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Quase 1/4 do território brasileiro pegou fogo nos últimos 40 anos

Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Dado inclui incêndios naturais e causados pelo homem


Publicado em 18/06/2024 — 06:42 Por Bruno de Freitas Moura — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Quase um quar­to do ter­ritório brasileiro pegou fogo, ao menos uma vez, no perío­do entre 1985 e 2023. Foram 199,1 mil­hões de hectares, o equiv­a­lente a 23% da exten­são ter­ri­to­r­i­al brasileira.

Da área atingi­da por incên­dio, 68,4% eram veg­e­tação nati­va, enquan­to 31,6% tin­ham pre­sença da ativi­dade humana, notada­mente a agropecuária. O Cer­ra­do e a Amazô­nia são os prin­ci­pais bio­mas víti­mas da ação do fogo, seja de origem nat­ur­al ou provo­ca­da pelo homem. Jun­tos, são 86% da área queima­da.

Os dados obti­dos por meio de com­para­ção de ima­gens de satélite fazem parte de um estu­do divul­ga­do nes­ta terça-feira (18) pelo Map­Bio­mas Fogo, rede que envolve uni­ver­si­dades, orga­ni­za­ções não gov­er­na­men­tais (ONGs) e empre­sas de tec­nolo­gia.

Pelas ima­gens de satélite, os pesquisadores con­seguem anal­is­ar o taman­ho e o padrão históri­co das áreas incen­di­adas, mas não é pos­sív­el apon­tar com certeza o que ini­ciou o fogo.

No entan­to, a coor­de­nado­ra do Map­Bio­mas Fogo e dire­to­ra de Ciên­cia do Insti­tu­to de Pesquisa Ambi­en­tal da Amazô­nia (Ipam), Ane Alen­car, expli­cou à Agên­cia Brasil que é pos­sív­el chegar ao entendi­men­to de que a maior parte das queimadas não tem origem nat­ur­al, quan­do raios, prin­ci­pal­mente, são ini­ci­adores do fogo.

“A gente pode inferir que a grande maio­r­ia é incên­dio cau­sa­do ou ini­ci­a­do pela ativi­dade humana”, apon­ta a geó­grafa.

O prin­ci­pal moti­vo para chegar à con­clusão é o perío­do em que acon­tece grande parte dos incên­dios, que são con­cen­tra­dos em agos­to e setem­bro.

“Onde queima mais, Cer­ra­do, Amazô­nia, e, ago­ra, infe­liz­mente, no Pan­tanal, é perío­do seco, perío­do em que, provavel­mente, é bas­tante difí­cil de acon­te­cerem as descar­gas elétri­c­as das tem­pes­tades”, detal­ha Ane Alen­car.

A estação seca, entre jul­ho e out­ubro, con­cen­tra 79% das ocor­rên­cias de área queima­da no Brasil, sendo que setem­bro responde por um terço do total.

A coor­de­nado­ra do Map­Bio­mas afir­ma que a maior parte da veg­e­tação nati­va incen­di­a­da con­tin­ua sem ocu­pação humana. “Um pequeno per­centu­al das áreas que foram afe­tadas se tor­na, prin­ci­pal­mente, área de pastagem.”

Quase metade (46%) da área queima­da está con­cen­tra­da em três esta­dos: Mato Grosso, Pará e Maran­hão. De cada 100 hectares queima­dos, 60 são em ter­ritórios par­tic­u­lares. Os três municí­pios que mais queimaram entre 1985 e 2023 foram Corum­bá (MS), no Pan­tanal, segui­do por São Felix do Xin­gu (PA), na Amazô­nia, e For­mosa do Rio Pre­to (BA), no Cer­ra­do.

O lev­an­ta­men­to do Map­Bio­mas mostra ain­da que cer­ca de 65% da área afe­ta­da pelo fogo foi queima­da mais de uma vez entre 1985 e 2023. Nesse perío­do, a cada ano, em média 18,3 mil­hões de hectares – equiv­a­lente a uma área pouco menor que o esta­do de Sergipe – são afe­ta­dos pelo fogo.

Brasília (DF) 17/06/2024 - Um quarto do território brasileiro pegou fogo nos últimos 40 anos. Arte EBC

Biomas

Do total da área queima­da ao menos uma vez no país, 44% ficam no Cer­ra­do. São 88,5 mil­hões de hectares – quase metade (44%) da exten­são ter­ri­to­r­i­al do bio­ma. É quase o taman­ho de Mato Grosso.

A pesquisado­ra Ane Alen­car adverte que, emb­o­ra o Cer­ra­do seja uma veg­e­tação mais prepara­da para a ocor­rên­cia de incên­dios, a alta fre­quên­cia com que o fogo afe­ta a região debili­ta o ecos­sis­tema, que apre­sen­ta car­ac­terís­ti­cas savâni­cas, com veg­e­tação rasteira.

“É muito mais difí­cil debe­lar o fogo”, diz ela. “Na hora em que o fogo está mais forte, com muito ven­to, é impos­sív­el com­bat­er.”

Segun­do bio­ma mais afe­ta­do, a Amazô­nia teve 82,7 mil­hões de hectares queima­dos ao menos uma vez. A exten­são rep­re­sen­ta um quin­to (19,6%) do bio­ma amazôni­co.

Nasci­da no Pará e espe­cial­ista em região amazôni­ca, Ane Alen­car aler­ta para o grande peri­go que incên­dios ofer­e­cem a flo­restas.

“For­mações flo­restais não são adap­tadas ao fogo, elas são sen­síveis”, avalia. “Uma vez queimadas, o proces­so de recu­per­ação é muito lento e deixa essas áreas super­in­flamáveis para que haja um segun­do incên­dio. Leva a um proces­so de degradação”, expli­ca.

O bio­ma que mais queimou pro­por­cional­mente a sua área foi o Pan­tanal, com 9 mil­hões de hectares. Emb­o­ra seja ape­nas 4,5% do total nacional, essa exten­são rep­re­sen­ta 59,2% do bio­ma. Por mais que seja adap­ta­do ao fogo, o Pan­tanal enfrenta incên­dios inten­sos prin­ci­pal­mente dev­i­do às secas pro­lon­gadas.

Além de dan­i­ficar a cober­tu­ra veg­e­tal que, entre out­ras con­se­quên­cias, altera o equi­líbrio ambi­en­tal, as queimadas são impor­tantes fontes con­tribuido­ras para o efeito est­u­fa, uma vez que lib­er­am o car­bono armazena­do na bio­mas­sa para a atmos­fera na for­ma de gás car­bôni­co (CO²).

Cicatrizes

O lev­an­ta­men­to do Map­Bio­mas rev­ela a exten­são de “cica­trizes” na natureza, um con­ceito que pas­sou a ser usa­do pela geó­grafa Ane Alen­car a par­tir da déca­da de 1990. Cica­triz é como se chamam as grandes áreas afe­tadas por um úni­co incên­dio.

O bio­ma com maiores cica­trizes é o Pan­tanal. Cer­ca de 25% das áreas afe­tadas têm danos na veg­e­tação que vari­am entre 10 mil e 50 mil hectares. Para efeito de com­para­ção, cada hectare é pouco maior que um cam­po de fute­bol.

Em segui­da, figu­ra o Cer­ra­do, onde pre­dom­i­nam queimadas em áreas entre mil e 5 mil hectares, que respon­dem por 20% do total.

Alastramento

Segun­do a coor­de­nado­ra do Map­Bio­mas, muitas queimadas são ativi­dades ile­gais que se seguem a des­mata­men­tos.

“Fogo é a fer­ra­men­ta mais bara­ta de trans­for­mação dessa bio­mas­sa [resul­tante de des­mata­men­to] em nutri­entes para o solo. Muitas vezes as pes­soas vão queimar aque­la área des­mata­da, não prestam atenção e não con­tro­lam o fogo, então a queima­da escapa para flo­res­ta, cam­po nati­vo ou área de Cer­ra­do e gera incên­dios”, diz Ane Alen­car.

A pesquisado­ra lem­bra, no entan­to, que o uso do fogo é per­mi­ti­do por pro­du­tores rurais, mas que é pre­ciso cuida­do para que a queima­da seja con­tro­la­da e não se alas­tre.

“O uso do fogo para queima de pasta­gens é per­mi­ti­do, mas tem que ter licença, a licença é impor­tante”, obser­va.

“Você vai rece­ber ori­en­tação do tipo ‘não coloque fogo em deter­mi­na­do horário’. ‘Se tem muitos viz­in­hos colo­can­do fogo no mes­mo dia, faça no out­ro dia’. Quan­do você pede licença pre­vi­a­mente, os bombeiros podem ficar em aler­ta”, acon­sel­ha.

Tendência

A pesquisado­ra do Map­Bio­mas avalia que, a par­tir da primeira déca­da dos anos 2000, incen­tivos para mel­hor gestão ambi­en­tal aju­daram a con­tro­lar as queimadas. “Foi dimin­uin­do o des­mata­men­to e tam­bém a área queima­da.”

No entan­to, adverte ela, a par­tir de 2019, “hou­ve um aumen­to expres­si­vo no des­mata­men­to e da área queima­da”.

Ela acres­cen­ta que, em 2023, con­tin­u­ou o aumen­to de queimadas, porém, por causa de mudanças climáti­cas, que causaram secas sev­eras, o que con­tribuiu para que ter­renos ficas­sem mais sen­síveis a alas­tra­men­to de incên­dios.

“O que acon­te­ceu em 2023, prin­ci­pal­mente na Amazô­nia, é que, na região onde hou­ve a redução do des­mata­men­to, hou­ve uma redução do fogo em ger­al, das queimadas e incên­dios.”

Padrão histórico

A pesquisado­ra con­sid­era que o estu­do apre­sen­ta infor­mações rel­e­vantes, como o padrão históri­co dos incên­dios, que podem aju­dar as autori­dades na elab­o­ração de estraté­gias de pre­venção, con­t­role e com­bate a queimadas.

“Ess­es dados podem aju­dar muito a enten­der áreas que estão sob maior risco de incên­dios, ser uti­liza­dos em proces­sos de respon­s­abi­liza­ção, para mon­i­torar se a questão climáti­ca está real­mente impactan­do o aumen­to de incên­dios”, exem­pli­fi­ca.

“São vários usos, des­de o mapea­men­to de ações de pre­venção, mel­ho­ria dos plane­ja­men­tos e inves­ti­men­tos para mel­hor uso da ter­ra”, com­ple­ta.

Sala de crise

O estu­do foi divul­ga­do poucos dias depois de o gov­er­no fed­er­al insta­lar uma sala de crise para mon­i­torar e enfrentar prob­le­mas de queimadas e secas no país, espe­cial­mente no Pan­tanal e na Amazô­nia. A medi­da foi anun­ci­a­da na sex­ta-feira (14), e a primeira reunião foi na segun­da-feira (17).

Na avali­ação da min­is­tra do Meio Ambi­ente e Mudança do Cli­ma, Mari­na Sil­va, há um agrava­men­to dos prob­le­mas de natureza climáti­ca, e as con­se­quên­cias chegarão mais cedo este ano, com reper­cussão ambi­en­tal “muito grave”.

“Em função dis­so, já esta­mos agin­do na lóg­i­ca da gestão do risco e não ape­nas do desas­tre”, disse Mari­na.

Em out­ra ação, o gov­er­no lançou no começo de abril o pro­gra­ma União com Municí­pios pela Redução do Des­mata­men­to e Incên­dios Flo­restais na Amazô­nia. A ini­cia­ti­va pre­vê inves­ti­men­tos de R$ 730 mil­hões para pro­mover o desen­volvi­men­to sus­ten­táv­el e com­bat­er o des­mata­men­to e incên­dios flo­restais em 70 municí­pios pri­or­itários na Amazô­nia. Os municí­pios aptos a par­tic­i­par da ini­cia­ti­va foram respon­sáveis por cer­ca de 78% do des­mata­men­to no bio­ma no ano de 2022.

No fim de março, o gov­er­no fed­er­al fir­mou um pacto com gov­er­nadores dos esta­dos do Cer­ra­do para com­bat­er o des­mata­men­to. O acor­do inclui pro­postas como a cri­ação de força-tare­fa para imple­men­tação de ações con­jun­tas. Estiver­am pre­sentes rep­re­sen­tantes de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, do Tocan­tins, da Bahia e do Dis­tri­to Fed­er­al. A artic­u­lação com é pre­vista no Plano de Ação para Pre­venção e Con­t­role do Des­mata­men­to no Cer­ra­do (PPCer­ra­do), lança­do em novem­bro de 2023.

Edição: Juliana Andrade

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