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Quase 90% dos mortos por policiais em 2023 eram negros, diz estudo

Pesquisa destaca peso do racismo na segurança pública

Rafael Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 07/11/2024 — 06:30
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro (RJ), 17/08/2023 - O movimento de familiares de vítimas de violência policial do estado do Rio de Janeiro faz ato, em frente ao Palácio Guanabara, para protestar contra as operações letais que ocasionaram mais de 100 vítimas no Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Estu­do pub­li­ca­do nes­ta quin­ta-feira (7) pela Rede de Obser­vatórios da Segu­rança mostra que 4.025 pes­soas foram mor­tas por poli­ci­ais no Brasil em 2023. Em 3.169 dess­es casos foram disponi­bi­liza­dos os dados de raça e cor: 2.782 das víti­mas eram pes­soas negras, o que rep­re­sen­ta 87,8%.

Os dados do bole­tim Pele Alvo: Mortes Que Rev­e­lam Um Padrão, que está na quin­ta edição, foram obti­dos via Lei de Aces­so à Infor­mação (LAI) em nove esta­dos. Em todos eles, o padrão é de uma pro­porção muito alta de pes­soas negras mor­tas por inter­venção do Esta­do: Ama­zonas (92,6%), Bahia (94,6%), Ceará (88,7%), Maran­hão (80%), Pará (91,7%), Per­nam­bu­co (95,7%), Piauí (74,1%), Rio de Janeiro (86,9%) e São Paulo (66,3%).

Para a cien­tista social e coor­de­nado­ra da Rede, Sil­via Ramos, os números são “escan­dalosos” e reforçam um prob­le­ma estru­tur­al do país: o racis­mo que atrav­es­sa difer­entes áreas como edu­cação, saúde, mer­ca­do de tra­bal­ho, mas que tem sua face mais críti­ca na segu­rança públi­ca.

“O per­fil do sus­peito poli­cial é for­t­ale­ci­do nas cor­po­rações. O poli­cial aprende que deve tratar difer­ente um jovem bran­co vesti­do de ter­no na cidade e um jovem negro de bermu­da e chine­lo em uma favela. A questão é: 99,9% dos jovens negros das fave­las e per­ife­rias estão de bermu­da e chine­lo. E todos pas­sam a ser vis­tos como perigosos e como pos­síveis alvos que a polí­cia, se pre­cis­ar, pode matar”, diz a pesquisado­ra.

Na análise por esta­dos, a Bahia é a unidade da Fed­er­ação com a polí­cia mais letal, com 1.702 mortes. Esse foi o segun­do maior número já reg­istra­do des­de 2019 den­tre todos os esta­dos mon­i­tora­dos. Na sequên­cia, vem Rio de Janeiro (871), Pará (530), São Paulo (510), Ceará (147), Per­nam­bu­co (117), Maran­hão (62), Ama­zonas (59) e Piauí (27).

“O que a gente vê na Bahia é uma escal­a­da. Des­de que a Rede começou a mon­i­torar o esta­do, hou­ve um aumen­to de 161% nas mortes. De 2019 a 2023, acon­te­ceu o seguinte den­tro da polí­cia baiana: em vez de coibir o uso da força letal, hou­ve incen­ti­vo. Pode ter certeza, não é só porque os crim­i­nosos estão con­frontan­do mais a polí­cia. É porque tem uma polí­cia cuja ação letal foi lib­er­a­da”, diz a cien­tista social. “Se os poli­ci­ais matam muito, recebem con­grat­u­lações dos coman­dantes e incen­tivos insti­tu­cionais, a tendên­cia é que tipo de ação vio­len­ta seja cada vez mais incen­ti­va­da”.

Juventude

O estu­do tam­bém desta­ca que a juven­tude é a parcela da pop­u­lação mais viti­ma­da pela polí­cia, prin­ci­pal­mente na faixa etária entre 18 a 29 anos. E cita o Ceará como exem­p­lo neg­a­ti­vo, onde esse grupo rep­re­sen­ta 69,4% do total de mor­tos. Ain­da mais grave é o dado que indi­ca que, em todos os esta­dos anal­isa­dos, 243 das víti­mas eram cri­anças e ado­les­centes de 12 a 17 anos.

Particularidades regionais

Alguns esta­dos tiver­am redução na letal­i­dade poli­cial. Caso do Ama­zonas, onde ocor­reu que­da de 40,4% e mudança na dis­tribuição ter­ri­to­r­i­al das víti­mas: a maio­r­ia das mortes foi no inte­ri­or do esta­do. Maran­hão, Piauí e Rio de Janeiro tam­bém apre­sen­taram diminuição da letal­i­dade em relação a 2022: 32,6%, 30,8% e 34,5%, respec­ti­va­mente.

No Ceará e no Pará, foram reg­istradas quedas mais disc­re­tas de mortes por inter­venção do Esta­do: 3,3% e 16% respec­ti­va­mente. Mas o número de víti­mas negras aumen­tou em 27% no Ceará e em 13,7% no Pará.

Na Bahia, há uma cres­cente expo­nen­cial, com reg­istro de três víti­mas negras por dia em 2023. O número de víti­mas aumen­tou em 16,1%. Per­nam­bu­co foi o esta­do que reg­istrou o maior aumen­to no número de mor­tos, com 28,6% mais casos que em 2022. Já São Paulo que­brou o históri­co de redução e aumen­tou em 21,7% os óbitos nas ações da polí­cia.

Dados ausentes

Pela primeira vez des­de 2021, quan­do pas­sou a inte­grar o estu­do, o Maran­hão forneceu dados de raça e cor de víti­mas da letal­i­dade poli­cial. Mas de maneira incom­ple­ta: 5 a cada 7 víti­mas não tiver­am o per­fil racial recon­heci­do, ou seja, a infor­mação esta­va pre­sente em ape­nas 32,3% dos casos.

O Ceará teve uma leve mel­ho­ra, mas 63,9% das víti­mas ain­da não têm raça e cor recon­heci­das. No Ama­zonas, ess­es são 54,2% dos casos. No Pará, os não infor­ma­dos rep­re­sen­tam 52,3%.

No total, 856 víti­mas não pos­suem reg­istros de raça e cor nos nove esta­dos. Os orga­ni­zadores do estu­do reforçam a importân­cia de que os gov­er­nos sejam trans­par­entes e inclu­am ess­es dados em 100% dos casos para uma análise qual­i­fi­ca­da da real­i­dade. Des­ta for­ma, afir­mam, o Poder Públi­co poderá dire­cionar esforços para uma sociedade mais segu­ra para todos.

Secretarias

A reportagem da Agên­cia Brasil entrou em con­ta­to com algu­mas das sec­re­tarias estad­u­ais de segu­rança para se man­i­festarem sobre o estu­do.

A Sec­re­taria de Segu­rança Públi­ca e Defe­sa Social do Pará (Segup) disse que tem “investi­do na qual­i­fi­cação dos agentes e em equipa­men­tos tec­nológi­cos que legit­i­mam as ações de segu­rança, como o uso de 1.600 câmeras cor­po­rais (body­cams) por agentes. Além dis­so, foram adquiri­dos para as polí­cias Mil­i­tar e Civ­il arma­men­tos de inca­pac­i­tação neu­ro­mus­cu­lar, visan­do a con­tenção sem risco de lesões graves”.

E que tam­bém tem sido imple­men­tadas políti­cas de inclusão social, como as nove Usi­nas da Paz, com­plexo mul­ti­fun­cional estad­ual com serviços gra­tu­itos de pro­moção da cidada­nia e de com­bate à vio­lên­cia. A Segup atribui a essas ini­cia­ti­vas a redução de 15,89% nas Mortes por Inter­venção de Agentes do Esta­do (MIAE) de janeiro a dezem­bro de 2023, na com­para­ção com o mes­mo perío­do de 2022.

Já a Sec­re­taria Estad­ual de Segu­rança Públi­ca do Rio de Janeiro infor­mou que se baseia nas estatís­ti­cas crim­i­nais ofi­ci­ais pro­duzi­das pelo Insti­tu­to de Segu­rança Públi­ca (ISP). E cita a cat­e­go­ria Letal­i­dade Vio­len­ta, em que hou­ve redução de 15% no acu­mu­la­do e de 16% no últi­mo mês, em com­para­ção com os mes­mos perío­dos de 2023. A cat­e­go­ria, no entan­to, jun­ta em um mes­mo grupo tipos de vio­lên­cia dis­tin­tos, como homicí­dios dolosos, latrocínios (rou­bos segui­dos de morte), lesões cor­po­rais seguidas de morte e mortes por inter­venção de agentes do Esta­do. Disse ain­da que “descon­hece a metodolo­gia uti­liza­da na pesquisa e a pos­si­bil­i­dade de ras­tre­abil­i­dade dos dados”. Acres­cen­ta que “as mortes de crim­i­nosos em con­fron­to acon­te­ce­r­am em decor­rên­cia de agressões prat­i­cadas con­tra agentes do Esta­do, que atu­am visan­do a cap­tura e a respon­s­abi­liza­ção dos mes­mos”. E que a “insti­tu­ição reforça que as ações pri­or­izam sem­pre a preser­vação de vidas”.

De acor­do com a Sec­re­taria de Esta­do dos Negó­cios da Segu­rança Públi­ca de São Paulo (SSP-SP), “as mortes em decor­rên­cia de inter­venção poli­cial são resul­ta­do da reação de sus­peitos à ação da polí­cia”. O órgão garante que todos os casos do tipo são inves­ti­ga­dos com rig­or pelas polí­cias Civ­il e Mil­i­tar, com acom­pan­hamen­to das cor­rege­do­rias, Min­istério Públi­co e Poder Judi­ciário. A SSP-SP disse estar investin­do “con­tin­u­a­mente na capac­i­tação do efe­ti­vo, aquisição de equipa­men­tos de menor poten­cial ofen­si­vo e em políti­cas públi­cas”.

A Sec­re­taria da Segu­rança Públi­ca e Defe­sa Social do Ceará (SSPDS) disse ter com­pro­mis­so em “reduzir estig­mas e a vul­ner­a­bil­i­dade con­tra pes­soas negras” e que dialo­ga com a Sec­re­taria de Igual­dade Racial (Seir) para artic­u­lar ações de com­bate à dis­crim­i­nação. A pas­ta afir­mou tratar “todas as mortes decor­rentes de inter­venção poli­cial com seriedade e transparên­cia”. Infor­mou ain­da que vai lançar em breve uma nova tec­nolo­gia para cruzar dados estratégi­cos dos inquéri­tos poli­ci­ais e lev­an­ta­men­tos da Super­in­tendên­cia de Pesquisa e Estraté­gia de Segu­rança Públi­ca (Supe­sp), assim como o per­fil das víti­mas de crimes. A sec­re­taria garan­tiu que os profis­sion­ais da segu­rança públi­ca par­tic­i­pam de for­mações ini­ci­ais e con­tin­u­adas para o atendi­men­to human­iza­do às pes­soas negras e demais gru­pos vul­neráveis.

Os gov­er­nos da Bahia e de Per­nam­bu­co não respon­der­am até o momen­to.

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