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Passados 20 anos, consequências do 11 de setembro ainda geram debate

Repro­dução: © REUTERS/Brad Rickerby/Direitos reser­va­dos

Uso da força nas relações internacionais ressurge após atentado


Pub­li­ca­do em 11/09/2021 — 07:32 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

Lá se vão 20 anos de um dos dias mais fotografa­dos, fil­ma­dos e comen­ta­dos da história da humanidade. Quan­do uma das duas tor­res do World Trade Cen­ter foi atingi­da por um avião com 92 pes­soas a bor­do, toda a impren­sa mundi­al inter­rompeu o que esta­va fazen­do e voltou suas atenções para Nova York. No horário de Brasília, adi­anta­do uma hora em relação ao epi­cen­tro dos acon­tec­i­men­tos, os reló­gios mar­cavam 9h46. Menos de 20 min­u­tos depois, a out­ra torre se tornou alvo de um segun­do avião, com 65 pas­sageiros a bor­do. 

Muitas pes­soas que nasce­r­am nas décadas de 1960, 1970 e 1980 ou mes­mo no iní­cio da déca­da de 1990 cos­tu­mam se lem­brar com exatidão do que estavam fazen­do naque­le 11 de setem­bro de 2001 quan­do tomaram con­hec­i­men­to do que se pas­sa­va. Em todo o mun­do, onde hou­vesse uma tele­visão lig­a­da, havia uma reunião de pes­soas intri­gadas com as cenas: cada uma das duas tor­res em chamas demor­aria cer­ca de uma hora para ir ao chão depois de atingi­da. Com a que­da dos edifí­cios, que fun­cionavam como um com­plexo com­er­cial, quase 3 mil pes­soas perder­am suas vidas. Uma nuvem de poeira se for­mou por quilômet­ros.

O aten­ta­do se tornou um dos maiores even­tos da história.

“Faço uma asso­ci­ação curiosa porque eu cresci escu­tan­do meus pais e meus avós falan­do onde estavam quan­do o homem pisou na Lua. E eu lem­bro exata­mente do 11 de setem­bro de 2001. Esta­va fazen­do está­gio em uma empre­sa, entrou na sala uma pes­soa falan­do que havia tido um aci­dente com um avião em Nova York. Ain­da não se tin­ha ideia de que era um ataque. Nós cor­re­mos para a tele­visão e vimos ao vivo o segun­do avião se chocan­do com o edifí­cio”, diz Jorge Las­mar, espe­cial­ista em relações inter­na­cionais e pro­fes­sor da Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca de Minas Gerais (PUC Minas).

Ao todo, qua­tro aviões com­er­ci­ais foram sequestra­dos por ter­ror­is­tas. Além dos dois dire­ciona­dos ao World Trade Cen­ter, um foi joga­do con­tra o Pen­tá­gono, sede do Depar­ta­men­to de Defe­sa dos Esta­dos Unidos local­iza­do na cap­i­tal Wash­ing­ton. O últi­mo acabou cain­do na zona rur­al de Shanksville, no esta­do da Pen­sil­vâ­nia. Espec­u­la-se que o alvo pode­ria ser o Capitólio, sede do Con­gres­so, ou a Casa Bran­ca, residên­cia ofi­cial do pres­i­dente do país.

Os des­do­bra­men­tos são bas­tante con­heci­dos: a Al Qae­da assum­iu a auto­ria do aten­ta­do e, no mês seguinte, os Esta­dos Unidos invadi­ram o Afe­gan­istão, onde a orga­ni­za­ção ter­ror­ista estaria abri­ga­da. O país era coman­da­do na época pelo Tal­ibã, um grupo fun­da­men­tal­ista que apli­ca sua inter­pre­tação da Sharia, a lei islâmi­ca. Após duas décadas, o gov­er­no norte-amer­i­cano decid­iu encer­rar a ocu­pação e, no mês pas­sa­do, o Tal­ibã reto­mou o con­t­role do Afe­gan­istão, quan­do as tropas dos Esta­dos Unidos estavam orga­ni­zan­do sua reti­ra­da. O então pres­i­dente afegão Ashraf Ghani, eleito em 2014 e reeleito em 2019, não ofer­e­ceu resistên­cia ao Tal­ibã e fugiu do país.

Ape­sar da cronolo­gia dos acon­tec­i­men­tos ser de domínio públi­co, muitos aspec­tos ain­da são debati­dos por espe­cial­is­tas. São questões que vão além da super­fi­cial­i­dade dos fatos e envolvem os seus efeitos.

“Não há dúvi­da de que o mun­do que a gente vive hoje foi con­se­quên­cia do que acon­te­ceu”, afir­ma Jorge Las­mar.

“No final da déca­da de 1990, cam­in­há­va­mos para a con­sol­i­dação de uma atmos­fera mais lib­er­al no sen­ti­do cap­i­tal­ista, com os Esta­dos abrindo suas fron­teiras e seus mer­ca­dos e com relações mais pací­fi­cas entre os país­es. De repente, isso mudou. Começou a haver con­tes­tações à visão amer­i­cana, sobre­tu­do pela Rús­sia e pela Chi­na. As fron­teiras ficaram mais fechadas. A questão do uso da força voltou a ser um com­po­nente nas relações inter­na­cionais. E tive­mos um avanço do ter­ror­is­mo. Mes­mo com a redução dos ataques e das mortes nos últi­mos anos, os números hoje ain­da são muito mais altos do que eram antes de 2001”, com­ple­ta.

Ele pon­dera, no entan­to, que o mun­do não deve ser anal­isa­do somente pela óti­ca de um even­to. “Mui­ta coisa acon­te­ceu de lá pra cá. Há efeitos, mas esta­mos hoje numa situ­ação mais com­plexa e del­i­ca­da”, avalia.

Políticas de segurança

Repro­dução: Pedestres reagem ao colap­so do World Trade Cen­ter, em 11 de setem­bro de 2001. — STR New//Direitos reser­va­dos

Como des­do­bra­men­to do aten­ta­do, uma série de leis aprovadas em torno da palavra de ordem “guer­ra ao ter­ror” reduz­iu a liber­dade e a pri­vaci­dade de cidadãos nos Esta­dos Unidos, espe­cial­mente de estrangeiros. A Europa tam­bém seguiu essa tendên­cia. Foram definidos, em todo o mun­do, novos mecan­is­mos e pro­to­co­los de con­t­role nos aero­por­tos: revista mais min­u­ciosa das baga­gens, uso de detec­tor de met­al, restrição a líqui­dos na mala de mão. A tec­nolo­gia foi apri­mora­da para apro­fun­dar o mon­i­tora­men­to, com scan­ners cor­po­rais, detec­tores de explo­sivos e out­ros equipa­men­tos.

“Assim como o final da Guer­ra Fria inau­gurou uma nova era nas relações inter­na­cionais, o aten­ta­do de 11 de setem­bro tam­bém sim­boli­zou uma rup­tura na for­ma como se anal­isa­va a segu­rança inter­na­cional. A ideia de inimi­go transna­cional, dester­ri­to­ri­al­iza­do e que pode causar um caos e muitas mortes sem ter o domínio de armas béli­cas sofisti­cadas trouxe novos parâmet­ros para o plane­ja­men­to de segu­rança dos Esta­dos, reforçan­do a importân­cia da coop­er­ação inter­na­cional”, obser­va a cien­tista políti­ca Ari­ane Roder, pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segun­do Thi­a­go Rodrigues, pesquisador em relações inter­na­cionais e pro­fes­sor da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF), o desen­volvi­men­to da tec­nolo­gia de segu­rança colo­ca­do em mar­cha após o 11 de setem­bro ger­ou e con­tin­ua geran­do mecan­is­mos de con­t­role das pop­u­lações, como a bio­me­tria e os vari­a­dos dis­pos­i­tivos para mon­i­tora­men­to do espaço urbano.

“Quem começou a via­jar nos últi­mos 20 anos, prin­ci­pal­mente as pes­soas mais jovens, não sabe como era antes. Hoje temos diver­sas camadas de con­t­role, que vão des­de a emis­são de vis­tos até as revis­tas rig­orosas nos aero­por­tos. Mas com exceção dos gru­pos cap­tura­dos na iminên­cia de um aten­ta­do, não dá pra saber exata­mente quan­tos ataques foram inibidos por essas medi­das de segu­rança. Então os efeitos real­mente men­su­ráveis não são os efeitos sobre os ter­ror­is­tas, mas sobre nós. Mes­mo que o ter­ror­is­mo sumisse hoje, essas tec­nolo­gias cri­adas em nome do com­bate ao ter­ror­is­mo não seri­am aban­don­adas”, avalia.

Jorge Las­mar con­sid­era que o ter­ror­is­mo exige que o mun­do se man­ten­ha vig­i­lante. “A gente con­tin­ua ten­do aten­ta­dos e algu­mas dessas regras con­seguem impedir novos ataques.”

No entan­to, ele tam­bém vê efeitos colat­erais que decor­rem desse ambi­ente de con­t­role, como a con­strução de muros entre os país­es. “As fron­teiras do mun­do estão mais fechadas. Temos mais fron­teiras físi­cas entre os Esta­dos do que tín­hamos depois da Segun­da Guer­ra Mundi­al. Há a questão dos refu­gia­dos e as difi­cul­dades para o recon­hec­i­men­to de asi­lo. A exigên­cia de vis­tos diante do fluxo de pes­soas.”

Em meio a toda essa vigília das pop­u­lações, os pesquisadores veem um for­t­alec­i­men­to dos estereóti­pos con­tra imi­grantes prove­nientes de país­es con­sid­er­a­dos uma ameaça aos val­ores oci­den­tais, como a democ­ra­cia e a liber­dade indi­vid­ual.

“Isso tem ger­a­do um out­ro tipo de extrem­is­mo, que tem moti­vação étni­ca. Está lig­a­do aos movi­men­tos de suprema­cia bran­ca, que se ali­men­tam dessa retóri­ca estereoti­pa­da con­tra as pes­soas do Ori­ente Médio. É algo que cresceu muito nos últi­mos anos no mun­do oci­den­tal. E ain­da se fala pouco dis­so. Ain­da há um pudor em recon­hecer ess­es gru­pos como gru­pos. Mas fechar os olhos para essa questão é um prob­le­ma, porque esse movi­men­tos vão gan­han­do força”, obser­va Las­mar.

Impactos militares

Repro­dução:  Vista aérea do que restou do World Trade Cen­ter em Nova York em 26 de setem­bro de 2001. — REUTERS/U.S. Customs/Direitos reser­va­dos

O aten­ta­do tam­bém rev­el­ou sofisti­cações nos mod­os de oper­ar de gru­pos ter­ror­is­tas. Um aspec­to que chama a atenção foi a difi­cul­dade encon­tra­da para localizar Osama bin Laden, líder da Al Qae­da e apon­ta­do como o ide­al­izador dos ataques. Mes­mo empre­gan­do a mais avança­da tec­nolo­gia, foram necessários quase dez anos para que as forças norte-amer­i­canas o local­izassem. Sua morte foi anun­ci­a­da em maio de 2011.

A guer­ra ao ter­ror se des­do­brou em out­ras ações mil­itares como a ocu­pação do Iraque em 2003, país que era coman­da­do por Sad­dam Hus­sein des­de o final da déca­da de 1970. Na época, Esta­dos Unidos e Inglater­ra diziam deter provas de que o país guar­da­va um grande arse­nal de armas de destru­ição em mas­sa que rep­re­sen­ta­va um peri­go à pop­u­lação mundi­al. Sad­dam foi enfor­ca­do em 2006, mas as armas nun­ca foram encon­tradas. Os dois gov­er­nos que lid­er­aram a ocu­pação afir­maram, pos­te­ri­or­mente, que con­fi­aram em infor­mações que se mostraram fal­sas.

As incursões mil­itares no Ori­ente Médio não elim­i­naram os gru­pos ter­ror­is­tas. Nos últi­mos anos, o Esta­do Islâmi­co tem se tor­nan­do uma peça-chave nos con­fli­tos que se des­do­bram na região, sobre­tu­do na Síria, no Iraque e no Afe­gan­istão.

A retoma­da do poder do Tal­ibã no Afe­gan­istão, na visão de Ari­ane Roder, retra­ta a ineficá­cia do uso de instru­men­tos clás­si­cos de guer­ra para lidar com a situ­ação. Segun­do ela, as soluções requerem muito mais do que o uso da força.

Ela tam­bém obser­va que há uma dimen­são de resistên­cia cul­tur­al que ali­men­ta os gru­pos ter­ror­is­tas. “A uti­liza­ção real­iza­da por alguns gru­pos ter­ror­is­tas da religião extrem­ista como instru­men­to de ali­ci­a­men­to e con­strução do poder cau­sou um dis­tan­ci­a­men­to ain­da maior entre cul­turas do Oci­dente e Ori­ente, com descon­fi­anças, pre­con­ceitos e desre­speitos”, acres­cen­ta.

Para Jorge Las­mar, os Esta­dos Unidos apos­taram equiv­o­cada­mente em um inves­ti­men­to maciço de pro­pa­gan­da sobre sua própria sociedade.

“Bus­caram dis­sem­i­nar os val­ores amer­i­canos. Mostraram como a democ­ra­cia oci­den­tal é legal, como a vida no país é legal, como a liber­dade não com­por­ta o ter­ror­is­mo. Mas muito dis­so não foi bem rece­bido não só no mun­do muçul­mano, mas em todo o mun­do ori­en­tal. Era uma cul­tura exó­ge­na. E há out­ros cam­in­hos. Diver­sos líderes muçul­manos são capazes de mostrar que não há nada na religião islâmi­ca que legit­ime o ter­ror­is­mo.”

Lei nacional

No Brasil, na véspera dos Jogos Olímpi­cos sedi­a­dos pelo Rio de Janeiro em 2016, foi aprova­da uma Lei Antiter­ror­is­mo (Lei 13.260/2016). Havia um temor de que se repetis­sem cenas ocor­ri­das dois anos antes, na Copa das Con­fed­er­ações de 2014, quan­do uma forte onda de man­i­fes­tações resul­tou em cenas de vio­lên­cia e assus­tou tur­is­tas. Foi defini­da como ter­ror­is­mo qual­quer ação moti­va­da por razões de xeno­fo­bia, racis­mo, etnia e religião, que ten­ha por obje­ti­vo causar ter­ror social a par­tir do uso, trans­porte ou armazena­men­to de explo­sivos; gas­es tóx­i­cos; con­teú­dos quími­cos, biológi­cos e nuclear­es; ou out­ros meios que pos­sam pro­mover a destru­ição em mas­sa.

Essas ações podem envolver sab­o­tagem ou ameaça em meios de trans­porte, por­tos, aero­por­tos, estações fer­roviárias ou rodoviárias, hos­pi­tais, casas de saúde, esco­las, está­dios esportivos, insta­lações públi­cas ou locais onde fun­cionem serviços públi­cos essen­ci­ais, insta­lações de ger­ação ou trans­mis­são de ener­gia, insta­lações mil­itares e insta­lações de explo­ração, refi­no e proces­sa­men­to de petróleo e gás e insti­tu­ições bancárias.

Segun­do Thi­a­go Rodrigues, a lei incor­po­ra uma per­spec­ti­va de ter­ror­is­mo dis­sem­i­na­da de for­ma glob­al. “Em parte, é resul­ta­do de uma pressão que tem a ver com o 11 de setem­bro. É uma pressão que vem do Comitê Olímpi­co Inter­na­cional, de alguns país­es especí­fi­cos como os Esta­dos Unidos e tam­bém do cap­i­tal pri­va­do que investe e patroci­na os even­tos esportivos. Hou­ve uma cobrança por medi­das afi­nadas com as expec­ta­ti­vas de país­es mais envolvi­dos na guer­ra con­tra o ter­ror­is­mo”.

Ao mes­mo tem­po, ele obser­va a pre­sença de out­ros com­po­nentes que não têm relação com o 11 de setem­bro. “Há out­ra parte que tem mais a ver com o nos­so ambi­ente políti­co. Há muitos anos de pressão de seg­men­tos da sociedade e de uma ala do Con­gres­so para se ter um maior con­t­role de movi­men­tos soci­ais con­sol­i­da­dos no país. E a lei é ambígua o sufi­ciente para deixar bre­chas. Depen­den­do da inter­pre­tação, pode ser usa­da para ten­tar crim­i­nalizar movi­men­tos soci­ais.”

Jorge Las­mar vê pon­tos pos­i­tivos e lacu­nas no tex­to da Lei Antiter­ror­ista. “Cam­in­hou numa direção cer­ta de não de des­ig­nar ter­ror­is­tas e, sim, atos ter­ror­is­tas. Há um exclu­dente explíc­i­to dizen­do que movi­men­tos soci­ais não podem ser car­ac­ter­i­za­dos com gru­pos ter­ror­is­tas. Pode-se até dis­cu­tir se isso seria redun­dante, mas as leg­is­lações antiter­ror­is­tas pos­suem um alto cus­to social, que pode ense­jar maior mil­i­ta­riza­ção da polí­cia e aumen­to de força do Poder Exec­u­ti­vo, o que faz com que esse tipo de res­guar­do seja pos­i­ti­vo. Mal não faz. Movi­men­to social não tem nada a ver com ter­ror­is­mo”, expli­ca.

“Mas o con­ceito de ato ter­ror­ista no Arti­go 2º o vin­cu­la a uma moti­vação de dis­crim­i­nação racial, étni­ca, reli­giosa. Isso pode ser prob­lemáti­co porque existe um ter­ror­is­mo políti­co onde não há essa instân­cia de dis­crim­i­nação”, com­ple­ta o espe­cial­ista.

Edição: Lílian Beral­do

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