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Presença de trans nas artes reduz preconceito, afirma Renata Carvalho

Repro­dução: © Mar­cus Leoni/Divulgação

Renata Carvalho diz que foram muitas as lutas em 23 anos de carreira


Pub­li­ca­do em 29/01/2024 — 07:30 Por Mar­i­ana Tokar­nia — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Para a religião cristã, as pes­soas foram cri­adas à imagem e semel­hança de Deus. Foi no pal­co, no entan­to, que Rena­ta Car­val­ho perce­beu que isso não vale­ria no caso de uma trav­es­ti. O espetácu­lo que pro­tag­o­ni­zou, Evan­gel­ho Segun­do Jesus, Rain­ha do Céu, foi cen­sura­do diver­sas vezes e chegou a ser sus­pen­so por medi­das judi­ci­ais. Nele, a atriz inter­pre­ta Jesus Cristo, o que inco­mod­ou uma parcela dos espec­ta­dores e tam­bém gente que nem mes­mo assis­tiu à peça.

“Quan­do eu pas­sei no teste [de seleção de elen­co], eu sabia que o Brasil era trans­fóbi­co, óbvio, eu sou uma trav­es­ti, mas eu não imag­i­na­va que tan­to”, diz Rena­ta. “Todo mun­do pode ter a imagem semel­hante à de Jesus, menos a trav­es­ti, porque é imoral, é sex­u­al­izante. Eu lem­bro que quan­do as pes­soas iam assi­s­tir ao espetácu­lo, elas esper­avam encon­trar tudo, vilipên­dio, coisas sex­u­ais, e elas se sur­preen­di­am porque eles encon­travam uma atriz. A grande sur­pre­sa de Jesus é que as pes­soas iam no teatro e encon­travam uma atriz.”

A obra é uma adap­tação brasileira do tex­to da britâni­ca Jo Clif­ford. Nela, é dis­cu­ti­da uma das bases do dis­cur­so cristão, a aceitação de todas as pes­soas inde­pen­den­te­mente de quem sejam. Rena­ta foi dura­mente ata­ca­da e chegou a pre­cis­ar usar colete à pro­va de balas. “Quan­do eu fui ata­ca­da com Jesus, as pes­soas colo­cavam muitas corti­nas de fumaça para poder atacar. E eu dizia, eu sei por que eu estou sendo ata­ca­da, é porque eu sou uma trav­es­ti, e eu con­ceituei isso. E era isso que eles não esper­avam. Eles tam­bém não esper­avam a int­elec­tu­al­i­dade de uma trav­es­ti. Eles não esper­avam que eu pudesse con­ceitu­ar meu cor­po. Eles não esper­avam que eu pudesse ter algo a acres­cen­tar artis­ti­ca­mente, esteti­ca­mente den­tro da arte”, diz.

Rena­ta Car­val­ho é atriz, dra­matur­ga, dire­to­ra e tam­bém transpólo­ga – como ela mes­ma expli­ca: “É uma trav­es­ti que estu­da o cor­po trans e trav­es­ti”. É ain­da grad­uan­da em ciên­cias soci­ais, fun­dado­ra do Movi­men­to Nacional de Artis­tas Trans (Monart), e, den­tro dele, é cri­ado­ra do Man­i­festo Rep­re­sen­ta­tivi­dade Trans Já, Diga Sim ao Tal­en­to Trans. O obje­ti­vo do movi­men­to é inclusão, a profis­sion­al­iza­ção, a per­manên­cia e a rep­re­sen­ta­tivi­dade cole­ti­va de artis­tas trans nos espaços de atu­ação e cri­ação. Além dis­so, o movi­men­to pede o fim do chama­do trans­fake, ou seja, a rep­re­sen­tação de per­son­agens trans por pes­soas que não são trans e que geral­mente é car­rega­da de estereóti­pos.

Rio de Janeiro – Para a religião cristã, as pessoas foram criadas à imagem e semelhança de Deus. Foi no palco, no entanto, que Renata Carvalho percebeu que isso não valeria se se tratasse de uma travesti. O espetáculo que protagonizou, Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, foi censurado diversas vezes e chegou a ser suspenso por medidas judiciais. Nele, a atriz interpreta Jesus Cristo, o que incomodou uma parcela dos espectadores e também gente que nem mesmo assistiu à peça. Foto: Naiara Demarco/Divulgação
Repro­dução:  Rena­ta Car­val­ho diz que pre­sença de pes­soas trans nas artes é fun­da­men­tal– Naiara Demarco/Divulgação

Para Rena­ta, por meio da arte, é pos­sív­el trans­for­mar a sociedade. “A arte tem esse poder de trans­for­mação, de abrir corações, abrir mentes, de colo­car assun­tos ain­da tão obscuros na sociedade, colo­car no pal­co e pro­por a reflexão, o debate. Eu acho que a arte tem esse poder de mudar pen­sa­men­tos, ques­tionar con­ceitos.”

Ela ressalta que é fun­da­men­tal a pre­sença de pes­soas trans nas artes, pois isso leva a uma per­cepção de igual­dade e ao fim de qual­quer tipo de pre­con­ceito.

“A rep­re­sen­ta­tivi­dade faz com que as pes­soas não trans, ou seja, cis­gêneros, con­vi­vam, com os nos­sos cor­pos. E no con­vívio diário, cotid­i­ano, nós vamos con­seguir ter a níti­da per­cepção da igual­dade. E, quan­do nós temos essa per­cepção da igual­dade, nós con­seguimos nat­u­ralizar a pre­sença dos cor­pos trans naque­le espaço. E, quan­do nós nat­u­ral­izamos a pre­sença trans nos espaços, nós resti­tuí­mos a humanidade dess­es cor­pos”.

Rena­ta tem no cur­rícu­lo espetácu­los como Domínio Públi­co e Man­i­festo Trans­pofági­co. São 23 anos de car­reira. Durante esse tem­po, ela diz que foram muitas as lutas.

“Eu já entrei em estú­dio e que as pes­soas riram de mim. Per­gun­taram o que eu esta­va fazen­do ali. Dis­ser­am que a min­ha voz não tin­ha cred­i­bil­i­dade, não era crív­el. Des­de então eu fiquei com trau­ma da min­ha voz”.

Rena­ta ape­nas voltou a gostar da própria voz depois que Ariel Nobre, cineas­ta e artista trans, a con­vi­dou para nar­rar o filme dele, Pre­ciso Diz­er Que Te Amodisponív­el online.

“Quan­do ele me con­vi­dou, eu neguei na hora. E eu falei: ‘Você tá louco? Chamar uma trav­es­ti pra ser nar­rado­ra? Você tá louco?’. Ele falou assim: ‘eu quero que Jesus narre meu filme’. E eu nar­rei. E, quan­do eu fui no cin­e­ma e escutei min­ha voz, eu falei assim, nos­sa, a min­ha voz não é tão feia. Des­de então, eu ven­ho nar­ran­do”, con­ta ela que já nar­rou qua­tro livros em áudio. “Eu digo que eu vou ser o Mil­ton Nasci­men­to e a Fer­nan­da Mon­tene­gro da nar­ração.”

Neste iní­cio de ano, Rena­ta con­ta que deu uma “pausa dramáti­ca” e pre­tende afas­tar-se um pouco do pal­co para dedicar-se à fac­ul­dade, à escri­ta e ao audio­vi­su­al. “Eu vou mais pra escri­ta, eu quero escr­ev­er bas­tante, ten­ho muitas ideias de livros, de peças, eu quero ter­mi­nar a min­ha fac­ul­dade, que eu não con­si­go ter­mi­nar por causa do tra­bal­ho. Eu quero talvez ir pra acad­e­mia tam­bém, eu quero me dedicar mais à min­ha car­reira no audio­vi­su­al”, plane­ja, e garante: “Não vou deixar os pal­cos, mas eu pre­ciso de uma pausa dramáti­ca neste momen­to, repen­sar o meu faz­er artís­ti­co.”

Para mar­car a vis­i­bil­i­dade trans, cuja data é 29 de janeiro, a Agên­cia Brasil pub­li­ca histórias de cin­co artis­tas trans na série Trans­for­man­do a Arte, que segue até o dia 31 de janeiro.

Edição: Juliana Andrade

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