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Para especialistas, repatriação de brasileiros é vitória diplomática

Repro­dução: © Agên­cia Brasil

Grupo de 32 pessoas cruzou a fronteira e chegou hoje ao Egito


Pub­li­ca­do em 12/11/2023 — 17:54 Por Luciano Nasci­men­to – Repórter da Agên­cia Brasil — São Luís

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Espe­cial­is­tas em Relações Exte­ri­ores con­sid­er­am a oper­ação para repa­tri­ar o grupo de 32 pes­soas que esta­va na Faixa de Gaza como uma vitória da diplo­ma­cia brasileira, sob o coman­do do min­istro das Relações Exte­ri­ores, Mau­ro Vieira, e do pres­i­dente da Repúbli­ca Luiz Iná­cio Lula da Sil­va.

O grupo cru­zou a fron­teira com o Egi­to, pelo Por­tal de Rafah, na man­hã deste domin­go (12) e deve embar­car para o Brasil nes­ta segun­da (13). Segun­do eles, mes­mo com a demo­ra na inclusão da lista de pes­soas autor­izadas a cruzar a fron­teira, a diplo­ma­cia mostrou capaci­dade de nego­ci­ação e coor­de­nação nas ações.

O pro­fes­sor de Políti­ca Inter­na­cional e Com­para­da do pro­gra­ma de pós-grad­u­ação em Ciên­cia Políti­ca da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Minas (UFMG), Dawis­son Belém Lopes disse à Agên­cia Brasil que, com o retorno dos brasileiros, o Brasil con­seguiu faz­er valer o peso da sua tradição diplomáti­ca:

“Isso é muito impor­tante, porque mes­mo não sendo um dos país­es que se alin­ham auto­mati­ca­mente a Israel, o Brasil sem­pre bus­ca, em relação a esse con­fli­to israe­lo-palesti­no que se arras­ta há décadas, uma posição de equidis­tân­cia e defende a solução de dois Esta­dos [de Israel e da Palesti­na].”

“Mes­mo ten­do esse enga­ja­men­to críti­co em relação ao tema, o Brasil, ain­da assim, fez valer o peso da sua tradição, a capaci­dade de traz­er para o seu ter­ritório os seus cidadãos e isso me parece muito pos­i­ti­vo. É um sinal que é emi­ti­do, que mostra a importân­cia do Brasil no con­tex­to das nações”, afir­mou o pro­fes­sor.

O professor de Política Internacional e Comparada do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas (UFMG), Dawisson Belém Lopes disse à Agência Brasil que com o retorno dos brasileiros o Brasil conseguiu fazer valer o peso da sua tradição diplomática. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Para pro­fes­sor Dawis­son Belém Lopes retorno dos brasileiros faz valer peso da tradição diplomáti­ca do país — Arqui­vo pes­soal

Na avali­ação de Lopes, mes­mo que nas primeiras lis­tas de pes­soas autor­izadas a deixar Gaza con­stassem nomes de estrangeiros de país­es mais alin­hados com Israel, o Ita­ma­raty soube con­duzir bem as trata­ti­vas para repa­tri­ar os brasileiros. A primeira lista, que saiu na quar­ta-feira dia 1° de novem­bro, autor­i­zou um grupo de 450 estrangeiros a deixar o enclave.

Dos 3.463 estrangeiros autor­iza­dos a sair da Faixa de Gaza até a últi­ma quar­ta-feira (8), 1.253 têm pas­s­aporte dos Esta­dos Unidos, o que rep­re­sen­ta­va 36,1% do total. O prin­ci­pal ali­a­do de Israel na guer­ra que o país declar­ou con­tra o Hamas lid­era a lista de nacional­i­dades autor­izadas a deixar a região, até ago­ra.

Além dos Esta­dos Unidos, out­ros oito país­es tiver­am mais de 100 nacionais autor­iza­dos a sair da Faixa de Gaza. Essas nove nações somam 86% do total de estrangeiros autor­iza­dos a cruzar a fron­teira com o Egi­to. A segun­da nacional­i­dade mais ben­e­fi­ci­a­da foi a Ale­man­ha, com 335 pes­soas, o que rep­re­sen­ta 9,6% do total. Os brasileiros só foram incluí­dos na séti­ma lista.

“Neste momen­to, Gaza é o ter­ritório que sofre uma investi­da mil­i­tar muito inten­sa de Israel e, nat­u­ral­mente, todo mun­do que está naque­le ter­ritório está cor­ren­do risco de morte. Por isso que é tão impor­tante, tão urgente, repa­tri­ar os brasileiros. E, no agre­ga­do, eu diria que o Brasil con­seguiu não só o obje­ti­vo de traz­er essa primeira leva de brasileiros, os que primeiro havi­am solic­i­ta­do o retorno, repa­tri­ação, mas tam­bém em um tem­po célere, porque se con­sid­er­ar­mos que nas levas ante­ri­ores vier­am prati­ca­mente ape­nas aque­les cidadãos dos país­es que são ali­a­dos de primeira hora de Israel, o Brasil con­seguiu nego­ciar bem os ter­mos dessa repa­tri­ação”, apon­tou o pro­fes­sor.

Lopes avaliou ain­da que a relação com Israel sofreu um des­gaste após o episó­dio envol­ven­do o embaix­ador do país no Brasil, Daniel Zon­shine, que par­ticipou, na quar­ta-feira (8), na Câmara dos Dep­uta­dos de uma reunião com o ex-pres­i­dente Jair Bol­sonaro e par­la­mentares de dire­i­ta. Na ocasião, ele exibiu um filme com ima­gens do ataque do Hamas no dia 7 de out­ubro.

“É nat­ur­al que haja um estran­hamen­to brasileiro em relação ao que foi feito, sobre­tu­do pelo embaix­ador de Israel no Brasil. Me parece que ele cru­zou uma lin­ha. Ele ten­tou por cam­in­hos que não são os mais acon­sel­háveis na práti­ca diplomáti­ca con­ven­cional. Ele ten­tou influ­en­ciar os rumos do debate domés­ti­co brasileiro, envol­ven­do inclu­sive um políti­co cujos dire­itos políti­cos foram caça­dos. Um políti­co inelegív­el, um ex-pres­i­dente da Repúbli­ca. Isso é grave, me parece prob­lemáti­co.”

Entre­tan­to, Lopes não acred­i­ta em uma mudança na relação diplomáti­ca com Israel, já que o Brasil tem relações históri­c­as com o país do Ori­ente Médio.

“Há relações entre os dois Esta­dos que são impor­tantes, que extrap­o­lam o nív­el gov­er­na­men­tal, que vão além do atu­al gov­er­no de Israel. Então, isso deve ser sem­pre cal­cu­la­do com mui­ta cal­ma, com mui­ta cautela, com mui­ta racional­i­dade. Esse é o domínio da diplo­ma­cia. A diplo­ma­cia não pode rea­gir de for­ma tem­pera­men­tal. Tem que sem­pre ser muito racional­iza­da essa respos­ta do Esta­do brasileiro. Então, eu acho que essa relação vai pas­sar por uma reavali­ação a par­tir de ago­ra, mas eu não vejo no meu hor­i­zonte a per­spec­ti­va de rup­tura”, avaliou Lopes. “A questão é intrin­ca­da, nós sabe­mos que ain­da há muitos brasileiros em ter­ritório palesti­no”, con­cluiu.

Neste domin­go (12), em entre­vista à impren­sa, o min­istro das Relações Exte­ri­ores, Mau­ro Vieira, foi ques­tion­a­do sobre o episó­dio envol­ven­do Zon­shine, mas lim­i­tou-se a diz­er que não o con­hecia: “não con­heço”. O chancel­er não respon­deu sobre a pos­si­bil­i­dade de con­vo­car Zon­shine para dar expli­cações sobre a reunião. Na lin­guagem diplomáti­ca, con­vo­car um embaix­ador estrangeiro é um gesto impor­tante e que demon­stra a gravi­dade de um assun­to para o país anfitrião.

Diplomacia

O monitor do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB), curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Bruno Fabrício da Silva considera que a operação de repatriação também representou uma vitória da diplomacia brasileira, mas que houve uma demora “excessiva”. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Bruno Fab­rí­cio da Sil­va con­sid­era oper­ação de repa­tri­ação uma vitória da diplo­ma­cia brasileira — Arqui­vo pes­soal

O mon­i­tor do Obser­vatório de Políti­ca Exter­na e Inserção Inter­na­cional do Brasil (Opeb), cur­so de Relações Inter­na­cionais da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do ABC (UFABC) Bruno Fab­rí­cio da Sil­va con­sid­era que a oper­ação de repa­tri­ação tam­bém rep­re­sen­tou uma vitória da diplo­ma­cia brasileira, mas que hou­ve uma demo­ra “exces­si­va”, para autor­izar a saí­da de cidadãos de país­es ali­a­dos de Israel, como os Esta­dos Unidos e a maio­r­ia das potên­cias oci­den­tais.

“A par­tic­i­pação dire­ta do pres­i­dente e do cor­po diplomáti­co em nego­ci­ações com as autori­dades israe­lens­es, palesti­nas e egíp­cias desta­ca o com­pro­me­ti­men­to do Brasil em pro­te­ger seus cidadãos em situ­ações de con­fli­to. Além dis­so, o suporte ofer­e­ci­do durante o perío­do em Gaza como garan­tir recur­sos essen­ci­ais e aler­tar sobre a local­iza­ção do grupo às autori­dades israe­lens­es mostra a atu­ação proa­t­i­va da diplo­ma­cia brasileira em situ­ações de crise”, afir­mou da Sil­va à Agên­cia Brasil.

Para o pesquisador, após a repa­tri­ação, o Brasil pode se posi­cionar de maneira mais asserti­va para con­denar os ataques de Israel, como já indi­ca­do pelas declar­ações do pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, que clas­si­fi­cou a situ­ação como genocí­dio.

“O pres­i­dente Lula já demon­strou uma pos­tu­ra mais inci­si­va ao clas­si­ficar os acon­tec­i­men­tos como genocí­dio e ao con­denar ener­gi­ca­mente as ações mil­itares israe­lens­es. A meu ver, a decisão de ado­tar uma pos­tu­ra mais inci­si­va pode envolver o risco de prej­u­dicar as relações bilat­erais com Israel e seus ali­a­dos, mas tam­bém pode ser perce­bi­da como uma respos­ta éti­ca e human­itária à gravi­dade da situ­ação”, avaliou.

Ele apon­ta ain­da que a repa­tri­ação dos brasileiros pode, no entan­to, ser vista como um movi­men­to alin­hado com a pos­tu­ra de out­ros país­es sul-amer­i­canos, que aumen­taram o tom diplomáti­co em reação aos ataques israe­lens­es em Gaza, a exem­p­lo do Chile, da Colôm­bia, da Bolívia e da própria Jordâ­nia, que con­vo­caram seus embaix­adores para con­sul­tas.

“A decisão de out­ros país­es sul-amer­i­canos de aumen­tar o tom diplomáti­co tam­bém pode influ­en­ciar o Brasil a ado­tar uma pos­tu­ra mais firme. No entan­to, em situ­ações de crise human­itária e vio­lações graves de dire­itos humanos, como no con­fli­to entre Israel e Palesti­na, há pressões cres­centes para que os Esta­dos adotem posições mais firmes e expressem clara­mente sua posição éti­ca e moral sobre os even­tos”, pon­tu­ou da Sil­va.

“Em cer­tas situ­ações, é necessário mudar o par­a­dig­ma diplomáti­co e o peso do Brasil no sis­tema inter­na­cional pode, com uma decisão mais inci­si­va, de cer­ta for­ma traz­er uma visão mais dura à con­de­nação das ações de Israel em Gaza”, acres­cen­tou.

Colapso

A pro­fes­so­ra de História Árabe do Depar­ta­men­to de Letras Ori­en­tais da Fac­ul­dade de Filosofia, Letras e Ciên­cias Humanas da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP) e atu­al dire­to­ra do Cen­tro de Estu­dos Árabes da USP, Arlene Eliz­a­beth Clemesh, tam­bém con­sid­era que o Brasil deve subir o tom na relação diplomáti­ca com Israel.

Especialista consideram operação de repatriamento de brasileiros como vitória diplomática. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Para a pro­fes­so­ra Arlena Elis­a­beth Clemesh Brasil deve sinalizar de for­ma clara dis­cordân­cia com pos­tu­ra de Israel– Arqui­vo pes­soal

Arlene avalia que o gov­er­no deve sinalizar de maneira enfáti­ca que não con­cor­da com o que Israel vem fazen­do na Faixa de Gaza e na Cisjordâ­nia. Ela tam­bém defende a revo­gação dos acor­dos mil­itares e de segu­rança já fir­ma­dos com Israel.

“É isso que se espera do gov­er­no brasileiro, ago­ra que os brasileiros foram lib­er­a­dos. Tam­bém seria o caso de con­sid­er­ar uma sinal­iza­ção de desagra­do, na for­ma da chama­da do nos­so embaix­ador em Tel Aviv. Mas o mais impor­tante é a rup­tura dos con­tratos mil­itares e de segu­rança. Só assim, com o can­ce­la­men­to de con­tratos em vários país­es do mun­do, o gov­er­no israe­lense será pres­sion­a­do a parar o trata­men­to dado ao povo palesti­no”, disse a pro­fes­so­ra à Agên­cia Brasil.

“Gaza, é muito impor­tante que se enten­da, colap­sou. A sobre­vivên­cia hoje em Gaza é do mais apto, do mais resiliente, do que tem sorte de não ser feri­do grave­mente e con­seguir se defend­er. Incubado­ras foram desli­gadas por fal­ta de ener­gia elétri­ca e, até onde ten­ho con­hec­i­men­to, dois bebês já fale­ce­r­am. Não há condições mín­i­mas de vida em Gaza. O que está acon­te­cen­do é uma com­bi­nação de genocí­dio com limpeza étni­ca”, criti­cou.

Arlene tam­bém disse que as primeiras lis­tas de pes­soas autor­izadas a deixar Gaza só ben­e­fi­ci­avam país­es com alianças estre­itas com Israel, como Esta­dos Unidos, Ale­man­ha, Reino Unido, França e Ucrâ­nia, mas apon­tou o retorno como um vitória da diplo­ma­cia.

“Os brasileiros eram poucos, com­para­dos às men­cionadas nacional­i­dades, que já estavam alo­ca­dos próx­i­mo à fron­teira com o Egi­to, próx­i­mo à pas­sagem de Rafah”, obser­vou.

“A lib­er­tação dos brasileiros de Gaza, para que pudessem vir ao Brasil em segu­rança, foi uma enorme vitória para a diplo­ma­cia e para o gov­er­no brasileiro. Des­de os primeiros dias desse ataque a Gaza, o Escritório Per­ma­nente de Rep­re­sen­tação Brasileira na Palesti­na vin­ha tra­bal­han­do inten­sa­mente para orga­ni­zar logís­ti­ca e diplo­mati­ca­mente a saí­da dos brasileiros. O empen­ho foi muito grande em todas as esferas, mobi­lizan­do o Ita­ma­raty, o chancel­er e o próprio pres­i­dente Lula”, acres­cen­tou.

Edição: Denise Griesinger

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