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Pelas ondas do rádio, repórter ajuda Bombeiros em resgate no Joelma

Repro­dução: © Bombeiro Mato Grosso do Sul/Divulgação

Incêndio no centro de São Paulo completa hoje 50 anos


Pub­li­ca­do em 01/02/2024 — 07:15 Por Elaine Patri­cia Cruz e Thi­a­go Padovan – Repórteres da Agên­cia Brasil e da TV Brasil — São Paulo

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“Solici­ta­mos ao povo que se retire desse local porque estão cor­ren­do um grande risco de ser atingi­do pelos escom­bros que se despren­dem do pré­dio. Os bombeiros nesse momen­to estão ati­ran­do grandes jatos d´água através da esca­da magirus para res­fri­ar o local onde as pes­soas estão ilhadas. Aos poucos, essas pes­soas estão sendo sal­vas pelos sol­da­dos do Cor­po de Bombeiros, que estão colo­can­do em risco suas próprias vidas”.

Foi assim que, na man­hã do dia 1º de fevereiro de 1974, há exatos 50 anos, o então repórter Mil­ton Par­ron nar­rou aos ouvintes da Jovem Pan o que esta­va viven­cian­do na frente do Edifí­cio Joel­ma, insta­l­a­do ao lado do atu­al Ter­mi­nal Ban­deira e da Câmara dos Vereadores, no cen­tro da cap­i­tal paulista. Numa época em que o rádio era uma das prin­ci­pais fontes de infor­mação para a pop­u­lação brasileira e o mais rápi­do a dar a notí­cia, Par­ron foi um dos primeiros jor­nal­is­tas a chegar ao local.

“Esta­mos fazen­do um ape­lo em nome do Cor­po de Bombeiros para que fir­mas par­tic­u­lares, que ten­ham cam­in­hões-pipa, ven­ham a este local aux­il­iar no com­bate às chamas. Den­tro de instantes nós voltare­mos a man­ter con­ta­to com os sen­hores, rela­tan­do sobre o incên­dio que está toman­do com­ple­ta­mente con­ta do edifí­cio da Rua San­to Antônio, 212. No momen­to em que out­ra pes­soa, lamen­tavel­mente, ati­ra-se do alto do edifí­cio, estate­lando-se em ple­na Rua San­to Antônio. E no momen­to em que uma jovem está sendo sal­va”.

CAMINHOS DA REPORTAGEM: Cinzas de fevereiro: 50 anos do incêndio do Edifício Joelma. Foto: TV Brasil
Repro­dução: Repórter Mil­ton Par­ron nar­rou, ao vivo, o dra­ma das víti­mas e o tra­bal­ho dos bombeiros — Divulgação/TV Brasil

Aos fun­dos dessa nar­ração é pos­sív­el ouvir as pal­mas da pop­u­lação, cel­e­bran­do mais um sal­va­men­to feito pelos bombeiros naque­le que foi con­sid­er­a­do um dos maiores e mais graves incên­dios urbanos do mun­do, com 181 mortes e mais de 300 feri­dos.

O Edifí­cio Joel­ma, atual­mente chama­do de Edifí­cio Praça da Ban­deira, é um pré­dio com­er­cial de 25 andares, sendo que os dez primeiros são garagem. O incên­dio teve iní­cio em um ar-condi­ciona­do do 12º andar, em uma das salas que era ocu­pa­da pelo Ban­co Cre­fisul. Isso acon­te­ceu por vol­ta das 8h40 de uma sex­ta-feira chu­vosa e de muitos ven­tos em São Paulo. Com salas de escritórios acar­petadas, corti­nas, madeira, hidrantes sem água e muito ven­to, as chamas se alas­traram rap­i­da­mente por todo o pré­dio, que não tin­ha saí­da de emergên­cia e sequer por­tas cor­ta-fogo. Par­ron chegou ao local por vol­ta das 8h55.

“Nesse dia, no horário do iní­cio do incên­dio do Joel­ma, eu esta­va cobrindo trân­si­to. Eu já esta­va na rua. Eu esta­va cobrindo o trân­si­to na Aveni­da 23 de Maio, na altura da Aveni­da Paulista, quan­do a redação me chamou: ‘Corre para a Praça da Ban­deira que está ocor­ren­do um incên­dio grande. Está­va­mos eu, o motorista e o oper­ador”, relem­bra.

“De longe já deu para avis­tar a fumaça”.

“Con­seguimos chegar bem na frente da entra­da prin­ci­pal do Edifí­cio Joel­ma, que era a entra­da dos car­ros. Esta­cionamos na ilha cen­tral e con­seguimos colo­car nos­sa viatu­ra [o car­ro da Jovem Pan] ali. O incên­dio esta­va acon­te­cen­do na altura do 12º andar, lá no alto. Naque­le momen­to, só tin­ha uma viatu­ra dos Bombeiros. Logo depois começou a chegar tudo o que você pode imag­i­nar do Cor­po de Bombeiros. E ficamos ilha­dos ali. Não pudemos mais sair dali. O calor era infer­nal porque está­va­mos sep­a­ra­dos uns 20 ou 30 met­ros do pré­dio em chamas, não mais do que isso. E dali fomos sub­meti­dos a uma pro­va da qual só tin­ha lido a respeito em uma obra de Dante [do escritor Dante Alighieri, de A Div­ina Comé­dia]. Era a antecâ­mara do infer­no”, con­tou Par­ron. “Ficamos em um lugar priv­i­le­gia­do, mas que cobrou muito alto de cada um de nós do pon­to de vista psi­cológi­co”, acres­cen­tou.

O incên­dio teve iní­cio antes das 9h e, por vol­ta das 14h, já não exis­tia mais. “Por vol­ta do meio-dia boa parte havia sido extin­ta”, con­ta Par­ron.

Ajuda aos Bombeiros

No dia 1º de janeiro, o rádio não foi ape­nas um veícu­lo de infor­mação para a pop­u­lação sobre um dos maiores incên­dios ocor­ri­dos no Brasil. Ele tam­bém aux­il­iou os Bombeiros no tra­bal­ho de res­gate das víti­mas.

Como as chamas eram muito fortes e altas, os bombeiros não con­seguiam ter toda a visão sobre o pré­dio, que tem duas tor­res, com salas viradas tan­to para a Rua San­to Antônio quan­to para a Aveni­da 9 de Jul­ho. Mas ouvintes da Rádio Jovem Pan — e que vivi­am na região — con­seguiam avis­tar, do alto dos pré­dios onde vivi­am, as víti­mas da tragé­dia no Joel­ma. E acabavam lig­an­do na rádio para infor­mar sobre a local­iza­ção delas ou de novos focos do incên­dio.

“Um ouvinte da emis­so­ra esta­va em um pré­dio, lá para o lado da Praça Ramos, por ali. Ele ligou para a emis­so­ra e disse que esta­va de binócu­lo acom­pan­han­do [o incên­dio]: ‘Olha, os bombeiros não estão ten­do essa imagem. Para o lado da 9 de Jul­ho, que é o fun­do do pré­dio, na altura do oita­vo andar, tem chamas apare­cen­do ali’. Aí eu infor­ma­va o coro­nel Cal­das [Hélio Bar­bosa Cal­das, do Cor­po de Bombeiros]. E colo­camos no ar esse ouvinte com ele [coro­nel Caldas]”,contou.

“Tam­bém teve lig­ação de out­ro ouvinte, que esta­va ali em um pré­dio pelo Anhangabaú. E ele visu­al­i­zou uma pes­soa, uma mul­her, que esta­va na janela, na lat­er­al do pré­dio. Colo­camos o Cal­das de novo no ar. Os bombeiros colo­caram a esca­da magirus e essa esca­da foi, foi, foi até onde esse cama­ra­da [ouvinte] foi ori­en­tan­do. Tin­ha mui­ta fumaça. Debaixo você não via nada. Quem esta­va em um plano mais ele­va­do con­seguia ver [mel­hor]. Um sar­gen­to subiu [na esca­da magirus] e foi lá no alto. O pré­dio ain­da esta­va em chamas. A dis­tân­cia do topo dessa esca­da para onde esta­va essa mul­her era de cer­ca de um andar. E vimos o deses­pero dele em alcançar essa mul­her. Ela despen­cou, caiu em cima dele. Eles rolaram pela esca­da, mas ele não a soltou. Eles se machu­caram bas­tante”.

Além dis­so, a emis­so­ra tam­bém se tornou uma presta­do­ra de serviços essen­cial para as famílias das víti­mas. Era ela quem ia aos hos­pi­tais para cole­tar os nomes das víti­mas do incên­dio e infor­mar os ouvintes sobre quem elas eram. “A emis­so­ra pas­sou a ser refer­ên­cia para as famílias das víti­mas. Elas não lig­avam para o hos­pi­tal. Lig­avam para lá, para a emis­so­ra [para saber os nomes das víti­mas]”.

No dia do incên­dio, a Jovem Pan der­rubou toda a sua pro­gra­mação para trans­mi­tir, ao vivo, dire­ta­mente do local do incên­dio. A rádio não inter­rompeu a cober­tu­ra da tragé­dia nem mes­mo para exibir A Voz do Brasil. “Veio um telegra­ma da Presidên­cia da Repúbli­ca infor­man­do que a emis­so­ra esta­va lib­er­a­da de for­mar cadeia para a trans­mis­são da Voz do Brasil”, con­tou o jor­nal­ista.

Trabalho árduo

Naque­le dia, Par­ron per­maneceu na frente do pré­dio con­sum­i­do pelas chamas até às 23h, tra­bal­han­do inin­ter­rup­ta­mente. Da redação, ele rece­bia men­sagens pelo fone de ouvi­do para que tivesse cal­ma e man­tivesse a sobriedade.

“Não é fácil descr­ev­er [aqui­lo]. De vez em quan­do batia umas lufadas de ven­to e aque­la fumaça pre­ta se descorti­na­va e deix­a­va a gente enx­er­gar a sil­hue­ta do pré­dio que já não tin­ha mais vidros, todos eles havi­am explo­di­do. E as pes­soas nas janelas. É um pouco de exagero, mas você quase chega­va a ver os olhos de deses­pero e os gri­tos de: ‘me sal­va, pelo amor de Deus’. E de vez em quan­do, um deles salta­va, não resis­tia. Entre o fogo atrás e o pre­cipí­cio na frente, e aque­le calor infer­nal, de vez em quan­do um despen­ca­va. Vin­ha para a morte silen­ciosa­mente. As pes­soas se estatelavam na sua frente. Era um baque o barul­ho de um cor­po cain­do no asfal­to de 20 andares. Você não esquece isso. Descr­ev­er aqui­lo tudo sem sucumbir à emoção, sem se deses­per­ar, não é uma tare­fa muito fácil. Não é para amadores. Tive a sorte de ter meus com­pan­heiros me acal­man­do”, con­tou ele, emo­ciona­do.

O tra­bal­ho dele, no entan­to, não ter­mi­nou ali. Por vol­ta da 1h da man­hã, o coro­nel Hélio Cal­das o con­vi­dou a entrar no edifí­cio, que havia sido con­sum­i­do pelas chamas. “Eu entrei lá com ele, na parte que era do esta­ciona­men­to. Havia mui­ta fuligem. E ali acabei desa­ban­do, choran­do, enver­gonhado. E ele me disse: ‘não ten­ha ver­gonha não. Nós tam­bém choramos. A lágri­ma foi a for­ma de pedir perdão para ess­es que não con­seguimos sal­var’”.

Jor­nal­is­tas que já cobri­ram tragé­dias sabem que esse é um tra­bal­ho extrema­mente exaus­ti­vo e que exige muito do profis­sion­al. “[Quan­do cheguei em casa] não con­seguia dormir. Não con­seguia almoçar nem jan­tar. Foi algo que me mar­cou de tal maneira que deter­mi­na­dos ruí­dos me lem­bravam a que­da de um cor­po. Uma coisa assom­brosa”.

Pas­sa­dos 50 anos, Mil­ton Par­ron ain­da se lem­bra de muitos detal­h­es daque­le episó­dio, emb­o­ra queira esquecê-los. “Procuro esque­cer este fato porque me mal­tra­ta muito ain­da aqui­lo que vive­mos”, disse, voltan­do a se emo­cionar.

“Pode pare­cer dem­a­gogia, mas ficou a tris­teza de alguém que foi mero espec­ta­dor e que não pôde faz­er nada para, pelo menos, aju­dar a sal­var aque­las pes­soas e para aten­uar aque­les momen­tos de ter­ror que viver­am os que se sal­varam e os que mor­reram. Me restou esse incon­formis­mo. O que fiz foi cumprir uma mis­são e um tra­bal­ho ao qual me dediquei a vida inteira, e para o qual era e sou pago. Mas se eu pudesse dar o micro­fone e sair cor­ren­do para segu­rar aque­las pes­soas nos braços, eu teria feito isso”.

TV Brasil preparou um espe­cial sobre os 50 anos do incên­dio do Joel­ma, que vai ao ar no Cam­in­hos da Reportagem, no dia 4 de fevereiro, às 22h

Edição: Aline Leal

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