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Projeto alia restauração de corais e turismo sustentável em Pernambuco

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Ideia é unir mergulhos nos recifes à reintrodução de espécies


Pub­li­ca­do em 31/10/2023 — 07:59 Por Vitor Abdala – Repórter da Agên­cia Brasil — Ipo­ju­ca (PE)*

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Um pequeno frag­men­to de coral-de-fogo (Mille­po­ra alci­cor­nis) encon­tra­do no leito do mar, despren­di­do do recife e cober­to de areia, estaria fada­do a pere­cer. Em pouco tem­po, perde­ria a sim­biose com as algas zoox­an­te­las, que fornecem grande parte dos nutri­entes para o hidro­co­ral, e mor­re­ria.

Mas, pelo menos em um tre­cho de litoral no municí­pio de Ipo­ju­ca, em Per­nam­bu­co, eles têm grandes chances de ser res­gata­dos pelas mãos de cien­tis­tas e rece­ber os cuida­dos necessários para que se resta­beleçam e pos­sam voltar sadios às fran­jas de recifes.

Ipojuca (PE), 26/10/2023 - A venezuelana María Gabriela Moreno maneja o coral-de-fogo (Millepora alcicornis) na área de pesquisa da Biofábrica de Corais nos recifes de Porto de Galinhas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: A venezue­lana María Gabriela Moreno mane­ja o coral-de-fogo na área de pesquisa da Biofábri­ca de Corais nos recifes de Por­to de Gal­in­has — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Os respon­sáveis por cuidar dessa e de out­ras espé­cies de corais no litoral per­nam­bu­cano são a equipe da Biofábri­ca de Corais, uma peque­na start­up (empre­sa ini­ciante) que, em 2017, rece­beu autor­iza­ção do Insti­tu­to Chico Mendes de Con­ser­vação da Bio­di­ver­si­dade (ICM­Bio) para mane­jar os corais de Por­to de Gal­in­has, em Ipo­ju­ca.

“A gente pega os corais, procu­ran­do sem­pre por uma parte do teci­do ain­da saudáv­el, para garan­tir que ele pos­sa se recu­per­ar. A gente então o frag­men­ta [em partes menores], porque isso favorece o cresci­men­to”, expli­ca María Gabriela Moreno, venezue­lana que coor­de­na as oper­ações da biofábri­ca.

» Clique aqui e leia a série de reporta­gens da Agên­cia Brasil sobre os recifes de corais no litoral do Nordeste

Com a frag­men­tação, um coral se trans­for­ma em vários indi­ví­du­os. Os pedaços são colo­ca­dos em uma base de plás­ti­co ecológi­co, para que pos­sam se recu­per­ar e crescer. O tra­bal­ho é feito em dois locais: no próprio recife, em Por­to de Gal­in­has; ou em tan­ques em uma sala do Cen­tro de Pesquisa e Con­ser­vação da Bio­di­ver­si­dade Mar­in­ha do Nordeste (Cepene), vin­cu­la­do ao ICM­Bio e local­iza­do em Taman­daré, municí­pio viz­in­ho.

Depois que atingem um taman­ho ade­qua­do, os corais são amar­ra­dos em pedaços de pedra ou con­cre­to e reposi­ciona­dos nos recifes de Por­to de Gal­in­has.

Turismo

Por­to de Gal­in­has é, aliás, um des­ti­no turís­ti­co que depende dos corais. Sua atração mais famosa são as pisci­nas nat­u­rais, for­madas no meio dos recifes que se local­izam a poucos met­ros da cos­ta.

Ipojuca (PE), 26/10/2023 - Prática do snorkel em piscinas naturais formadas pelos recifes de corais na praia de Porto de Galinhas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Práti­ca do snorkel em pisci­nas nat­u­rais for­madas pelos recifes de corais na pra­ia de Por­to de Gal­in­has — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Jus­ta­mente por isso, atrai mil­hares de tur­is­tas todos os anos, o que traz recur­sos para a cidade e gera ren­da para os moradores, ao mes­mo tem­po em que ameaça o frágil equi­líbrio desse ecos­sis­tema.

No primeiro semes­tre deste ano, ape­nas uma oper­ado­ra de via­gens embar­cou 20 mil tur­is­tas para Por­to de Gal­in­has, segun­do a prefeitu­ra de Ipo­ju­ca.

“Na ban­ca­da reci­fal, tem aprox­i­mada­mente 80 jan­gadeiros que vivem de levar as pes­soas para pis­ar no coral”, expli­ca o engen­heiro de pesca Rudã Brandão, gestor da Biofábri­ca de Corais.

O pisoteio do recife é ape­nas um dos impactos dire­tos provo­ca­dos pelo tur­is­mo de mas­sa. Tur­is­tas tam­bém esbar­ram nos corais com braços e nadadeiras, que­bran­do estru­turas coralíneas; deix­am lixo nas pisci­nas nat­u­rais; afu­gen­tam a vida sel­vagem; e ali­men­tam peix­es, inter­ferindo no ciclo da natureza.

Ipojuca (PE), 26/10/2023 - Grupos de turistas pisam sobre os recifes de corais em zona de sacrifício durante passeios de jangada praia de Porto de Galinhas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Tur­is­tas pisam sobre os recifes de corais na ‘zona de sac­ri­fí­cio’ durante pas­seios de jan­ga­da, em Por­to de Gal­in­has (PE) — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Arman­do Júnior tem 48 anos e tra­bal­ha como jan­gadeiro des­de que tin­ha 14 anos. Segun­do ele, ape­sar do grande número de tur­is­tas, há hoje uma pre­ocu­pação maior com a preser­vação dos recifes.

O pisoteio, por exem­p­lo, é restri­to às ‘zonas de sac­ri­fí­cio’, mar­cadas por boias, que con­cen­tram os tur­is­tas para evi­tar a degradação de out­ras áreas reci­fais. O número de jan­gadeiros tam­bém é lim­i­ta­do a cer­ca de 80. Não é pos­sív­el alu­gar ou vender o reg­istro de jan­gadeiro, sendo per­mi­ti­do ape­nas passá-lo para um dos fil­hos.

Ipojuca (PE), 26/10/2023 - O jangadeiro Armando Júnior leva turistas para visitar recifes de corais na praia de Porto de Galinhas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: O jan­gadeiro Arman­do Júnior leva tur­is­tas para vis­i­tar recifes de corais em Por­to de Gal­in­has — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“Antes, eu lev­a­va oito, dez pes­soas numa jan­ga­da, deix­a­va lá [no recife] e mar­ca­va um horário para bus­car. Hoje não, o pas­seio tem duração de uma hora e o jan­gadeiro acom­pan­ha em tem­po inte­gral, é lim­i­ta­do o número de pes­soas. O tem­po de per­manên­cia no recife é de 20 min­u­tos. Fica 20 min­u­tos, tira foto e embar­ca na jan­ga­da para uma pisci­na”, con­ta Júnior. “O recife de coral é a min­ha vida, tudo o que eu ten­ho, é graças ao ambi­ente reci­fal”.

Out­ro morador de Ipo­ju­ca que vive dos corais é o instru­tor de mer­gul­ho Pedro Gabriel Maia, de 27 anos:

“Aqui, sem os corais, não teria o tur­is­mo, que é impor­tan­tís­si­mo. É isso que move a cidade, com os pas­seios de jan­ga­da, o mer­gul­ho nas piscin­in­has. Sem os corais, Por­to de Gal­in­has não seria Por­to de Gal­in­has.”

Ipojuca (PE), 26/10/2023 - O instrutor de mergulho Pedro Gabriel Maia opera passeios nos recifes de corais da praia de Porto de Galinhas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: O instru­tor de mer­gul­ho Pedro Gabriel Maia opera pas­seios nos recifes de corais da pra­ia de Por­to de Gal­in­has — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

O exces­so de tur­is­tas, no entan­to, mes­mo com as restrições impostas, colo­ca em risco a própria via­bil­i­dade da pra­ia como um des­ti­no volta­do à exper­iên­cia da natureza. Pedro expli­ca que, há alguns anos, os recifes tin­ham muito mais vida mar­in­ha do que hoje em dia.

Ipojuca (PE), 26/10/2023 - Passeios de jangada para visitar recifes de corais na praia de Porto de Galinhas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Tur­is­tas fazem pas­seios de jan­ga­da para vis­i­tar recifes de corais em Por­to de Gal­in­has (PE) — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“Tin­ha maior quan­ti­dade e maior var­iedade [de espé­cies]. Eu mer­gul­ho há 19 anos e o que pude obser­var ness­es anos mer­gul­han­do é jus­ta­mente a degradação e a diminuição da quan­ti­dade e var­iedade de ani­mais em ger­al, prin­ci­pal­mente dos corais. E o coral é a base de tudo, onde ele vai dimin­uin­do, vai mor­ren­do, vai dimin­uin­do tam­bém a diver­si­dade e a quan­ti­dade de out­ros ani­mais”.

Restauração

Na ten­ta­ti­va de resolver o dile­ma entre o aumen­to do tur­is­mo e a preser­vação ambi­en­tal, a Biofábri­ca de Corais resolveu aproveitar seu pro­je­to de restau­ração para envolver tam­bém os tur­is­tas.

O pro­je­to ofer­ece aos vis­i­tantes a pos­si­bil­i­dade de mer­gul­har nos recifes e, ao mes­mo tem­po, aju­dar na sua con­ser­vação, rein­tro­duzin­do espécimes de corais no seu habi­tat nat­ur­al.

Como é uma empre­sa volta­da para a pesquisa, a biofábri­ca tem autor­iza­ção para explo­rar, com exclu­sivi­dade, uma área do recife de Por­to de Gal­in­has. É nesse local que os corais se repro­duzem e são rein­tro­duzi­dos, com a aju­da dos próprios tur­is­tas.

“A gente está entran­do em uma nova era de relação com a natureza. O recife de coral não pode mais ser con­ce­bido como algo que pode se man­ter soz­in­ho. Todo recife de coral vai pre­cis­ar ter alguém salvaguardando‑o”, expli­ca Rudã Brandão.

“A gente ofer­ece essa exper­iên­cia de a pes­soa ir até a ban­ca­da reci­fal e não destruí-la. Pelo con­trário, ela entre­ga algo mais para a ban­ca­da”.

No litoral de Por­to de Gal­in­has e Taman­daré existe cer­ca de uma dezena de espé­cies de corais con­stru­tores de recifes. Hoje, a biofábri­ca tra­bal­ha com o coral-fogo e tam­bém com a Mus­sis­mil­ia hart­tii, mas a ideia é começar a repro­duzir e rein­tro­duzir out­ras var­iedades.

Ipojuca (PE), 26/10/2023 - A pesquisadora Raiane Albuquerque e a bióloga Johanna Barros manejam fragmentos do coral-de-fogo (Millepora alcicornis) na Biofábrica de Corais, em Porto de Galinhas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: A pesquisado­ra Raiane Albu­querque e a biólo­ga Johan­na Bar­ros mane­jam frag­men­tos do coral-de-fogo (Mille­po­ra alci­cor­nis) na Biofábri­ca de Corais, em Por­to de Gal­in­has (PE) — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Por meio de nota, a Sec­re­taria Estad­ual do Meio Ambi­ente de Per­nam­bu­co infor­mou que os recifes de corais são um dos prin­ci­pais ecos­sis­temas mar­in­hos do esta­do e que, atual­mente, tem dez pro­je­tos volta­dos dire­ta­mente para sua con­ser­vação, como os planos de com­bate ao lixo no mar e de com­bate a espé­cies inva­sores; e o esta­b­elec­i­men­to de regras e zonas para a práti­ca de tur­is­mo náu­ti­co e para a pesca.

Além dis­so, a Sec­re­taria infor­mou que desen­volve ações que, “trans­ver­salmente, estão a ben­e­fi­ciar os recifes de corais, como a Políti­ca Estad­ual de Resí­du­os Sóli­dos, que envolve a capac­i­tação de todos os municí­pios do esta­do para lidar com seus resí­du­os e rejeitos sóli­dos e líqui­dos”, infor­mou a nota.

*A equipe da Agên­cia Brasil via­jou a con­vite da Fun­dação Grupo Boticário

Edição: Denise Griesinger

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