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Patrimônio Mundial, Cidade de Goiás evoca poesia de Cora Coralina

Repro­dução: © José Cruz/Agência Brasil

Município histórico celebra 20 anos do título


Pub­li­ca­do em 18/12/2021 — 07:33 Por Luiz Clau­dio Fer­reira — Envi­a­do espe­cial — Cidade de Goiás (GO)

“Goiás, min­ha cidade… 

Eu sou aque­la amorosa 

de tuas ruas estre­itas, 

cur­tas, 

inde­cisas, 

entran­do, 

sain­do 

uma das out­ras”.

Os ver­sos da poe­sia Min­ha Cidade, da escrito­ra Cora Corali­na (1889 ‑1985), abri­ram, há 20 anos, o dos­siê de can­di­datu­ra do municí­pio históri­co ao títu­lo de Patrimônio Cul­tur­al Mundi­al da Humanidade, por parte da Unesco, em Helsinque (Fin­lân­dia). A evo­cação da vida e obra da fil­ha mais famosa da cidade foi estraté­gia no doc­u­men­to, mas a pop­u­lação local sabe bem que o lega­do dela não ficou ape­nas no pas­sa­do.. É práti­ca real no pre­sente. Duas décadas depois, a casa dela, que se trans­for­mou em museu, é o lugar mais vis­i­ta­do da cidade. Ver­sos dela e de out­ros escritores ilu­mi­nam toda a Rua Dom Cân­di­do, onde resolveu viv­er, vender doces e entre­gar poe­sias a quem pas­sa­va.

Leia mais sobre a can­di­datu­ra e recon­hec­i­men­to inter­na­cional da Cidade de Goiás (no site do Iphan)

Leia na Agên­cia Brasil: Cidade de Goiás cel­e­bra 20 anos do títu­lo de Patrimônio Mundi­al

Repro­dução: Memória de Cora Corali­na é enal­te­ci­da na entra­da do museu — Foto: José Cruz/Agência Brasil

“Recria tua vida, sem­pre, sem­pre.

Remove pedras e plan­ta roseiras e faz doces.

Recomeça” (do livro Vin­tém de Cobre)

“Des­de 1956, com ela viva, a casa era aber­ta para rece­ber as pes­soas. Eu con­sidero que ela foi a pre­cur­so­ra do tur­is­mo no local”, expli­ca a pro­fes­so­ra Mar­lene Velas­co, dire­to­ra do museu Cora Corali­na, que fun­ciona na casa em que a escrito­ra mora­va. Aliás, tudo ficou no lugar orig­i­nal. A cama, as roupas no cabide, a máquina de cos­tu­ra, os cader­nos e escritos, e a máquina de escr­ev­er. Quem datilo­grafa­va as poe­sias era Mar­lene, que se aprox­i­mou da escrito­ra aos sete anos de idade, encan­ta­da pelos doces e ver­sos fab­ri­ca­dos ali. Mar­lene Velas­co expli­ca que Cora Corali­na ven­dia doces para sobre­viv­er, e escrevia por amor. “As pes­soas vin­ham com­prar os doces e ela ofer­e­cia os livros”.

Repro­dução: A máquina de escr­ev­er é uma mar­ca no Museu Casa de Cora Corali­na — Foto: José Cruz/Agência Brasil

“Eu sou estas casas

encostadas

cochichan­do umas com as out­ras”.

(da poe­sia Min­ha Cidade)

“Eu fre­quen­to essa casa des­de a min­ha infân­cia. Eu vin­ha pra cá e brin­ca­va no quin­tal e gan­ha­va docin­ho. Ela sem­pre deu mui­ta atenção às cri­anças e aos jovens. Ela dizia que o jovem pas­sa­va ener­gia pos­i­ti­va para ela. Depois, entre 1979 e 1980, eu pas­sei a datilo­gra­far os orig­i­nais”, lem­bra a dire­to­ra. Mar­lene Velas­co tornou-se pesquisado­ra priv­i­le­gia­da da obra da escrito­ra, mar­ca­da por tratar dos mais pobres e explo­rados. Entre os tra­bal­hos em que ela par­ticipou, estão Meu livro de cordelEstórias da Casa Vel­ha da Ponte Vin­tém de Cobre. Cora fica­va ao lado da jovem para decifrar as letras difí­ceis traçadas com a ligeireza do pen­sa­men­to.

Repro­dução: Todas as obras de Cora Corali­na, além de inscritos e tra­bal­hos que a inspi­raram estão no museu — Foto: José Cruz/Agência Brasil

A escrito­ra, aliás, tin­ha car­in­ho espe­cial pelos moradores próx­i­mos: tan­to que criou o Dia do Viz­in­ho, con­frat­er­niza­ção que ocorre no sítio históri­co des­de 1980.  “Cora não pre­cisa­va, mas resolveu voltar para as raízes dela aqui na cidade em 1956. Havia saí­do em 1911. Deixou fil­hos e netos e voltou soz­in­ha para a cidade dela. Foi um retorno tri­un­fal. Se nós não tivésse­mos Cora Corali­na, hoje a cidade não teria o públi­co, o tur­is­mo e o recon­hec­i­men­to inter­na­cional”, afir­ma.

Repro­dução: Chine­los, máquina de cos­tu­ra, roupas… o quar­to da escrito­ra preser­va­do no museu — Foto: José Cruz/Agência Brasil

Porto seguro

A casa é con­sid­er­a­da o por­to seguro da cidade, além de preser­var e divul­gar a obra e a memória da poet­i­sa, des­de 1989. O local abri­ga todo o acer­vo doc­u­men­tal e da pro­dução literária dela. “Sou vol­un­tária da casa. É um museu que sobre­vive ape­nas dos ingres­sos (R$ 10)”. Antes da pan­demia, o museu rece­bia uma média de 1,5 mil pes­soas por mês e pas­sou seis meses fecha­do por causa das medi­das de restrição de cir­cu­lação de pes­soas. Out­ro baque acon­te­ceu há quase 20 anos: “No dia 31 de dezem­bro de 2001, nós tive­mos a grande enchente. Está­va­mos em comem­o­ração ain­da do títu­lo. Entrou água com mais de um metro, mas nada se perdeu den­tro dessa casa. A casa de Cora Corali­na foi o lugar que rece­beu recur­sos para dis­tribuir para recon­strução de toda a cidade”.

Cora Corali­na pas­sou a ser con­heci­da para o Brasil e para o mun­do só aos 90 anos de idade, graças a um tex­to pub­li­ca­do no Jor­nal do Brasil pelo con­sagra­do escritor Car­los Drum­mond de Andrade. O poeta defendia que o livro de Cora, Vin­tém de cobre, era, na ver­dade, “moe­da de ouro”.  Cora havia  pub­li­ca­do o primeiro livro, Poe­mas dos becos de Goiás e estórias mais, 15 anos antes. “Todo mun­do que­ria saber quem era aque­la Cora Corali­na que Drum­mond fala­va tão bem”, con­ta Mar­lene Velas­co.

Uma rua em versos

Repro­dução: Tre­cho está na por­ta da casa de Cora Corali­na. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Cora mor­reu cin­co anos depois de ficar famosa. Mas a cidade ain­da res­pi­ra seus ver­sos. Neste ano, por exem­p­lo, todas as casas na rua da escrito­ra tem tre­chos de poe­sia nas fachadas das casas. “A ini­cia­ti­va foi bati­za­da de Pas­so Poéti­co. É uma for­ma de hom­e­nagear Cora, out­ros escritores da cidade e influ­en­ciar para as letras”, diz o coor­de­nador do Insti­tu­to Biapó, o pro­du­tor cul­tur­al PX Sil­veira. Ao todo, são 16 excer­tos de obras literárias.

Repro­dução: Pas­so poéti­co cel­e­bra 20 anos do títu­lo de patrimônio mundi­al — Foto: José Cruz/Agência Brasil

A artesã Elza de Paula, de 64 anos, sor­ri ao decla­mar os ver­sos que estão em sua parede. “Pode viv­er sat­is­feito um coração sem amor?”, de Tereza Godoy (1875–1958). “Claro que não. Acho lin­do isso. Ten­ho certeza de que não é pos­sív­el. Na min­ha casa e na cidade inteira”. A  com­er­ciante Joana Lago, do out­ro lado da rua, teste­munha que a maior parte das pes­soas que ela con­hece na cidade gos­ta de poe­sia. “Eu con­heci a Cora viva. Ela era uma aula para todas nós. Sem­pre leio o que está escrito e pen­so em saudades. Na parede dela, os ver­sos “quan­do o pau d´arco flo­resce, fazen­do som­bra no chão, meu coração entris­tece. Saudades lá do sertão” (da Canção do Aragua­ia, de Fran­cis­ca Mas­caren­has e Joaquim Camar­go).

Repro­dução: Rua que traz ver­sos de poe­sia tam­bém está ilu­mi­na­da às noites — Foto: José Cruz/Agência Brasil

Out­ra viz­in­ha, a pro­fes­so­ra aposen­ta­da e coz­in­heira Madale­na Brito, de 58 anos, apre­cia faz­er o famoso empadão goiano — mas o que ela gos­ta mes­mo é de preparar poe­sias e con­tos. Os ver­sos e prosas têm inspi­ração na viz­in­ha famosa. “Eu con­heci a Cora Corali­na quan­do eu era cri­ança e ela já idosa. Ten­ho um poe­ma chama­do Car­ta à Cora Corali­na. Antes, eu não sabia que ela era escrito­ra. Eu a con­hecia como Cora, a doceira. Ela tem uma influên­cia muito grande na min­ha vida”. Madale­na não con­seguiu imprim­ir, mas já escreveu dois livros e há uma série de tex­tos soltos pron­tos para sair das gave­tas.

A influên­cia da rua impacta quem mora na cidade, mas tam­bém quem vem de fora. Nes­ta sem­ana, esco­las de cidades goianas aproveitaram as fes­tas que ocor­rem no municí­pio históri­co para vis­i­tar a cidade em ver­sos. A pro­fes­so­ra San­dra Batista, de 48 anos, de um colé­gio de Apare­ci­da de Goiâ­nia, esta­va orgul­hosa da tur­ma, que fazia fila para con­hecer quem foi aque­la Cora Corali­na. “Faze­mos roda de leitu­ra e é muito impor­tante con­ver­sar, por exem­p­lo, sobre o empodera­men­to fem­i­ni­no, sobre liber­dade, sobre paz e esper­ança. Cora tem tudo a ver com isso”, entende. Entre as cri­anças daque­la tur­ma, aos 12 anos de idade, meni­nas e meni­nos con­cor­dam com a cabeça que é pre­ciso con­hecer de per­to. Sor­riem ao olhar para as pare­des, para o casario e quan­do leem as palavras pin­tadas nos azule­jos e, ago­ra, tam­bém na memória de quem pas­sa por esse lugar.

Edição: Nathália Mendes

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