.

“A alfa­bet­i­za­ção é fun­da­men­tal para a manutenção desse meni­no ou meni­na na esco­la. É nes­sa faixa etária que é cri­a­do maior vín­cu­lo, inclu­sive com a esco­la. Cic­los de alfa­bet­i­za­ção que são incom­ple­tos podem acar­retar reprovações e aban­donos esco­lares nas demais eta­pas, nas eta­pas sub­se­quentes”, ressalta.

Para Júlia, sobre­tu­do na pan­demia, quan­do as cri­anças tiver­am apren­diza­gens difer­entes, todas as eta­pas esco­lares devem se com­pro­m­e­ter a garan­tir o apren­diza­do dos estu­dantes, garan­tir que apren­dam a ler e escr­ev­er.

“A gente pre­cisa de uma cor­re­spon­s­abi­liza­ção de todo o sis­tema edu­ca­cional no sen­ti­do de garan­tir que cada cri­ança e ado­les­cente, inde­pen­den­te­mente de idade, ten­ha as opor­tu­nidades necessárias que lhe garan­tam alfa­bet­i­za­ção com­ple­ta, que lhe pos­si­bilite que ess­es meni­nos e meni­nas ten­ham maior liber­dade, maior autono­mia, que este­jam incluí­dos na sociedade, que ten­ham mais aces­so a opor­tu­nidades profis­sion­ais e pes­soais, que ten­ham aces­so a seus dire­itos”.

Ministério da Educação

No dia 30 de jun­ho deste ano, o MEC lançou o Sis­tema Online de Recur­sos para a Alfa­bet­i­za­ção, apel­i­da­do de Sora. A platafor­ma foi desen­volvi­da para apoiar pro­fes­sores e tra­bal­hadores da edu­cação no plane­ja­men­to e exe­cução de ativi­dades de ensi­no para alunos que estão apren­den­do a ler e escr­ev­er.

O sis­tema traz estraté­gias de ensi­no ou como o con­teú­do pode ser ensi­na­do. Elen­ca tam­bém pro­postas de ativi­dades a serem apli­cadas em salas de aula, fer­ra­men­tas que são uti­lizadas na con­sol­i­dação da apreen­são dos con­teú­dos.

A platafor­ma disponi­bi­liza recur­sos adi­cionais diver­sos que aux­il­iam os pro­fes­sores. Podem ser aces­sadas, por exem­p­lo, ima­gens que aju­dam a fixar as letras do alfa­beto. Será incluí­do tam­bém um módu­lo com sug­estões de avali­ações para ver­i­ficar a apren­diza­gem do con­teú­do.

Edição: Graça Adju­to

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