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Para historiadoras, 7/9 é dia de reflexão sobre história do Brasil

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal Jr / Agên­cia Brasil

Como deveriam ser as comemorações da data?, questionam


Pub­li­ca­do em 07/09/2023 — 08:15 Por Mar­i­ana Tokar­nia — Repórter da Agên­cia Brasil  — Brasília

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Em 2023, o Brasil com­ple­ta 201 anos da Inde­pendên­cia, comem­o­ra­da no dia 7 de setem­bro. A data, de acor­do com his­to­ri­ado­ras entre­vis­tadas pela Agên­cia Brasil, é um momen­to de reflexão sobre a história do país e sobre quem ain­da segue excluí­do dessa história e o que é pre­ciso faz­er para reduzir as desigual­dades. Depois de dois sécu­los, é pos­sív­el diz­er que o Brasil é inde­pen­dente? Como devem ser as comem­o­rações dessa data para que sejam mais plu­rais e diver­sas? 

06/09/2023, Entrevista com Ynaê Lopes dos Santos, historiadora e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Foto: Ricardo Borges/ Divulgação
Repro­dução: Ynaê Lopes dos San­tos diz que é pre­ciso enten­der out­ros atores impor­tantes na inde­pendên­cia Ricar­do Borges/ Divul­gação

“É uma revis­i­tação con­tun­dente que pre­cisa ser fei­ta. Durante muito tem­po, a per­spec­ti­va críti­ca fica­va cir­cun­scri­ta a uma críti­ca, por exem­p­lo à figu­ra de Dom Pedro I, ao fato de ele pas­sar mal ou não. Isso é o de menos. Falar só sobre Dom Pedro não resolve o prob­le­ma da inde­pendên­cia do Brasil de uma per­spec­ti­va mais críti­ca”, diz a his­to­ri­ado­ra Ynaê Lopes dos San­tos, pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF).

Essa história é con­ta­da no livro 1822, de Lau­renti­no Gomes. Dom Pedro I estaria com dor de bar­ri­ga dev­i­do, pos­sivel­mente, à ingestão de água con­t­a­m­i­na­da ou algum ali­men­to estra­ga­do. O gri­to da inde­pendên­cia às mar­gens do Ipi­ran­ga, que inclu­sive é nar­ra­do no hino nacional brasileiro, teria sido ape­nas sim­bóli­co.

“É pre­ciso enten­der os out­ros sujeitos que par­tic­i­param. Mul­heres que lutaram nos cam­pos de batal­ha nos difer­entes lugares do Brasil, como as sociedades indí­ge­nas na sua diver­si­dade se artic­u­laram ou não ao proces­so de inde­pendên­cia, a par­tic­i­pação da pop­u­lação negra. É pre­ciso tomar a inde­pendên­cia pelo que ela foi, um proces­so polifôni­co”, acres­cen­ta Lopes.

Os indígenas e a Independência

Segun­do a his­to­ri­ado­ra e pro­fes­so­ra Marize Guarani, uma das fun­dado­ras da Asso­ci­ação Indí­ge­na Aldeia Mara­canã, o 7 de setem­bro com a con­sti­tu­ição de um país é, na ver­dade, para os indí­ge­nas, a con­sol­i­dação de um proces­so de exclusão, silen­ci­a­men­to e genocí­dio, que vin­ha des­de 1.500, com a chega­da dos por­tugue­ses. Esse proces­so con­tin­ua, segun­do a his­to­ri­ado­ra, até os dias de hoje.

“Todo esse perío­do vai ter uma negação dos povos indí­ge­nas, vai-se con­stru­in­do uma nar­ra­ti­va de que nós não temos nada para ofer­e­cer, de que a gente não gos­ta de tra­bal­ho, de que é mui­ta ter­ra para pouco índio. Quan­do se fala do povo indí­ge­na fala-se que é sel­vagem, mas sel­vagem só quer diz­er aque­le que vive na sel­va. E nem é mais assim. Hoje, 60% da pop­u­lação indí­ge­na vive na cidade, ou seja, foi reti­ra­da de seus ter­ritórios e con­tin­u­am sendo sis­tem­ati­ca­mente reti­radas desse ter­ritório ao lon­go de todo esse proces­so de história do Brasil”.

Rio de Janeiro (RJ), 04/09/2023 - Marize Vieira de Oliveira, Marize Guarani, professora de história., concede entrevista em sua casa, Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução:  Marize Guarani diz que o 7 de setem­bro para os indí­ge­nas é a con­sol­i­dação de um proces­so de exclusão, silen­ci­a­men­to e genocí­dio– Tânia Rêgo/Agência Brasil

De acor­do com o Cen­so do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE), são 1.693.535 indí­ge­nas no país, o que rep­re­sen­ta 0,83% do total de habi­tantes. A esti­ma­ti­va é de que antes da chega­da dos por­tugue­ses, eram mais de 1,4 mil povos e mil­hões de habi­tantes.

Ao lon­go da história, segun­do Marize Guarani, vai-se con­stru­in­do uma nar­ra­ti­va de que os indí­ge­nas são “aves­sos ao pro­gres­so”, e com isso, mais recen­te­mente, na ditadu­ra mil­i­tar, entre 1964 e 1985, com a inte­ri­or­iza­ção, vai-se expul­san­do os indí­ge­nas de seus ter­ritórios. “Sem­pre uma nar­ra­ti­va que nós éramos a bar­reira para o pro­gres­so, porque olhavam a mata como algo que não era pro­gres­so. Mas me diz uma coisa: como você vai con­seguir viv­er num mun­do sem as flo­restas? Flo­res­ta é a maior usi­na de chu­va”.

O modo de viv­er tradi­cional indí­ge­na traz uma oposição ao sis­tema cap­i­tal­ista no qual esta­mos inseri­dos, por isso, esse sis­tema é tão persegui­do, con­forme defende Guarani. “A ter­ra era pro­duzi­da comu­nal­mente, da ter­ra era reti­ra­do o seu sus­ten­to, de for­ma comum, comu­nal. Todos, cole­ti­va­mente, plan­tavam, col­hi­am, pro­duzi­am cole­ti­va­mente, não tin­ha ninguém que era mais do que o out­ro, não exis­tia ninguém que comia mais do que o out­ro, e isso con­tin­ua existin­do den­tro dos aldea­men­tos. Eu sem­pre fico pen­san­do que o esta­do sem­pre negou toda for­ma cole­ti­va, toda for­ma de pro­dução de pen­sa­men­to, de reli­giosi­dade nos­sa exata­mente porque elas entram em choque com essa sociedade cap­i­tal­ista”,.

Comemorações e manifestações

A his­to­ri­ado­ra Wlamyra Albu­querque, pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al da Bahia (UFBA), expli­ca que as comem­o­rações da Inde­pendên­cia fazem parte de uma espé­cie de rit­u­al para con­sti­tuir o esta­do nacional. “Ele pre­cisa ter um cor­po admin­is­tra­ti­vo, pre­cisa ter um cor­po mil­i­tar e pre­cisa ter uma história do seu nasci­men­to, pre­cisa ter uma mitolo­gia de con­sti­tu­ição do esta­do nacional. Toda nação lib­er­al nasci­da nos sécu­los 18 e 19 con­stroem um mito sobre sua fun­dação”.

No entan­to, ain­da segun­do Wlamyra Albu­querque, os des­files não são a úni­ca for­ma de comem­o­ração. “É impor­tante olhar para as comem­o­rações de 2 de jul­ho, a gente vai ver que existe for­ma de civis­mo pop­u­lar em que essa força béli­ca, essa força mil­i­tar, não ocu­pa a cen­tral­i­dade das comem­o­rações. Eu acho que pre­cisa ser assum­i­do pelo esta­do brasileiro o plano de cel­e­bração desse per­tenci­men­to nacional, de cel­e­bração da nos­sa brasil­i­dade, em que essas insti­tu­ições mil­itares não este­jam no cen­tro das fes­tas, e aí é pre­ciso repen­sar esse for­ma­to de 7 de setem­bro com par­tic­i­pação pop­u­lar, [olhan­do para as] deman­das das pop­u­lações indí­ge­nas, deman­das das pop­u­lações negras e pobres, das pop­u­lações quilom­bo­las, que elas ven­ham para o cen­tro desse proces­so de con­sti­tu­ição dessa sin­gu­lar­i­dade que é o Brasil”.

O dia 2 de jul­ho, cita­do por Wlamyra Albu­querque, é a comem­o­ração da Inde­pendên­cia na Bahia. A data mar­ca a expul­são, fei­ta em 1823, das tropas por­tugue­sas que ain­da resis­ti­am à inde­pendên­cia declar­a­da no ano ante­ri­or, em um movi­men­to que con­tou com a par­tic­i­pação pop­u­lar. Qual­quer autori­dade lusi­tana remanes­cente foi extir­pa­da do poder. A cel­e­bração tem um caráter mais pop­u­lar, por exem­p­lo, que os des­files mil­itares.

Out­ra ação impor­tante na data é o Gri­to dos Excluí­dos e Excluí­das, man­i­fes­tação que reúne, des­de 1995, movi­men­tos soci­ais e gru­pos que não se sen­tem rep­re­sen­ta­dos pelos des­files ou pela história hegemôni­ca da Inde­pendên­cia do Brasil. A pro­pos­ta nasceu em uma reunião de avali­ação do proces­so da 2ª Sem­ana Social Brasileira, pro­movi­da pela Con­fer­ên­cia Nacional dos Bis­pos do Brasil (CNBB). O dia 7 de setem­bro foi escol­hi­do para a real­iza­ção do Gri­to com a intenção de faz­er um con­trapon­to ao Gri­to da Inde­pendên­cia, procla­ma­do pelo príncipe D. Pedro I, em 1822.

O Gri­to dos Excluí­dos e Excluí­das tem como obje­ti­vo “levar às ruas e praças, os gri­tos ocul­tos e sufo­ca­dos, silen­ciosos e silen­ci­a­dos, que emergem dos cam­pos, porões e per­ife­rias da sociedade. Tra­ta-se de rev­e­lar, à luz do dia e diante da opinião públi­ca, as dores e sofri­men­tos que gov­er­nos e autori­dades ten­dem a var­rer para debaixo do tapete. Traz­er à super­fí­cie os males e cor­rentes pro­fun­das que ator­men­tam o dia-a-dia da pop­u­lação de baixa ren­da”, con­forme o site do movi­men­to.

O Brasil é independente?

Ape­sar das críti­cas, segun­do Wlamyra Albu­querque, a data é impor­tante para que seja fei­ta uma reflexão. “Parar para pen­sar e dis­cu­tir o que somos para nós mes­mos e em relação ao mun­do. Essa é uma questão que vai estar sem­pre aber­ta: o que é inde­pendên­cia? O que é liber­dade? O que é uma nação? Essas questões vão estar sem­pre aber­tas porque a história é dinâmi­ca e a gente vive uma con­fig­u­ração glob­al muito difer­ente e inédi­ta do que todos nós con­hece­mos. As out­ras ger­ações não viver­am uma sociedade em que a mudança que os blo­cos políti­cos econômi­cos se deem de maneira tão acen­tu­a­da”, diz.

A his­to­ri­ado­ra Adri­ana Bar­reto, pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Rur­al do Rio de Janeiro (UFRRJ) com­ple­men­ta: “Todas essas cel­e­brações são invenções cul­tur­ais, elab­o­radas con­scien­te­mente ao lon­go do tem­po”, diz e acres­cen­ta: “O que quero diz­er com isso? Que do mes­mo modo que essas cel­e­brações são inven­tadas para aten­der a cer­tas deman­das da sociedade, em uma deter­mi­na­da época, elas tam­bém podem ser sub­sti­tuí­das e rein­ven­tadas caso grande parte da pop­u­lação não se veja mais rep­re­sen­ta­da nelas”.

Per­gun­tadas se somos uma nação inde­pen­dente, as his­to­ri­ado­ras divergem. Marize Guarani diz que ain­da esta­mos dis­tantes. Ela ressalta o poten­cial pro­du­ti­vo e cria­ti­vo do Brasil e o quan­to a nação aca­ba per­den­do quan­do bus­ca ape­nas se inserir em uma ordem cap­i­tal­ista que não visa o seu desen­volvi­men­to. “Eu digo que esse proces­so de invasão e col­o­niza­ção con­tin­ua até hoje. A gente fala de inde­pendên­cia, mas que inde­pendên­cia a gente está falan­do? A gente depende das bol­sas de val­ores mundi­ais, a gente depende. Querem que o Brasil seja um país de mono­cul­tura, destruíram as ter­ras deles e não querem destru­ir mais, então, destroem a do out­ro”, diz.

Já Bar­reto é categóri­ca, o Brasil é inde­pen­dente: “Claro, total­mente! Inclu­sive, acred­i­to que assumir essa nos­sa condição seja um pas­so cru­cial para – tal como acon­tece com as pes­soas, indi­vid­ual­mente – olhar­mos sem roman­ti­za­ções o pas­sa­do. Não podemos virar apres­sada­mente as pági­nas da história. Porque esse pas­sa­do, em toda sua com­plex­i­dade, nos con­sti­tui como sociedade e con­hecê-lo bem, iden­ti­f­i­can­do nomes e ações de pes­soas e gru­pos, é um pas­so chave para – por meio de respon­s­abi­liza­ções – ter­mos a chance de efe­ti­va­mente con­stru­irmos um futuro”.

Edição: Aline Leal

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