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Pesquisa estuda adoecimento de mães de vítimas da violência do Estado

Repro­dução: © Arqui­vo Pessoal/Divulgaçāo

Estudo pode levar à construção de políticas públicas de apoio integral


Pub­li­ca­do em 12/08/2023 — 07:50 Por Sab­ri­na Craide — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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A negação ao aces­so à justiça, a impunidade, a incerteza e a crim­i­nal­iza­ção das víti­mas são as maiores causas do adoec­i­men­to de mães que tiver­am fil­hos assas­si­na­dos ou desa­pare­ci­dos por ação do Esta­do. As con­se­quên­cias na saúde físi­ca e men­tal dessas mul­heres são o obje­to da pesquisa Vozes da dor, da luta e da resistên­cia das mulheres/mães de víti­mas da vio­lên­cia de Esta­do no Brasil, que está sendo real­iza­da pelo Cen­tro de Antropolo­gia e Arque­olo­gia Forense da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Paulo (CAAF/Unifesp). 

Na pesquisa, as mães não são ape­nas obje­to e par­tic­i­pam ati­va­mente da metodolo­gia, do roteiro de per­gun­tas e das entre­vis­tas. O estu­do tem a par­tic­i­pação de qua­tro mães de refer­ên­cia, artic­u­ladas nos movi­men­tos em bus­ca de justiça pela morte dos fil­hos, que são con­sid­er­adas pesquisado­ras soci­ais, nos esta­dos de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará.

“É uma vio­lên­cia reit­er­a­da e insti­tu­cional. Além da vio­lên­cia do fato, elas sofrem vio­lên­cia todos os dias pelas insti­tu­ições. O Esta­do mata o fil­ho, mas tam­bém vai matan­do as mães e as famílias aos pouquin­hos. Essas mães pas­sam a vida ten­tan­do provar que os fil­hos não foram ban­di­dos e, mes­mo se fos­sem, não pode­ri­am ter sido mor­tos, pois não há pena de morte no Brasil”, diz a pesquisado­ra Aline Lúcia de Roc­co Gomes, uma das respon­sáveis pela pesquisa, que deve ser con­cluí­da em out­ubro deste ano.

O obje­ti­vo da pesquisa, que ain­da pas­sará pelas eta­pas de análise e con­clusão, é dar sub­sí­dios para a con­strução de uma políti­ca públi­ca de atendi­men­to inte­gral.

“Um pro­je­to só não resolve, nós quer­e­mos uma políti­ca públi­ca. Pen­samos em um pro­gra­ma que dê um atendi­men­to espe­cial­iza­do para essas mães, atendi­men­to inte­gral e mul­ti­dis­ci­pli­nar, com acom­pan­hamen­to jurídi­co e psi­cológi­co e que encam­in­he para pro­gra­mas de ori­en­tação social “, expli­ca Aline.

Segun­do a pesquisado­ra, atual­mente, o atendi­men­to ofer­e­ci­do nas defen­so­rias públi­cas e nos cen­tros de refer­ên­cia e apoio à víti­ma (Cravi), por exem­p­lo, não aten­dem essa deman­da na práti­ca.

O relatório par­cial da pesquisa foi apre­sen­ta­do na últi­ma quin­ta-feira (10), durante sem­i­nário real­iza­do pelo Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia, em parce­ria com o Movi­men­to Inde­pen­dente Mães de Maio.

No even­to, o min­istro Sil­vio Almei­da disse que são inad­mis­síveis situ­ações como a de um meni­no de 13 anos que foi assas­si­na­do com um tiro nas costas, em refer­ên­cia ao caso recente ocor­ri­do no Rio de Janeiro.

“Em um Esta­do que legit­i­ma a vio­lên­cia sem fron­teiras por parte de agentes de Esta­do, os tra­bal­hadores que fazem parte da segu­rança públi­ca tam­bém são viti­ma­dos e, claro, tam­bém vai ter uma mãe que cho­ra. As mães dos poli­ci­ais tam­bém choram seus fil­hos, porque nós vive­mos em um Esta­do de vio­lên­cia. Ago­ra, é impor­tante diz­er tam­bém que quem dá tiro nas costas de uma cri­ança, um ado­les­cente, não é poli­cial, é ban­di­do”, com­ple­tou o min­istro.

Acolhimento

Rio de Janeiro - Familiares e amigos enterram, no Cemitério de Irajá, o corpo do menino Ryan Gabriel, de 4 anos, morto por bala perdida durante confronto entre traficantes (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Repro­dução: Rio de Janeiro — Famil­iares e ami­gos enter­ram, no Cemitério de Ira­já, o cor­po do meni­no Ryan Gabriel, de 4 anos, mor­to por bala per­di­da durante con­fron­to entre traf­i­cantes Foto: Fer­nan­do Frazão/Arquivo Agên­cia Brasil

Uma das mães que fazem parte da equipe como pesquisado­ra social, é Déb­o­ra Maria da Sil­va, fun­dado­ra do Movi­men­to Inde­pen­dente Mães de Maio e pesquisado­ra da CAAF/Unifesp . Ela perdeu o fil­ho, o gari Edson Rogério Sil­va dos San­tos, em 2006, aos 29 anos, durante a série de ataques con­heci­dos como Crimes de Maio, em São Paulo, que cul­mi­naram na morte de cer­ca de 600 pes­soas.

“Meu fil­ho era um gari que tra­bal­hou no dia da sua morte, mes­mo com um ates­ta­do médi­co após a extração de um dente. Lev­ou um rótu­lo de sus­peito por ser pre­to, e eu ten­ho que lutar todos os dias para provar que meu fil­ho era um tra­bal­hador”, lamen­ta Déb­o­ra.

Para ela, a pesquisa mostra a neces­si­dade do acol­hi­men­to das mães que adoe­cem em con­se­quên­cia da vio­lên­cia con­tra seus fil­hos.

“É pre­ciso ter uma políti­ca públi­ca efe­ti­va para essas mães e famil­iares que estão mor­ren­do. Porque, a cada meni­no que cai nas fave­las e nas per­ife­rias, a gente vê a vida dos nos­sos fil­hos sendo ceifa­da, e isso é uma tor­tu­ra psi­cológ­i­ca ter­rív­el”, diz Déb­o­ra.

Entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, uma onda de ataques deixou 564 mor­tos e 110 feri­dos em São Paulo. Naque­la sem­ana, agentes de segu­rança do esta­do de São Paulo e gru­pos de exter­mínio saíram às ruas em retal­i­ação a ataques da orga­ni­za­ção Primeiro Coman­do da Cap­i­tal (PCC). As inves­ti­gações foram arquiv­adas a pedi­do do Min­istério Públi­co estad­ual e, até hoje, ninguém foi con­de­na­do pelos crimes.

Edição: Nádia Fran­co

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