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Programa Antártico do Brasil completa 40 anos

Repro­dução: © Mauri­cio de Almeida/ TV Brasil

Após quase dois anos suspensas, pesquisas brasileiras são retomadas


Pub­li­ca­do em 15/01/2022 — 11:52 Por Pedro Rafael Vilela — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

Uma ter­ra onde a ciên­cia e a paz reinam abso­lu­tas. Nos dias de hoje, parece difí­cil imag­i­nar um lugar assim no plan­e­ta. Mas ele existe. E fica no pon­to mais ao sul da Ter­ra. A Antár­ti­ca cor­re­sponde a um arran­jo geopolíti­co úni­co no mun­do. No dia 1º de dezem­bro de 1959, 12 país­es assi­naram o Trata­do Antár­ti­co. O doc­u­men­to pôs fim às dis­putas que exis­ti­am por porções de ter­ra desse imen­so con­ti­nente. Com isso, abriu cam­in­ho para a liber­dade de explo­ração cien­tí­fi­ca da região, em um regime pací­fi­co de coop­er­ação inter­na­cional.  

O Brasil só viria a assi­nar o trata­do em 1975 e em 1983 pas­sou a inte­grar a chama­da Parte Con­sul­ti­va, com dire­ito a voz e voto sobre as decisões rela­cionadas ao pre­sente e o futuro do con­ti­nente e de seus incal­culáveis recur­sos nat­u­rais. Para ser mem­bro con­sul­ti­vo, o pré-req­ui­si­to exigi­do pelo trata­do é jus­ta­mente que o país pro­mo­va algum tipo de pesquisa na região.

Atual­mente, por­tan­to, o Brasil com­põe um sele­to grupo de 29 país­es que têm estações cien­tí­fi­cas na Antár­ti­ca e que poderão decidir os rumos de tudo o que este­ja rela­ciona­do à explo­ração da região. E essa história começou jus­ta­mente em janeiro de 1982, há exatos 40 anos, quan­do o gov­er­no brasileiro lançou o Pro­gra­ma Antár­ti­co (Proan­tar) e lev­ou os primeiros cien­tis­tas para o con­ti­nente, a bor­do, na época, do navio oceanográ­fi­co W. Besnard.

Repro­dução: Estação Coman­dante Fer­raz, base de pesquisa do Brasil na Antár­ti­ca — Mauri­cio de Almeida/ TV Brasil

“Esse pro­je­to começa ain­da no gov­er­no Geisel, em 1975, com adesão do Brasil ao Trata­do Antár­ti­co, seguin­do pelos anos 1980, com inau­gu­ração da estação cien­tí­fi­ca, depois pas­san­do por todos os gov­er­nos do perío­do democráti­co até o momen­to atu­al. Cer­ta­mente é umas das políti­cas de Esta­do mais bem-suce­di­das do país, difer­ente das descon­tinuidades de pro­je­tos nacionais que esta­mos acos­tu­ma­dos”, disse Paulo Câmara, pro­fes­sor do Insti­tu­to de Ciên­cias Biológ­i­cas da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB) e o primeiro coor­de­nador cien­tí­fi­co des­ig­na­do para a Estação Antár­ti­ca Coman­dante Fer­raz (EACF), a casa do Brasil no con­ti­nente de gelo.

Câmara esteve na estação de out­ubro a dezem­bro do ano pas­sa­do, na primeira leva de cien­tis­tas brasileiros que pis­aram na Antár­ti­ca após quase dois anos de par­al­isação por con­ta da pan­demia da covid-19. Esse hia­to nas pesquisas, que afe­tou prati­ca­mente todos os país­es que atu­am no con­ti­nente, acabou impedin­do que o Brasil estre­asse os mod­er­nos lab­o­ratórios cien­tí­fi­cos con­struí­dos para a nova Estação Coman­dante Fer­raz.

Fun­da­da em 1984, a estação sofreu um incên­dio de grandes pro­porções em 2012. Na tragé­dia, dois mil­itares mor­reram e 70% das insta­lações foram per­di­das. O gov­er­no fed­er­al investiu cer­ca de US$ 100 mil­hões na obra de recon­strução, e a unidade rece­beu os equipa­men­tos mais avança­dos do mun­do.

A entre­ga da base pronta ocor­reu jus­ta­mente no iní­cio de 2020, mas não deu tem­po de retomar os pro­je­tos cien­tí­fi­cos porque cer­ca de dois meses depois foi dec­re­ta­da a emergên­cia de saúde glob­al provo­ca­da pelo novo coro­n­avírus.

Repro­dução: Estação Coman­dante Fer­raz, base de pesquisa do Brasil na Antár­ti­ca — Mauri­cio de Almeida/ TV Brasil

A vol­ta dos pesquisadores para o con­ti­nente de gelo não teve a mes­ma logís­ti­ca de antes. Por causa das restrições da pan­demia, o tem­po de per­manên­cia, que era de cer­ca de um mês, foi esten­di­do para aprox­i­mada­mente três meses, e ago­ra ocorre em duas eta­pas ao lon­go do ano, e não seis, como antes. Além dis­so, os cien­tis­tas tiver­am que ficar 10 dias embar­ca­dos a bor­do do navio de apoio oceanográ­fi­co da Mar­in­ha, o Ary Ron­gel, fazen­do quar­ente­na e sendo sub­meti­dos a exam­es de covid-19. Pes­soas com comor­bidades não pud­er­am via­jar. O tem­po de viagem tam­bém aumen­tou. O per­cur­so ante­ri­or era feito via Pun­ta Are­nas, no extremo sul do Chile. Até ali, os pesquisadores chegavam por via aérea. Em segui­da, embar­cavam num navio para atrav­es­sar o tem­pes­tu­oso Estre­ito de Drake até a Penín­su­la Antár­ti­ca, ou fazi­am um novo voo dire­to até o con­ti­nente aus­tral. Com o Chile fecha­do, a viagem foi fei­ta de navio a par­tir do Rio de Janeiro dire­to para a Antár­ti­ca, um per­cur­so que durou cer­ca de 20 dias em alto mar.

Estrutura de ponta

Em uma área de 4,5 mil met­ros quadra­dos, a nova estação tem capaci­dade para hospedar 64 pes­soas. O novo cen­tro brasileiro de pesquisas na Antár­ti­ca con­ta com 17 lab­o­ratórios de últi­ma ger­ação. Os quar­tos da base, com duas camas e ban­heiro pri­v­a­ti­vo, abrigam pesquisadores e mil­itares com muito mais con­for­to do que antes. A estação tam­bém con­ta com aces­so à inter­net 4G, sala de vídeo, locais para reuniões, acad­e­mia de ginás­ti­ca, coz­in­ha e um ambu­latório para emergên­cias.

“As insta­lações são formidáveis. Con­for­to que antes não se tin­ha aqui, nos per­mite proces­sar os dados que cole­ta­mos aqui e ter um bem-estar garan­ti­do. E com tudo ain­da novo, é um praz­er imen­so com­por o primeiro grupo de pesquisadores que faz uso de tudo isso que é feito para o nos­so tra­bal­ho. Ter ess­es sub­sí­dios e todo o propósi­to de estar aqui e faz­er ciên­cia faz tudo pare­cer um son­ho de pesquisador”, disse Dafne Anjos, estu­dante do déci­mo semes­tre do cur­so de Ciên­cias Biológ­i­cas da UnB, que está na Estação Coman­dante Fer­raz des­de novem­bro de 2021, no primeiro grupo que reto­mou as pesquisas. Envolvi­da com pesquisas sobre mus­gos antár­ti­cos, Dafne Anjos deve ficar pelo menos até fevereiro na base, cole­tan­do amostras e anal­isan­do suas com­posições.

Repro­dução:  Pro­gra­ma Antár­ti­co Brasileiro — Edson Vandeira/National Geo­graph­ic Brasil

Entre as unidades reati­vadas recen­te­mente, está a estação mete­o­rológ­i­ca do Insti­tu­to Nacional de Pesquisas Espa­ci­ais (Inpe), apel­i­da­da de “mete­oro”, que faz medições automáti­cas dire­ta­mente da base brasileira na Antár­ti­ca. Out­ra insta­lação de pesquisa que reto­mou suas ativi­dades foi o módu­lo VLF (Very Low Fre­quen­cy), que real­iza estu­dos sobre a propa­gação eletro­mag­néti­ca na ionos­fera (parte alta da atmos­fera ter­restre). Foi dali que cien­tis­tas pud­er­am acom­pan­har, em dezem­bro do ano pas­sa­do, o eclipse total do Sol. Esse fenô­meno, que ocorre quan­do Sol, Ter­ra e Lua estão total­mente alin­hados, só pôde ser vis­to com­ple­ta­mente da Antár­ti­ca.

Em todas as unidades da estação foram insta­l­adas por­tas cor­ta-fogo e colo­ca­dos sen­sores de fumaça e alarmes de incên­dio. Nas salas onde ficam máquinas e ger­adores, as pare­des são feitas de mate­r­i­al ultra­r­resistente. No caso de um incên­dio, elas con­seguem supor­tar o fogo durante duas horas e não per­mitem que ele se espal­he por out­ros locais antes da chega­da do esquadrão anti-incên­dio. A estação tem ain­da uma usi­na eóli­ca que aprovei­ta os fortes ven­tos antár­ti­cos. Pla­cas para cap­tar ener­gia solar tam­bém foram insta­l­adas na base e vão ger­ar ener­gia, prin­ci­pal­mente no verão, quan­do o sol na Antár­ti­ca bril­ha mais de 20 horas por dia.

“Apren­demos lições ao lon­go desse proces­so, a pon­to de hoje ter­mos essa estação extrema­mente tec­nológ­i­ca e segu­ra, com uma série de recur­sos que per­mitem a gente realizar pesquisa cien­tí­fi­ca de pon­ta na Antár­ti­ca”, desta­ca o capitão de mar e guer­ra Marce­lo Gomes, da Mar­in­ha, que é sub­se­cretário do Proan­tar.

Do pon­to de vista estru­tur­al e tec­nológi­co, a estação cien­tí­fi­ca brasileira está entre as mais mod­er­nas da Antár­ti­ca, só per­den­do em importân­cia para a Estação McMur­do, a enorme base cien­tí­fi­ca dos Esta­dos Unidos, prati­ca­mente uma peque­na cidade que pode abri­gar mais de 2 mil pes­soas, e a Estação Polo Sul Amund­sen-Scott, local­iza­da no Polo Sul geográ­fi­co da Ter­ra, tam­bém con­tro­la­da pelos norte-amer­i­canos.

A chave para o futuro

A Antár­ti­ca é con­sid­er­a­da o prin­ci­pal reg­u­lador tér­mi­co do plan­e­ta, pois con­tro­la as cir­cu­lações atmos­féri­c­as e oceâni­cas, influ­en­cian­do o cli­ma e as condições de vida na Ter­ra. Além dis­so, é deten­to­ra das maiores reser­vas de gelo (90%) e água doce (70%) do mun­do, além de pos­suir incon­táveis recur­sos min­erais e energéti­cos. Sua dimen­são tam­bém impres­siona: são mais de 14 mil­hões de quilômet­ros quadra­dos, quase duas vezes o taman­ho do ter­ritório brasileiro (8,5 mil­hões de quilômet­ros quadra­dos).

Repro­dução: Estação Coman­dante Fer­raz, base de pesquisa do Brasil na Antár­ti­ca — Mauri­cio de Almeida/ TV Brasil

Para o Brasil, que é con­sid­er­a­do o séti­mo país mais próx­i­mo da Antár­ti­ca, estu­dar e com­preen­der os seus fenô­menos nat­u­rais é lit­eral­mente uma questão de sobre­vivên­cia no futuro.

“A Antár­ti­ca está esquen­tan­do e isso vai crian­do dis­túr­bios na sua atmos­fera. Essas cor­rentes mar­in­has que sobem da Antár­ti­ca para o Brasil garan­tem, por exem­p­lo, a qual­i­dade da água que per­mite o desen­volvi­men­to de peix­es pesca­dos na nos­sa cos­ta. Tem tam­bém a influên­cia no regime de chu­vas, já que a mas­sa de ar frio e seco da Antár­ti­ca sobre para a Améri­ca do Sul, onde se encon­tra com a mas­sa de ar quente e úmi­do vin­da da Amazô­nia. O equi­líbrio desse fluxo, onde ora uma pre­dom­i­na sobre a out­ra, é que garante perío­dos alter­na­dos de seca e chu­va que, são essen­ci­ais para o fun­ciona­men­to da agri­cul­tura”, expli­ca Paulo Câmara.

O coor­de­nador cien­tí­fi­co da estação brasileira na Antár­ti­ca enu­mera ain­da out­ras pesquisas rel­e­vantes desen­volvi­das no con­ti­nente gela­do. Uma delas inves­ti­ga espé­cies de fun­go endêmi­cos da região que pode­ri­am ser usa­dos no desen­volvi­men­to de fungi­ci­das para com­bat­er a fer­rugem asiáti­ca, uma doença cau­sa­da por out­ro tipo de fun­go que afe­ta mundial­mente a agri­cul­tura, geran­do per­das bil­ionárias em lavouras como a da soja.

Com o avanço acel­er­a­do das mudanças climáti­cas e o exau­ri­men­to dos recur­sos do plan­e­ta, os olhos de todos devem se voltar para a Antár­ti­ca den­tro de algu­mas décadas. “A Antár­ti­ca é o últi­mo redu­to de recur­sos nat­u­rais da Ter­ra, é uma reser­va para a humanidade”, enfa­ti­za Câmara.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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