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População negra é maior vítima do consumo de álcool no país

Repro­dução: © Arquivo/Marcelo Camargo/Agência Brasil

Especialista diz que desigualdade racial histórica é um dos motivos


Publicado em 30/08/2024 — 09:02 Por Douglas Corrêa — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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A pop­u­lação negra é a mais atingi­da pelas mortes atribuí­das ao uso de álcool no Brasil. Esse é um dos temas em destaque da pub­li­cação Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panora­ma 2024, que está sendo lança­da nes­ta sex­ta-feira (30) pelo Cen­tro de Infor­mações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

De acor­do com o psiquia­tra e pres­i­dente do Cisa, Arthur Guer­ra, “ao anal­is­ar os dados de mortes por uso de álcool no país, ver­i­fi­ca-se que os impactos do uso noci­vo dessa sub­stân­cia são desiguais para bran­cos, pre­tos e par­dos, espe­cial­mente na pop­u­lação fem­i­ni­na”.

A análise inédi­ta indi­ca que, em 2022, a pop­u­lação negra apre­sen­tou 10,4 mortes total­mente atribuíveis ao álcool por 100 mil habi­tantes; enquan­to a taxa para as pes­soas bran­cas foi de 7,9, ou seja, cer­ca de 30% supe­ri­or. Entre as mul­heres a difer­ença é ain­da mais sig­ni­fica­ti­va. A taxa dess­es óbitos entre pre­tas e par­das é de 2,2 e 3,2, respec­ti­va­mente, e entre bran­cas 1,4.

Uma das expli­cações para o fato é a desigual­dade racial históri­ca no país, espe­cial­mente pelo aces­so desigual a trata­men­tos. “Pes­soas pre­tas encon­tram-se em situ­ação de maior vul­ner­a­bil­i­dade social por diver­sos fatores, sobre­tu­do o racis­mo e a pobreza, que difi­cul­tam o aces­so a uma vida digna, de modo ger­al, impactan­do, por exem­p­lo, o aces­so a serviços de saúde de qual­i­dade, que são fun­da­men­tais para tratar transtornos por uso de álcool”, expli­ca a douto­ra em soci­olo­gia e coor­de­nado­ra do Cisa, Mar­i­ana Thibes.

Estu­dos inter­na­cionais iden­ti­fi­cam a dis­crim­i­nação racial como poten­cial estres­sor, o que con­tribui para o surg­i­men­to de prob­le­mas físi­cos e emo­cionais, bem como com­por­ta­men­tos de risco asso­ci­a­dos ao con­sumo de álcool. Porém, é pre­ciso aler­tar que isso não equiv­ale diz­er que os negros prati­cam mais o con­sumo abu­si­vo, mas sim que, ao se depararem com o prob­le­ma, as chances de obter trata­men­to de qual­i­dade são menores.

No caso das mul­heres, mais um dado chama a atenção: 72% dos óbitos por transtornos men­tais e com­por­ta­men­tais dev­i­dos ao uso de álcool ocor­rem entre mul­heres pre­tas e par­das. “As difi­cul­dades redo­bradas em relação a diver­sos aspec­tos da vida enfrenta­da pela pop­u­lação negra fem­i­ni­na podem prop­i­ciar o uso exces­si­vo de álcool. Além dis­so, o estig­ma rela­ciona­do ao alcoolis­mo e à fal­ta de trata­men­to ade­qua­do podem con­duzir ain­da a out­ros prob­le­mas soci­ais e de saúde”, avalia Mar­i­ana.

Diante desse cenário, é impor­tante aumen­tar a con­sci­en­ti­za­ção sobre o abu­so de álcool e seus impactos na saúde da pop­u­lação pre­ta e par­da, bem como pro­mover a inclusão e a diver­si­dade nos serviços de saúde men­tal para garan­tir que todos ten­ham aces­so igual­itário a cuida­dos de qual­i­dade.

Em relação aos óbitos atribuíveis ao álcool, a pan­demia inter­rompeu a tendên­cia de que­da. Em 2022, a taxa atingiu 33 mortes asso­ci­adas ao álcool por 100 mil habi­tantes no perío­do, mas ain­da abaixo da ver­i­fi­ca­da em 2010 (36,7).

Dezes­seis esta­dos apre­sen­tam taxa de mortes atribuíveis ao álcool por 100 mil habi­tantes supe­ri­or à nacional, com o Paraná (42,0), Espíri­to San­to (39,4) e Piauí (38,9) lid­eran­do o rank­ing.

Idade

Os efeitos neg­a­tivos do álcool são difer­entes entre as faixas etárias. Enquan­to entre jovens adul­tos as prin­ci­pais con­se­quên­cias estão asso­ci­adas a com­por­ta­men­tos de risco, como aci­dente de trân­si­to e vio­lên­cia, as pes­soas mais vel­has são mais impactadas por doenças crôni­cas não trans­mis­síveis, como as car­dio­vas­cu­lares.

Out­ro pon­to abor­da­do pelo Cisa é a difi­cul­dade de a pop­u­lação negra ou bran­ca aceitar o trata­men­to e isso ser uma das prin­ci­pais bar­reiras para a cura da doença. Segun­do o cen­tro, sem dúvi­da exis­tem estig­mas rela­ciona­dos ao alcoolis­mo que difi­cul­tam a bus­ca por aju­da.

“O alcoolis­mo ain­da é vis­to por muitos como uma fal­ha de caráter, um prob­le­ma moral asso­ci­a­do à fal­ta de von­tade, que faz com que muitas pes­soas demor­em a recon­hecer o prob­le­ma e bus­car aju­da. É pre­ciso lem­brar que o alcoolis­mo é uma doença crôni­ca que, quan­do trata­da, tem bom prognós­ti­co”.

Existe ain­da o “estig­ma históri­co no Brasil de que a pop­u­lação negra bebe mais e tem uma relação mais abu­si­va com o álcool, o que não pro­cede. O estig­ma con­tribui para que essas pes­soas evitem procu­rar aju­da quan­do pre­cisam”. Quan­do isso se soma ao pre­con­ceito racial, temos uma situ­ação ain­da mais difí­cil. É bom lem­brar que os negros no Brasil não bebem mais do que os bran­cos, como mostrou a pesquisa Covi­tel 2023. Mas, quan­do enfrentam o prob­le­ma do uso noci­vo, têm menor aces­so a um trata­men­to de saúde de qual­i­dade, e, por isso, mor­rem mais de questões rela­cionadas ao álcool.

Os serviços de saúde pre­cisam estar aten­tos a essa questão, pois eles têm papel cen­tral para lidar com o prob­le­ma. Serviços de saúde cul­tural­mente sen­síveis e ampli­ação do aces­so a trata­men­tos gra­tu­itos de qual­i­dade são fun­da­men­tais para enfrentar a situ­ação.

Per­gun­ta­do se mes­mo depois de ter ini­ci­a­do o trata­men­to, muitas pes­soas têm recaí­da e voltam a beber, o Cisa respon­deu que não tem esse dado. “Recaí­das exis­tem e fazem parte do proces­so de trata­men­to do alcoolis­mo, sendo comuns em pes­soas de todas as cores de pele. A recaí­da, quan­do encar­a­da dessa for­ma, aju­da o próprio paciente a retomar a moti­vação para con­tin­uar o trata­men­to. O apoio dos famil­iares ness­es momen­tos é deci­si­vo, assim como dos profis­sion­ais de saúde, que podem aju­dar o paciente a enten­der as causas e gatil­hos que levaram à recaí­da”.

A análise dos óbitos atribuíveis ao álcool por cor de pele/raça tem como metodolo­gia o proces­sa­men­to de dados de indi­cadores pop­u­la­cionais sobre con­sumo de álcool e mor­tal­i­dade, sendo apli­cadas as Frações Atribuíveis ao Álcool para os deter­mi­na­dos agravos à saúde. Entre as fontes ofi­ci­ais con­sul­tadas estão IBGE, Data­sus e Sis­tema de Infor­mação sobre Mor­tal­i­dade (SIM).

Cisa

O Cen­tro de Infor­mações sobre Saúde e Álcool é uma das prin­ci­pais refer­ên­cias no Brasil sobre o tema e des­de sua fun­dação, em 2004, vem con­tribuin­do para a con­sci­en­ti­za­ção, pre­venção e redução do uso noci­vo de bebidas alcoóli­cas. Qual­i­fi­ca­da como Orga­ni­za­ção da Sociedade Civ­il de Inter­esse Públi­co (Oscip), a insti­tu­ição ded­i­ca-se ao avanço do con­hec­i­men­to na área, atuan­do na divul­gação de pesquisas e dados cien­tí­fi­cos com lin­guagem acessív­el, na pro­dução de mate­ri­ais e con­teú­dos educa­tivos e no desen­volvi­men­to de out­ros pro­je­tos.

Edição: Graça Adju­to

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