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Povo Rikbaktsa volta a extrair látex sem patrões e respeitando a mata

Terra indígena vai fornecer matéria-prima à empresa francesa Michelin

Mar­i­ana Tokar­nia* — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 19/04/2025 — 08:45
Rio de Janeiro
Brasília (DF), 12.09.2023 - 3ª Marcha das Mulheres Indígenas. - Indígena Dayane Rikbaktsa, de Mato Grosso. Foto: Alex Rodrigues/Repórter da Agência Brasil
Repro­dução: © Alex Rodrigues/Repórter da Agê

No noroeste do esta­do de Mato Grosso, o povo indí­ge­na Rik­bak­t­sa se orga­ni­za para retomar a pro­dução de bor­racha, aban­don­a­da há pouco mais de uma déca­da. A ativi­dade é con­sid­er­a­da uma alter­na­ti­va para ger­ar ren­da para as aldeias e tam­bém para aju­dar na preser­vação das seringueiras, con­sid­er­adas as mães da flo­res­ta. 

Os Rik­bak­t­sa pre­ten­dem que os ter­ritórios indí­ge­nas voltem a fornecer a matéria-pri­ma à empre­sa france­sa Miche­lin, que real­iza com­pras de bor­racha na Amazô­nia.  

Para os Rik­bak­t­sa, a natureza deve ser cuida­da, pois a flo­res­ta será deix­a­da para os netos, bis­ne­tos e todas as próx­i­mas ger­ações. Esse é o difer­en­cial na hora da extração do látex, matéria-pri­ma para a pro­dução da bor­racha, das seringueiras. Nas ter­ras indí­ge­nas, os cic­los da plan­ta são respeita­dos, os cortes não são pro­fun­dos e são feitas pausas na extração, para garan­tir que a plan­ta se recu­pere.

Abun­dantes na região, as seringueiras, que podem viv­er mais de 200 anos, já foram moti­vo de dis­pu­ta de ter­ritório. Nas décadas de 1940, 1950 e 1960, o povo Rik­bak­t­sa e os seringueiros viver­am diver­sos con­fli­tos. Mais recen­te­mente, os indí­ge­nas pas­saram, eles mes­mos, a pro­duzir a bor­racha como for­ma de ger­ar ren­da. No entan­to, os preços pouco atra­tivos, que chegavam a R$ 0,50 o qui­lo (kg), e a difi­cul­dade de escoa­men­to da pro­dução fiz­er­am com que aban­donassem a práti­ca.

A Amazô­nia vive um novo ciclo da bor­racha para os povos extra­tivis­tas, com um novo olhar para o comér­cio, ago­ra sem atrav­es­sadores ou “patrões”, e com foco na sus­tentabil­i­dade. Um dos propul­sores é o pro­je­to Jun­tos pela Amazô­nia – Revi­tal­iza­ção da Cadeia Extra­tivista da Bor­racha, com­pos­to por orga­ni­za­ções nacionais, como a orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG) Memo­r­i­al Chico Mendes, por orga­ni­za­ções inter­na­cionais e por empre­sas inter­es­sadas nesse comér­cio, como a Miche­lin, uma das líderes mundi­ais em pro­dução de pneus.

Nas ter­ras indí­ge­nas do povo Rik­bak­t­sa, é o pro­je­to Bio­di­ver­so que pres­ta apoio e faz a ponte com o Memo­r­i­al Chico Mendes, que, por sua vez, conec­ta os ter­ritórios aos com­pradores. O pro­je­to, patroci­na­do pela Petro­bras, ofer­ece tam­bém for­mação, edu­cação ambi­en­tal e equipa­men­tos, além de cuidar da logís­ti­ca do escoa­men­to do pro­du­to.

Os ter­ritórios chegaram a com­er­cializar com a Miche­lin em 2008, pro­duzin­do 17 toneladas de bor­racha, de acor­do com o Bio­di­ver­so. Ago­ra, ess­es acor­dos estão sendo retoma­dos e a intenção é que se tornem mais duradouros.

Segun­do o Bio­di­ver­so, a expec­ta­ti­va é que sejam com­er­cial­izadas 90 toneladas de bor­racha nati­va até 2027, con­sideran­do toda a área aten­di­da pelo pro­je­to, que englo­ba as TIs Erik­pat­sa, Japuíra, Escon­di­do, Arara do Rio Bran­co, Aripuanã e Reser­va Extra­tivista Guari­ba Roo­sevelt.

Retomada da produção

Nas aldeias, a retoma­da dos con­tratos está chaman­do a atenção dos indí­ge­nas. Anti­gos pro­du­tores e tam­bém jovens estão inter­es­sa­dos em garan­tir uma ren­da com a extração do látex.

Na aldeia Pé de Mutum, na TI Japuíra, Dona­to Bibi­ta­ta, de 67 anos, é um dos indí­ge­nas que voltou a extrair o látex das seringueiras. Ele tra­bal­hou com a pro­dução da bor­racha há cer­ca de 15 anos e a deixou por con­ta dos baixos preços. Ago­ra, diz que a pro­dução ficou mais atraente.

Expe­ri­ente, Dona­to Bibi­ta­ta expli­ca que é pre­ciso cuidar das árvores, dar o tem­po necessário para que se recu­perem e não cor­tar muito fun­do, para não “machu­car” as plan­tas e reduzir o vol­ume da pro­dução. “Tem que ter paciên­cia, tem que ter dó tam­bém, não pode machu­car muito. Se não, ela morre”, diz.

A ideia é que a ativi­dade passe a atrair tam­bém os mais jovens, dan­do uma per­spec­ti­va de ren­da e futuro. “Tem mui­ta seringueira aqui na nos­sa região. Nos­so ter­ritório aqui é rico de seringa, para tirar a bor­racha. Nós esta­mos inten­si­f­i­can­do [a pro­dução], com mais gente, para que gere mais para os jovens, né?”, diz.

Per­gun­ta­do sobre quan­tos anos vive uma seringueira, ele perde as con­tas.

“Cuidan­do bem, a seringueira vive mais que uma pes­soa. Você cuidan­do bem, é uma coisa que faz a difer­ença. Seus netos con­tin­u­am tra­bal­han­do. A gente fala para ess­es jovens de ago­ra: a gente começa e, depois, vocês que vão ter­mi­nar. São os jovens que estão crescen­do e tra­bal­han­do. Se não machu­car a seringueira, ela dura muito, vixe, mas dura”.

Dona­to Bibi­ta­ta con­ta que teve uma infân­cia dura. Foi uma das cri­anças indí­ge­nas que foram lev­adas para inter­natos católi­cos na déca­da de 1960. Lá, ele con­ta que não podia falar na lín­gua Rik­bak­t­sa, ape­nas o por­tuguês. “A gente apren­deu mui­ta coisa boa e mui­ta coisa ruim. A gente não tin­ha dire­ito vis­i­tar mãe nem pai. Você tin­ha que falar só por­tuguês. Se falasse a lín­gua, a cul­tura, você apan­ha­va”.

Quan­do ter­mi­nou os estu­dos, o seringueiro voltou para o ter­ritório indí­ge­na. Chegou tam­bém a ser pro­fes­sor munic­i­pal e, ago­ra, aposen­ta­do, voltou a extrair o látex para garan­tir uma ren­da extra.

Ao con­trário de Dona­to Bibi­ta­ta, Rogerder­son Nat­sitsabui, 30 anos, é nova­to na ativi­dade e está inter­es­sa­do em apren­der. “Isso chamou nos­sa atenção, né?”, diz. “[Essa ativi­dade] já vin­ha com meus pais, meus avós e isso tam­bém me motivou. Vou tra­bal­har para mim, estou neces­si­tan­do e acred­i­to que muitos jovens estão no mes­mo bar­co, então isso vai for­t­ale­cer muito”, diz.

Rogerder­son Nat­sitsabui con­ta, no entan­to, que a extração do látex servirá ape­nas para com­ple­men­tar a ren­da, porque ele dese­ja cur­sar o ensi­no supe­ri­or. O son­ho é for­mar-se em dire­ito, para advog­ar para a aldeia.

“Eu acred­i­to que futu­ra­mente eu vou, se Deus quis­er, ingres­sar numa fac­ul­dade. Para mim, isso é um avanço, mas eu nun­ca vou deixar o que eu apren­di aqui”, diz. “Meu foco des­de quan­do eu come­cei a par­tic­i­par de mobi­liza­ções sem­pre foi o dire­ito. Eu nun­ca desisti dis­so”.

Oportunidades

Segun­do o asses­sor de Mer­ca­dos do Bio­di­ver­so, Rena­to Pereira, a extração de látex tem como obje­ti­vo “garan­tir que essas famílias de extra­tivis­tas indí­ge­nas per­maneçam nas suas áreas, pro­te­gen­do seus ter­ritórios, sendo guardiões dos seus ter­ritórios, tra­bal­han­do com a flo­res­ta de pé, agre­gan­do o val­or pro­du­to”. Ele acres­cen­ta:

“Aqui­lo que é extraí­do de uma maneira sus­ten­táv­el, tem mais val­or”.

O pro­je­to Bio­di­ver­so atua tam­bém na Reser­va Extra­tivista (Resex) Guari­ba Roo­sevelt, onde tam­bém é fei­ta a extração do látex. O prin­ci­pal com­prador ali é a empre­sa france­sa Veja, de calça­dos. Em 2024, nes­sa região, a pro­dução chegou a 8,2 toneladas, com­er­cial­izadas a R$ 15 por kg, chegan­do a um total de R$ R$ 123 mil para a Resex.

A intenção é que as TIs do noroeste do Mato Grosso sejam tam­bém ben­e­fi­ci­adas e ten­ham com­prador garan­ti­do. A par­tir de 2025, foi nego­ci­a­do inclu­sive um rea­juste e o látex será com­er­cial­iza­do a R$ 13 por kg para a Miche­lin, segun­do o anal­ista de sus­tentabil­i­dade da ONG Memo­r­i­al Chico Mendes Jhas­sem Siqueira.

“Antes, a pro­dução de bor­racha era uma pro­dução explo­ra­da, asso­ci­a­da a tra­bal­ho escra­vo, por con­ta de fig­uras como atrav­es­sadores e do próprio patrão. Então, esse novo par­a­dig­ma que essas empre­sas esta­b­ele­ce­r­am é elim­i­nar a figu­ra do patrão e ter con­ta­to dire­to com as asso­ci­ações [das ter­ras indí­ge­nas e extra­tivis­tas]. Retomaram com o que a gente chama de um preço jus­to, que elim­i­na a figu­ra do patrão”, diz Siqueira.

A parce­ria entre o Bio­di­ver­so e o cole­ti­vo Jun­tos pela Amazô­nia dev­erá ser fir­ma­da ain­da este ano, o que per­mi­tirá a for­mal­iza­ção das ven­das.

“Nós obser­va­mos a qual­i­dade da bor­racha de Mato Grosso e de Rondô­nia e real­mente é uma qual­i­dade muito apro­pri­a­da para Miche­lin”, expli­ca o anal­ista de sus­tentabil­i­dade. “A empre­sa já aceitou. O que nós esta­mos con­ver­san­do ago­ra é de que como é que a gente vai inserir eles nesse arran­jo. A gente tá nesse momen­to ago­ra de for­mal­iza­ção dos ter­mos de parce­ria”, diz.

Biodiverso

O pro­je­to Bio­di­ver­so é desen­volvi­do pela Orga­ni­za­ção da Sociedade Civ­il de Inter­esse Públi­co (OSCIP) Pacto das Águas e tem como obje­ti­vo pro­mover o uso sus­ten­táv­el da socio­bio­di­ver­si­dade, com povos indí­ge­nas e comu­nidades tradi­cionais no noroeste do esta­do de Mato Grosso, como estraté­gia para mit­i­gar o aque­c­i­men­to glob­al e as mudanças climáti­cas pela defe­sa da con­ser­vação da flo­res­ta em pé.

O obje­ti­vo do Bio­di­ver­so é que o pro­je­to pos­sa dar suporte, ao todo, a 300 extra­tivis­tas na pro­dução de 800 toneladas de cas­tan­ha, 90 toneladas de bor­racha e 15 toneladas de óleo de copaí­ba com boas práti­cas de pro­dução padronizadas e com assistên­cia téc­ni­ca per­iódi­ca, até 2027. Com isso, espera-se garan­tir a con­ser­vação de 1,4 mil­hão de hectares no bio­ma amazôni­co.

O pro­je­to é patroci­na­do pela Petro­bras, como parte do Pro­gra­ma Petro­bras Socioam­bi­en­tal. Segun­do o ger­ente de pro­je­tos ambi­en­tais na área de respon­s­abil­i­dade social da Petro­bras, Gregório Araújo, o pro­gra­ma apoia atual­mente 170 pro­je­tos dis­tribuí­dos em qua­tro eixos: flo­restas, oceano, edu­cação e desen­volvi­men­to econômi­co sus­ten­táv­el. As orga­ni­za­ções da sociedade civ­il patroci­nadas são sele­cionadas por meio de seleções públi­cas.

“O pro­je­to [Bio­di­ver­so] dialo­ga e dá uma respos­ta muito con­tun­dente em relação a soluções baseadas na natureza para o enfrenta­men­to da mudança climáti­ca. Mostra que o a fala da Petro­brás não é descon­tex­tu­al­iza­da, ela não é vazia, tem ações conc­re­tas, tan­to do pon­to de vista da oper­ação, do pon­to de vista da diver­si­fi­cação pro­du­ti­va, quan­to do pon­to de vista dessas soluções mais difusas, é, que a gente faz com os pro­je­tos”, diz Araújo.

A con­vite da Petro­bras, que patroci­na o pro­je­to Bio­di­ver­so, a Agên­cia Brasil vis­i­tou nos dias 8 e 9 de abril, três aldeias nas TIs Erik­pat­sa e Japuíra, do povo Rik­bak­t­sa.

*A equipe da Agên­cia Brasil via­jou a con­vite da Petro­bras, patroci­nado­ra do pro­je­to Bio­di­ver­so

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