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Quebradeiras de babaçu melhoram produção, mas convivem com ameaças

Repro­dução: © Fotos Ingrid Bar­ros

Trabalhadoras vivem na região do Bico do Papagaio, no Tocantins


Pub­li­ca­do em 01/01/2024 — 13:05 Por Luiz Clau­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Às 5h30, a lida começa. Ces­ta na cabeça, macha­do e facão nas mãos. É pre­ciso dis­posição para entrar em meio à flo­res­ta em bus­ca das palmeiras do coco babaçu.

Na roti­na de pelo menos 500 mul­heres, em 25 núcleos, que vivem na região do Bico do Papa­gaio, no norte do Tocan­tins, a bus­ca pelo fru­to, que garante o sus­ten­to das famílias,conta com cam­in­hadas con­jun­tas, mutirão, can­tos e tradição. Elas pre­cis­aram mel­ho­rar a orga­ni­za­ção no dia a dia diante do receio de vio­lên­cias, des­mata­men­to, agrotóx­i­cos e, tam­bém, de mudanças climáti­cas.

Tocantins 27/12/2023 Quebradeiras de babaçu no TO melhoram produção, mas convivem com ameaças. Quebradeira, Maria do Socorro. Fotos Ingrid Barros.
Repro­dução: Pro­du­tos têm rótu­lo da Asso­ci­ação Region­al das Tra­bal­hado­ras Rurais do Bico do Papa­gaio. Fotos: Ingrid Bar­ros.

Um sím­bo­lo da reor­ga­ni­za­ção foi o fun­ciona­men­to, a par­tir deste mês, de um entre­pos­to na cidade de São Miguel do Tocan­tins (TO) para ben­e­fi­ci­a­men­to de pro­du­tos do babaçu, fru­to da agri­cul­tura famil­iar. No local, o  meso­car­po do fru­to é trit­u­ra­do e trans­for­ma­do em far­in­ha. As tra­bal­hado­ras lev­am o coco tam­bém para trans­for­mar em óleo e em azeite. O pro­du­to é pro­duzi­do e ven­di­do em comér­cios como ven­das e feiras, pelas próprias tra­bal­hado­ras.

“Quebro coco o dia todo”

Os pro­du­tos recebem o rótu­lo da Asso­ci­ação Region­al das Mul­heres Tra­bal­hado­ras Rurais do Bico do Papa­gaio, enti­dade ao qual estão vin­cu­ladas. As tra­bal­hado­ras divi­dem o lucro dess­es pro­du­tos. “Que­bro coco o dia tod­in­ho. Tor­ro, tiro o azeite, faço o sabão. O entre­pos­to mel­ho­ra nos­sa vida. Além de proces­sar nos­so pro­du­to, de proces­sar, empa­co­tar, embalar, com­er­cializar, fornecer nos­sa ren­da famil­iar”, afir­ma a coor­de­nado­ra da asso­ci­ação, a agricul­to­ra Maria do Socor­ro Teix­eira Lima, de 72 anos, morado­ra do municí­pio de Pra­ia Norte (TO).

Tocantins 27/12/2023 Quebradeiras de babaçu no TO melhoram produção, mas convivem com ameaças. Quebradeira, Maria do Socorro. Fotos Ingrid Barros.
Repro­dução: Maria do Socor­ro fala sobre difi­cul­dades que enfrentam na região. Fotos: Ingrid Bar­ros

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“Que­bro coco des­de os sete anos de idade. São muitos anos de mac­etadas”. Hoje, garante, as cri­anças não vão para a flo­res­ta. Têm que se pre­ocu­par em estu­dar e brin­car.

Ela espera que as tra­bal­hado­ras con­tem com políti­cas como o Pro­gra­ma Nacional de Ali­men­tação Esco­lar (PNAE) e o Pro­gra­ma de Aquisição de Ali­men­tos (PAA) para poder vender o pro­du­to para as esco­las da região e trans­for­mar esse ali­men­to region­al em meren­da para as cri­anças. “Esse é o nos­so son­ho. Nos­so entre­pos­to vai ser muito impor­tante para isso”.

“Morrendo em pé”

Maria do Socor­ro entende que, entre os prob­le­mas que as tra­bal­hado­ras teste­munham, está o uso de agrotóx­i­cos por parte de lat­i­fundiários da região. “As palmeiras estão mor­ren­do em pé. Out­ro prob­le­ma é que, com a dev­as­tação da flo­res­ta, as árvores estão fican­do cada vez mais dis­tantes”, expli­ca.

Uma con­quista que as tra­bal­hado­ras comem­o­ram é a Lei do Babaçu Livre ( Lei n° 9.159/2008) que, em 2023, com­ple­tou 15 anos.

A leg­is­lação pre­vê a pro­teção às palmeiras no esta­do do Tocan­tins. Piauí, Maran­hão e Mato Grosso têm regras sim­i­lares. “Do babaçu, nós tiramos o carvão que coz­in­hamos a nos­sa comi­da e nós vendemos para com­prar as out­ras coisas. Tiramos o óleo que faz o sabão, que lava­mos a roupa e que tem­per­amos a nos­sa comi­da. A gente tira o flo­co do babaçu para a far­in­ha. A gente tira o leite tam­bém que tem­pera nos­sas comi­das. Nós pre­cisamos dar as mãos e con­tin­uar lutan­do para que o nos­so babaçu per­maneça em pé”.

A agricul­to­ra Raimun­da Gomes, que mor­reu em 2018, gan­hou atenção inter­na­cional ao bus­car vis­i­bil­i­dade para as tra­bal­hado­ras e foi uma das prin­ci­pais respon­sáveis pela aprovação da lei que pro­tege as tra­bal­hado­ras e as palmeiras. Leia mais.

Recursos

Para o entre­pos­to fun­cionar, hou­ve inves­ti­men­tos de enti­dades como  o Cen­tro de Agri­cul­tura Alter­na­ti­va do Norte de Minas Gerais (CAA), DGM Brasil, Alter­na­ti­va para a Peque­na Agri­cul­tura no Tocan­tins (Apa-TO), Fun­do Amazô­nia, Ban­co Mundi­al, Cli­mate Invest­ment Funds (CIF) e CERES Pro­je­to Cer­ra­do Resiliente. A revi­tal­iza­ção do espaço e a com­pra de maquinário tiver­am um inves­ti­men­to de mais de R$ 250 mil.

“Ao terem aces­so a um local reg­u­lar­iza­do jun­to à vig­ilân­cia san­itária, elas não ape­nas garan­tem a qual­i­dade e segu­rança dos pro­du­tos, mas tam­bém abrem por­tas para novos mer­ca­dos”, expli­cou Sel­ma Yuki Ishii, dire­to­ra da Alter­na­ti­va para a Peque­na Agri­cul­tura no Tocan­tins (APA-TO).

Para a que­bradeira de coco Rozeny Batista Alexan­dre, de 46 anos, de Axixá do Tocan­tins (TO), o entre­pos­to foi um son­ho con­cretiza­do porque pas­sa a rece­ber maior aval para comér­cio. “Foi com o coco que a gente criou e for­mou nos­sos fil­hos. Tra­bal­hamos para colo­car uma ali­men­tação saudáv­el na mesa”.

Tocantins 27/12/2023 Quebradeiras de babaçu no TO melhoram produção, mas convivem com ameaças. Quebradeira, Maria do Socorro. Fotos Ingrid Barros.
Repro­dução: Mudanças no cli­ma alter­am a pro­dução no cer­ra­do. Fotos: Ingrid Bar­ros.

Ela, que tra­bal­ha com o pro­du­to des­de cri­ança, con­tex­tu­al­iza que a maio­r­ia das tra­bal­hado­ras não tem ter­ra própria. “A gente faz uso dos cocos na ter­ra alheia. Isso quan­do o dono per­mite. Porque já acon­te­ceu de muitos de nós sofr­erem agressões. Mas a lei nos pro­tege para extrair o coco.”

Entressafra

Quan­do cri­ança, Rozeny recor­da, o babaçu era somente para con­sumo em casa. “Que­bra­va durante o dia, ia na qui­tan­da à noite e tro­ca­va por aluguel. Naque­la época, era só o coco e o carvão. Usa­va pal­ha para faz­er a esteira e cobrir a casa. Hoje a gente tem out­ros deriva­dos do babaçu.”

As mudanças climáti­cas alter­am a pro­dução no cer­ra­do. Mas, nor­mal­mente, deste final de dezem­bro até abril ocorre a entres­safra. “Começa a cair de maio a out­ubro. A gente cole­ta o coco no mato”. As tra­bal­hado­ras lavam o fru­to, tiram a cas­ca e a mas­sa. O pro­du­to é seco e trit­u­ra­do. “A gente chama a palmeira de mãe. Ela tem um tem­po de vida, de 50 a 80 anos. A par­tir dos 30, o cacho começa a diminuir. Por isso, pre­cisamos tratá-la bem”. A tra­bal­hado­ra se van­glo­ria que os pro­du­tos caíram no gos­to das pes­soas veg­anas. “Tem mui­ta fibra, é diuréti­co e afrodis­ía­co. Só faz bem”.

A agricul­to­ra diz que é cul­tur­al da região o fato da maio­r­ia das pes­soas que tra­bal­ham com o coco babaçu ser mul­her. “É uma tradição o mari­do ir para a roça e a mul­her para o babaçu. “A gente sofreu na infân­cia que­bran­do coco. Mas eu fala­va que não que­ria que meu fil­ho pas­sasse pelo que eu pas­sei”.

Como inte­grante da asso­ci­ação, Rozeny expli­ca que o tra­bal­ho em mutirão faz com que haja uma colab­o­ração cole­ti­va e ninguém se sin­ta soz­in­ha na flo­res­ta. “É muito difí­cil que­brar soz­in­ha. A gente sen­ta em roda e can­ta enquan­to que­bra o coco com o macha­do. A gente son­ha em con­seguir com­prar uma máquina para mel­ho­rar isso”.

Tocantins 27/12/2023 Quebradeiras de babaçu no TO melhoram produção, mas convivem com ameaças. Quebradeira, Maria do Socorro. Fotos Ingrid Barros.
Repro­dução: Tra­bal­ho em mutirão faz com que haja colab­o­ração e não se sin­tam soz­in­has na flo­res­ta. Fotos Ingrid Bar­ros.

Out­ro son­ho, da aposen­ta­do­ria, gan­hou real­i­dade no tra­bal­ho coop­er­a­ti­vo. As tra­bal­hado­ras são ori­en­tadas a pagar INSS. Quan­do era mais jovem, que­ria estu­dar e falar na Rádio Nacional da Amazô­nia, que a acom­pan­ha­va enquan­to anda­va na flo­res­ta.

“Eu que­ria ter sido jor­nal­ista. Escr­ev­er sobre min­ha comu­nidade. Mas meus pais foram escrav­iza­dos. Tra­bal­havam ape­nas para com­er. Hoje eu sou téc­ni­ca em con­tabil­i­dade e ten­ho vários cur­sos, inclu­sive de estu­dos de raízes.”  A situ­ação mel­horou e desco­briu que a raiz do tra­bal­ho era do taman­ho da palmeira de babaçu.

Edição: Maria Clau­dia

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