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PL das Fake News: pesquisadores defendem órgão fiscalizador autônomo

Repro­dução: © Pedro França/Agência Sena­do

Eles consideram que essa é uma questão central do projeto


Pub­li­ca­do em 05/05/2023 — 08:11 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A fal­ta de con­sen­so sobre quem dev­erá fis­calizar as medi­das pre­vis­tas no Pro­je­to de Lei 2.630/2020, que insti­tui regras reg­u­latórias para o fun­ciona­men­to de platafor­mas dig­i­tais no Brasil, é con­sid­er­a­da uma das razões que vem tra­van­do o avanço na trami­tação. A votação na Câmara dos Dep­uta­dos esta­va pre­vista para a últi­ma terça-feira (2), mas acabou reti­ra­da de pau­ta pelo pres­i­dente da casa, Arthur Lira. Ain­da não há data defini­da para que seja apre­ci­a­do pelo plenário.

O pro­je­to, que se tornou con­heci­do com PL das Fake News, chegou a con­tar, em suas primeiras ver­sões, com tre­cho pre­ven­do a cri­ação de autar­quia espe­cial des­ti­na­da à fis­cal­iza­ção do cumpri­men­to da lei. Diante de divergên­cias, o tre­cho acabou sendo reti­ra­do pelo rela­tor, dep­uta­do Orlan­do Sil­va (PCdoB-SP), que pro­to­colou seu pare­cer na sem­ana pas­sa­da. Ele incluiu arti­go esta­b­ele­cen­do que a fis­cal­iza­ção se dará nos ter­mos de reg­u­la­men­tação própria. Se for aprova­do ness­es ter­mos, a for­ma de fis­cal­iza­ção das medi­das dev­erá ser defini­da após a aprovação do PL.

Em debate online real­iza­do quar­ta-feira (3), pesquisadores de comu­ni­cação apon­taram que essa é uma questão cen­tral. O encon­tro, que abriu espaço para anális­es sobre a reg­u­lação das platafor­mas dig­i­tais, foi orga­ni­za­do pela Rede Nacional de Com­bate à Desin­for­mação e pela Asso­ci­ação Nacional de Pro­gra­mas de Pós-grad­u­ação em Comu­ni­cação (Com­pós). “Não há como escapar da dis­cussão sobre o ente reg­u­lador”, disse Muri­lo Cesar Ramos, pro­fes­sor e pesquisador da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB).

Segun­do ele, um cam­in­ho é con­tar com uma agên­cia reg­u­lado­ra, a exem­p­lo do que já ocorre em diver­sos setores. Ele cita a Agên­cia Nacional de Ener­gia Elétri­ca (Aneel), a Agên­cia Nacional de Tele­co­mu­ni­cações (Ana­tel), Agên­cia Nacional do Cin­e­ma (Ancine) e a Agên­cia Nacional de Vig­ilân­cia San­itária (Anvisa). Cabe a elas insti­tuir reg­u­la­men­tos, fis­calizar o cumpri­men­to de nor­mas e de leis e faz­er autu­ação em caso de des­cumpri­men­to. O PL das Fake News pre­vê que infrações podem ger­ar punições, com mul­tas que vão de R$ 50 mil a R$ 1 mil­hão por hora.

“Se esta­mos pedin­do reg­u­lação, temos que nos per­gun­tar: quem vai reg­u­lar? Pre­cisamos de uma instân­cia reg­u­lado­ra que seja autôno­ma”, defend­eu. Emb­o­ra veja prob­le­mas em algu­mas das agên­cias citadas, ele desta­cou o exem­p­lo da Anvisa: seu dire­tor-pres­i­dente tem manda­to fixo e não pode ser demi­ti­do a qual­quer momen­to. “A Anvisa se valeu de sua autono­mia fun­cional e da qual­i­dade de seu cor­po téc­ni­co de Esta­do para enquadrar até o pres­i­dente da Repúbli­ca durante a pan­demia de covid-19”, afir­mou.

Alguns par­la­mentares já defend­er­am que a fis­cal­iza­ção das medi­das pre­vis­tas no PL das Fake News fique a car­go da Ana­tel. Segun­do Muri­lo Ramos, essa é uma alter­na­ti­va. “Se o PL for aprova­do, isso vai exi­s­tir. Ou pode ser algo que já exista, por exem­p­lo, a Autori­dade Nacional de Pro­teção de Dados (ANPD), a Ana­tel, ou uma junção das duas. Fato é que vai exi­s­tir. Porque se não exi­s­tir um ente reg­u­lador será o pior dos mun­dos. A reg­u­lação pas­sa a ser exer­ci­da pelo Poder Exec­u­ti­vo dire­ta­mente ou pelo Poder Judi­ciário. E isso é um risco”.

Muri­lo tam­bém man­i­fes­ta receio com as pro­postas de um ente reg­u­lador que ten­ha inter­na­mente rep­re­sen­tação das platafor­mas dig­i­tais. “Como que você vai ter uma agên­cia de Esta­do ten­do as empre­sas que você reg­u­la den­tro dela?”, ques­tiona. Hele­na Mar­tins, pesquisado­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Ceará (UFC), defende a cri­ação de um órgão novo, com mecan­is­mos que asse­gurem a par­tic­i­pação social e impeçam sua cap­tura pelo setor pri­va­do.

“A Ana­tel é a expressão da cap­tura pelo setor. Todas as decisões da Ana­tel em momen­tos polêmi­cos são favoráveis às empre­sas de tele­co­mu­ni­cações. Isso acon­te­ceu, por exem­p­lo, em dis­cussões sobre regime públi­co e pri­va­do, a neu­tral­i­dade da rede, sobre radiod­i­fusão comu­nitária. É pos­sív­el trans­for­mar a Ana­tel em out­ra coisa? É pos­sív­el. Mas colo­car a Ana­tel como ela é hoje nesse lugar é entre­gar a reg­u­lação das platafor­mas para um setor que tem out­ros inter­ess­es. Vão prevale­cer os inter­ess­es das empre­sas de tele­co­mu­ni­cação em questões cen­trais. Seria um equívo­co”.

Medidas previstas no PL

As medi­das pre­vis­tas no PL afe­tam prove­dores de redes soci­ais, sites de bus­ca e fer­ra­men­tas para envio de men­sagens instan­tâneas. As regras não valem para platafor­mas que ten­ham média men­sal infe­ri­or a 10 mil­hões de usuários. Tam­bém não atingem aque­las voltadas para comér­cio eletrôni­co, jogos e apos­tas online, reuniões fechadas em vídeo ou voz e para repositório cien­tí­fi­co ou educa­ti­vo.

Em caso de aprovação, mudanças que estão pre­vis­tas serão notadas na exper­iên­cia do usuário. Eles dev­erão, por exem­p­lo, ter condições de con­fig­u­rar como querem rece­ber os con­teú­dos recomen­da­dos, os quais pre­cis­arão ser facil­mente iden­ti­fi­ca­dos. Além dis­so, a repro­dução automáti­ca de sons ou vídeos só pode ocor­rer medi­ante con­sen­ti­men­to. As úni­cas exceções são músi­cas ou con­teú­do de lis­tas cri­adas pelo próprio usuário.

As empre­sas dev­erão ter rep­re­sen­tação no Brasil. São pre­vis­tas tam­bém medi­das que limi­tam a dis­sem­i­nação de men­sagens em mas­sa e o com­par­til­hamen­to de dados pes­soais de usuários. Ain­da con­forme o tex­to em dis­cussão, as platafor­mas dig­i­tais dev­erão fornecer uma série de infor­mações nos seus ter­mos de uso, tais como os tipos de con­teú­dos proibidos, a faixa etária à qual se des­ti­nam, os meios para denún­cia de pos­síveis vio­lações, critérios usa­dos na mod­er­ação das con­tas, parâmet­ros usa­dos para recomen­dar ou dire­cionar con­teú­dos, descrição ger­al dos algo­rit­mos uti­liza­dos e regras envol­ven­do a pub­li­ci­dade.

O pro­je­to tam­bém amplia casos em que as platafor­mas são respon­sáveis pelos con­teú­dos posta­dos pelos usuários. Até então, só podem ser punidas caso des­cumpram ordem judi­cial para remoção de algu­ma pub­li­cação. Se o PL for aprova­do, elas se tornarão respon­sáveis solidárias pelos con­teú­dos cuja dis­tribuição ten­ha sido impul­sion­a­da por meio de pub­li­ci­dade da platafor­ma. Além dis­so, em situ­ações especí­fi­cas nas quais forem iden­ti­fi­ca­dos riscos imi­nentes de danos, pre­cis­arão ado­tar medi­das pre­vis­tas em um pro­to­co­lo de segu­rança. Do con­trário, poderão ser respon­s­abi­lizadas pelos con­teú­dos que forem pub­li­ca­dos.

Muri­lo Ramos con­sid­era que o ter­mo PL das Fake News dis­torce o real con­teú­do do pro­je­to. “É um pro­je­to que dis­põe sobre liber­dade, respon­s­abil­i­dade e transparên­cia na inter­net”, diz. O PL, que trami­ta des­de 2020, teve sua urgên­cia aprova­da no iní­cio da sem­ana pas­sa­da, o que per­mite que ago­ra ele seja vota­do pelo plenário sem pas­sar pelas comis­sões. A situ­ação ger­ou uma ofen­si­va das platafor­mas, que chegaram a ser acu­sadas pelo gov­er­no e por enti­dades da sociedade civ­il de impul­sion­ar suas próprias posições con­trárias ao pro­je­to e cen­surar con­teú­dos favoráveis.

Debate público

Segun­do Hele­na Mar­tins, essa ten­ta­ti­va de dire­cionar o debate públi­co ocorre porque medi­das pre­vis­tas no PL afe­tam eco­nomi­ca­mente as platafor­mas. Ela cita as regras envol­ven­do transparên­cia sobre os algo­rit­mos, sobre os sis­temas de recomen­dação e o poder de escol­ha do usuário de não ser bom­bardea­do com con­teú­dos dire­ciona­dos especi­fi­ca­mente a ele. “É um mod­e­lo de negó­cio que não é defen­sáv­el à luz do dia. É basea­do em dis­pu­ta de atenção, em cap­tura de atenção, para con­vert­er os usuários em audiên­cia para a pub­li­ci­dade. Não há nen­hum com­pro­mis­so com o inter­esse públi­co”, diz ela.

A pesquisado­ra apon­ta que diver­sos estu­dos já mostraram como as platafor­mas têm pro­por­ciona­do cir­cu­lação de con­teú­do extrem­ista. Ela recon­hece que um dos riscos de um novo mar­co reg­u­latório é dar às platafor­mas o poder de decidir o que é ou não é crime. Havia uma pre­ocu­pação de que ao respon­s­abi­lizá-las pelo con­teú­do dos seus usuários, elas teri­am maior autono­mia para cen­surá-los. Hele­na acred­i­ta que o tex­to do rela­tor encon­trou um cam­in­ho do meio. “Elas serão chamadas a atu­ar em alguns cenários con­sid­er­a­dos mais prob­lemáti­cos como é o caso dos ataques vio­len­tos às esco­las”, avalia.

De acor­do com a pesquisado­ra, a dis­cussão em torno da reg­u­lação das platafor­mas é com­plexa porque vários inter­ess­es pri­va­dos impedi­ram um debate democráti­co sobre a comu­ni­cação social no Brasil des­de a déca­da de 90, ten­tan­do asso­ciar reg­u­lação com cen­sura. As expec­ta­ti­vas em torno da tec­nolo­gia tam­bém afe­taram o debate públi­co.

“Muitos acred­i­tavam que a tec­nolo­gia fos­se resolver prob­le­mas que são emi­nen­te­mente soci­ais. E isso fez com que a inter­net fos­se vista como um espaço não reg­u­la­do: porque é transna­cional, porque impediria a ino­vação. Mas o fato é que não haver reg­u­lação públi­ca e democráti­ca tam­bém é uma for­ma de reg­u­lação, porque essas atribuições são assum­i­das pelo setor pri­va­do”. Ela diz ain­da que muitas pro­postas no PL das Fake News foram inspi­radas em medi­das que estão sendo ado­tadas na Europa, mas que o debate tam­bém está atrav­es­sa­do pelo con­tex­to geopolíti­co e pelas assime­trias globais, o que faz com que as platafor­mas se mostrem mais resistentes a aceitar mudanças em país­es em desen­volvi­men­to.

Hele­na obser­va que as tradi­cionais empre­sas de radiod­i­fusão do Brasil são respon­sáveis pela difi­cul­dade de se falar em reg­u­lação da comu­ni­cação e de órgão reg­u­lador, já que sem­pre fiz­er­am lob­by para travar essas pro­postas, clas­si­f­i­can­do-as como cen­sura. Nesse sen­ti­do, a pesquisado­ra apon­ta a pos­tu­ra con­tra­ditória rep­re­sen­ta­da pela Asso­ci­ação Brasileira de Emis­so­ras de Rádio e Tele­visão (Abert), essas empre­sas apoiam o PL das Fake News. Elas podem ser ben­e­fi­ci­adas eco­nomi­ca­mente pelo pro­je­to, pois um dos arti­gos pre­vê que as platafor­mas devem remu­ner­ar veícu­los midiáti­cos que pro­duzem con­teú­dos jor­nalís­ti­cos e que tem notí­cias e reporta­gens com­par­til­hadas nas redes soci­ais.

Para a pesquisado­ra, seria mel­hor tratar dessa questão em out­ro momen­to, para que pudesse ser fei­ta uma dis­cussão ampli­a­da, incluin­do pro­du­tores de con­teú­do e por­tais menores que tam­bém teri­am dire­ito à remu­ner­ação. Ain­da assim, ela dis­cor­da de quem se opõe ao PL por causa desse arti­go. “Trans­for­mar isso no pon­to prin­ci­pal do pro­je­to e falar que é um pro­je­to da Globo e das empre­sas de radiod­i­fusão é reduzir muito a análise. É um tex­to medi­a­do, que tem vários inter­ess­es colo­ca­dos. Mas, para mim, esse pon­to está longe de ser o prin­ci­pal do pro­je­to”.

Edição: Graça Adju­to

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