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Povos tradicionais resistem à expansão da agricultura no Cerrado

Repro­dução: © Maiana Diniz/Direitos reser­va­dos

Lideranças denunciam desmandos e cobram respostas das autoridades


Pub­li­ca­do em 11/09/2023 — 07:16 Por Lucas Pordeus León – Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília
Atu­al­iza­do em 11/09/2023 — 07:17

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Os povos tradi­cionais do Cer­ra­do são for­ma­dos por comu­nidades herdeiras dos “saberes ances­trais e tradi­cionais que guiam, há inúmeras ger­ações, o mane­jo das matas e pais­agens, que fazem dessa rica savana uma das regiões mais bio­di­ver­sas do mun­do”. O con­ceito foi elab­o­ra­do pelos orga­ni­zadores do livro Saberes dos Povos do Cer­ra­do e Bio­di­ver­si­dade.

São ess­es povos que enfrentam, diari­a­mente, os danos mais ime­di­atos do des­mata­men­to e da redução da vazão dos rios que têm afe­ta­do a savana brasileira.

Os povos do Cer­ra­do são for­ma­dos por indí­ge­nas do tron­co Jê (Xer­ente, Xakri­abá e Xavante), do tron­co Tupi-Guarani (como os Guarani e Kaiowá), por quilom­bo­las (como os kalun­gas, jalapoeiros e os mesquitas) e comu­nidades tradi­cionais como as que­bradeiras de coco-babaçu, raizeiras, além de pescado­ras arte­sanais, pan­taneiras, entre out­ras pop­u­lações de base cam­pone­sa.

No sudoeste do Piauí, uma das áreas mais recentes da expan­são da fron­teira agrí­co­la no Cer­ra­do, as 78 famílias indí­ge­nas da etnia Akroá-Gamela que vivem no ter­ritório Laran­jeiras têm denun­ci­a­do o avanço da soja sobre ter­ras que con­sid­er­am orig­i­nar­i­a­mente como sendo do povo Akró-Gamela.

Série Dia do Cerrado. Indígena, Gamela José Wylk. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: O indí­ge­na José Wylk lid­era a Asso­ci­ação dos Povos Indí­ge­nas de Laran­jeiras, no Piauí — Arqui­vo pes­soal

“Os con­fli­tos por ter­ra têm aumen­ta­do com ameaças por parte do agronegó­cio, invasões, intim­i­dações e vio­lações de dire­itos humanos”, denun­ciou José Wylk Brau­na da Sil­va, de 30 anos. A lid­er­ança da Asso­ci­ação dos Povos Indí­ge­nas de Laran­jeiras diz que eles têm luta­do pela demar­cação do ter­ritório.

“Quan­do eu era cri­ança, nos­so povo vivia em har­mo­nia. A gente tin­ha espaço para viv­er, plan­tar, col­her e beber”, desta­cou José Wylk.

“Nos últi­mos anos, há uma drás­ti­ca mudança. O des­mata­men­to e o uso exces­si­vo de agrotóx­i­cos con­t­a­m­i­nam a água e influ­en­ci­am no cli­ma”.

Wylk acres­cen­tou que, ape­sar das denún­cias feitas ao Poder Públi­co, as respostas são insu­fi­cientes. “A gente exige que o Esta­do vire de frente para a gente e passe a atu­ar tam­bém para expandir as políti­cas públi­cas na região”, con­cluiu.

»> Clique aqui para ler todo o con­teú­do do Espe­cial Cer­ra­do 2023

Quilombo Mesquita

A luta do povo Akró-Gamela no Piauí é semel­hante à do povo do Quilom­bo de Mesqui­ta, no municí­pio de Cidade Oci­den­tal (GO), na região do entorno do Dis­tri­to Fed­er­al (DF).

A comu­nidade, já recon­heci­da como quilom­bo pela Fun­dação Cul­tur­al Pal­mares, tem cer­ca de três mil pes­soas, com mais de 250 anos de existên­cia, e ten­ta con­seguir a tit­u­lação de 4,2 mil hectares.

Em entre­vista recente à TV Brasil, a lid­er­ança José Rober­to Teix­eira Bra­ga denun­ciou o avanço do des­mata­men­to no quilom­bo, prin­ci­pal­mente por fazen­deiros de soja. “Tem muito inva­sor des­matan­do e nós não gos­ta que des­matem. Os bichos estão tudo deses­per­a­do entran­do na casa do povo porque estão aca­ban­do com o Cer­ra­do tudo”, con­tou Bra­ga, que acres­cen­tou que tem rece­bido ameaças de morte.

Correntina

O municí­pio de Cor­renti­na (BA), no extremo oeste baiano, virou notí­cia inter­na­cional em 2017, quan­do mil­hares foram às ruas denun­ciar o uso exces­si­vo da água pelas fazen­das, que estari­am reduzin­do a vazão dos rios usa­dos pelas comu­nidades tradi­cionais.

Série Dia do Cerrado. Carreirinha Jamilton. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Car­reir­in­ha luta con­tra o uso exces­si­vo da água por grandes agricul­tores em Cor­renti­na, na Bahia– Arqui­vo pes­soal

O líder da Asso­ci­ação Comu­nitária dos Pequenos Cri­adores do Fecho de Gado Bra­vo, Jamil­ton San­tos de Mag­a­l­hães, con­heci­do como Car­reir­in­ha, avaliou que o protesto não teve muito efeito e que as out­or­gas para o uso da água con­tin­uaram.

“O Esta­do se posi­cio­nou, a meu ver, conivente com o que acon­te­ceu e está acon­te­cen­do ago­ra, liberan­do as out­or­gas nova­mente. Con­tin­ua com a mes­ma práti­ca”, denun­ciou o agricul­tor que vive em uma comu­nidade há cer­ca de 20 quilômet­ros (km) do cen­tro do municí­pio. Na comu­nidade, cria-se gado e plan­ta-se fei­jão, mil­ho, man­dio­ca, entre out­ras cul­turas.

Car­reir­in­ha desta­cou que o pai dele já luta­va pela ter­ra con­tra a expan­são do agronegó­cio na região e que ele con­tin­ua essa luta: “muitos perder­am os ter­ritórios, mas a gente con­tin­ua resistin­do”, afir­mou.

“Não é só pela ter­ra que luta­mos, é pela água e pelo Cer­ra­do porque nes­sas áreas que a gente luta para defend­er o ter­ritório são as úni­cas áreas que restam de Cer­ra­do em pé e, por sinal, são as úni­cas que ain­da têm nascentes vivas”, expli­cou.

Comunidades dissolvidas

O Insti­tu­to Sociedade, Pop­u­lação e Natureza (ISPN) atua apoian­do os povos do Cer­ra­do que enfrentam a expan­são da agropecuária sobre os seus ter­ritórios tradi­cionais há pelo menos 30 anos. A coor­de­nado­ra do Pro­gra­ma Cer­ra­do e Caatin­ga do ISPN Isabel Figueire­do afir­mou que a expan­são do agronegó­cio se dá de for­ma irreg­u­lar, sem respeitar as ter­ras dos povos tradi­cionais.

“Existe um modus operan­di do agronegó­cio de lançar mãos de fraudes no sis­tema car­to­r­i­al que acabam por ocu­par ter­ritórios de povos tradi­cionais”, desta­cou.

“É um proces­so insti­tu­cional­iza­do com pouquís­si­mo con­t­role do Esta­do e que lança mão de mui­ta vio­lên­cia por meio da pre­sença das milí­cias rurais. As milí­cias pas­sam a ocu­par as comu­nidades e a com­prar casas no meio da comu­nidade. Isso vai geran­do uma sen­sação de inse­gu­rança e medo e algu­mas comu­nidades acabam se dis­sol­ven­do” rela­tou Isabel.

MMA

Brasília (DF) 23/08/2023 Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, fala na Comissão do Meio Ambiente do Senado durante audiência pública. Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Repro­dução: Mari­na Sil­va na Comis­são do Meio Ambi­ente do Sena­do — Lula Marques/ Agên­cia Brasil

Em audiên­cia públi­ca no Sena­do no final de agos­to, a min­is­tra do Meio Ambi­ente Mari­na Sil­va infor­mou que a pas­ta está preparan­do um novo plano con­tra o des­mata­men­to do Cer­ra­do que deve ser colo­ca­do em con­sul­ta públi­co neste mês de setem­bro. Ao mes­mo tem­po, Mari­na desta­cou que o plano não terá suces­so sem par­tic­i­pação dos esta­dos.

“Con­sideran­do que mais de 70% dos des­mata­men­tos que estão acon­te­cen­do no Cer­ra­do têm a licença para des­matar, o que nós vamos pre­cis­ar é, dig­amos, revis­i­tar essas licenças para saber o nív­el de legal­i­dade delas”, afir­mou a min­is­tra.

Nos­sa reportagem procurou a Frente Par­la­men­tar Agropecuária (FPA) e a Con­fed­er­ação Nacional da Agri­cul­tura (CNA), rep­re­sen­tantes do agronegó­cio, para comen­tar o des­mata­men­to do bio­ma, mas não obteve retorno até a pub­li­cação des­ta reportagem.

Edição: Denise Griesinger

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