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“Quebrei barreiras”, diz 1ª mulher brasileira em missão de paz no mar

Repro­dução:  © Car­la Daniel/Arquivo pes­soal

Carla Daniel Peixoto participou de operação a bordo de navio no Líbano


Publicado em 24/06/2024 — 07:45 Por Cristina Indio do Brasil — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Primeira mul­her a inte­grar uma mis­são de paz da Orga­ni­za­ção das Nações Unidas (ONU) a bor­do de um navio, a capitão de mar e guer­ra Car­la Cristi­na Daniel Bas­tos Peixo­to diz acred­i­tar que abriu cam­in­ho para a par­tic­i­pação de out­ras mil­itares em oper­ações semel­hantes.

“Para mim foi uma grande expec­ta­ti­va porque fui a primeira a con­seguir que­brar essa bar­reira de ter mul­her a bor­do de um navio em mis­são de paz. Foi meio um exper­i­men­to para ver se ia dar cer­to. Fui soz­in­ha, eram 263 home­ns e eu”, lem­bra Car­la Daniel, que inte­grou a Força-Tare­fa Marí­ti­ma da Força Inte­ri­na das Nações Unidas no Líbano (Unifil, na sigla em inglês), em 2014 e 2015.

O local de tra­bal­ho da então capitão de corve­ta era a Fra­ga­ta Con­sti­tu­ição, que fazia patrul­hamen­to do litoral libanês.

Rio de Janeiro (RJ) 24/06/2024 - Treinamento do Curso de Missão de Paz Foto: Carla Daniel/Arquivo pessoal
Repro­dução: Rio de Janeiro — Treina­men­to do Cur­so de Mis­são de Paz — Foto Car­la Daniel/Arquivo pes­soal

“É uma das mis­sões mais anti­gas, e está ali no Sul do Líbano fazen­do a con­tenção entre Líbano e Israel, que ago­ra já voltou em con­vul­são, porque é mais ou menos a região onde fica local­iza­do o Hezbol­lah [movi­men­to políti­co e para­mil­i­tar fun­da­men­tal­ista islâmi­co xiita apoia­do pelo Irã]. Essa mis­são está lá e o quar­tel-gen­er­al está no Sul do Líbano, mas eu fica­va a bor­do da fra­ga­ta Con­sti­tu­ição”, con­tou em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Durante dez anos, Car­la Daniel bus­cou a par­tic­i­pação em uma mis­são de paz da ONU. Nesse perío­do, diante de tan­ta expec­ta­ti­va, ela se preparou para a função. “Você se blin­da tod­in­ha para chegar ali e cumprir a mis­são. Fui na qual­i­dade de ofi­cial de comu­ni­cação social e assis­tente do almi­rante da força-tare­fa marí­ti­ma.”

Durante o perío­do em que par­ticipou da mis­são de paz, hou­ve a morte de um mil­i­tar da Espan­ha. “Eu tin­ha saí­do daque­le local quan­do hou­ve um ataque, mas naque­le momen­to que per­maneci foi um [perío­do] mais estáv­el, não se com­para com o que está acon­te­cen­do ago­ra. O Líbano é uma eter­na ten­são, mes­mo que não este­ja ten­do ataque, a qual­quer momen­to tudo pode mudar, mas as pes­soas vivem felizes sem­pre com cautela”, obser­va.

A pre­ocu­pação com os impactos no comér­cio exte­ri­or lev­ou à neces­si­dade de pro­te­ger o litoral libanês. “Noven­ta e cin­co por cen­to do comér­cio exte­ri­or do Líbano é feito pelo mar. Como em anos ante­ri­ores hou­ve um embar­go de Israel, foi cri­a­da essa força-tare­fa marí­ti­ma para poder per­mi­tir que as transações com­er­ci­ais ocor­ressem e, ao mes­mo tem­po, evi­tar que hou­vesse con­tra­ban­do de armas ou qual­quer out­ro ilíc­i­to vin­do de fora”, expli­ca, acres­cen­tan­do que ain­da no Líbano par­ticipou de ações cívi­co-soci­ais da ONU no Está­gio de Coor­de­nação Civ­il-Mil­i­tar (Civ­il-Mil­i­tary Coor­di­na­tion Course, CIMIC, sigla em inglês).

Poder inte­grar uma mis­são no Líbano teve ain­da uma questão afe­ti­va, uma vez que Car­la Daniel é bis­ne­ta de libane­ses e, no perío­do em que esteve no país, pôde estre­itar o rela­ciona­men­to com par­entes que moram no país. “Isso me abriu muitas por­tas”, lem­bra.

Antes de Car­la ser a primeira man­tene­do­ra da paz no mar, duas out­ras mil­itares tin­ham par­tic­i­pa­do de mis­sões em ter­ra. “Eu fui a ter­ceira peace­keep­er, man­tene­do­ra da paz da Mar­in­ha, mas a primeira a ser empre­ga­da em oper­ações de paz no mar”, desta­ca. A aprovação em um con­cur­so com exten­so proces­so de com­pro­vações e par­tic­i­pação de rep­re­sen­tantes de vários país­es a lev­ou para a segun­da função fora do Brasil. Durante três anos, a capitão de fra­ga­ta atu­ou no Depar­ta­men­to de Oper­ações de Paz, na sede da ONU em Nova York, Esta­dos Unidos.

Entre setem­bro de 2022 e out­ubro de 2023, desem­pen­hou mais uma mis­são de paz. Car­la par­ticipou da Mis­são Mul­ti­di­men­sion­al Integra­da das Nações Unidas para a Esta­bi­liza­ção da Repúbli­ca Cen­tro-Africana (Minus­ca). Ape­sar de ter gosta­do da exper­iên­cia no Líbano, essa foi chama­da por ela de “cere­ja do meu bolo”. O inter­esse pelo con­ti­nente tam­bém já vin­ha de muito tem­po. “O meu dese­jo, des­de que entrei para a Mar­in­ha, era servir na África”, diz.

Lá foi con­sel­heira de gênero, que entre as ativi­dades ver­i­fi­ca se todos os país­es que colab­o­ram com tropas estão respei­tan­do a quan­ti­dade de mul­heres nas mis­sões de paz, con­forme as ori­en­tações da Sec­re­taria-Ger­al da ONU, e se as funções para as quais elas foram des­ti­nadas estão sendo obser­vadas. “O cerne da questão de colo­car a mul­her no cam­po de país­es em con­fli­to é que ela pos­sa se aprox­i­mar das mul­heres e ver o que está acon­te­cen­do”, desta­ca Car­la.

A ofi­cial do quadro téc­ni­co da Mar­in­ha com­pos­to por ofi­ci­ais con­cur­sa­dos prove­nientes de uni­ver­si­dades, no caso dela com for­mação em jor­nal­is­mo, serve atual­mente no Depar­ta­men­to de Dout­ri­na, do Coman­do-Ger­al do Cor­po de Fuzileiros Navais.

É com essa exper­iên­cia que Car­la Daniel vai ser palestrante no 12° Cur­so de Oper­ações de Paz para Mul­heres pro­movi­do pela Mar­in­ha em parce­ria com a ONU no Rio de Janeiro. A coman­dante desta­ca que, para par­tic­i­par de um cur­so como esse, antes era pre­ciso se inscr­ev­er no exte­ri­or porque não havia capac­i­tação no Brasil. Ela, por exem­p­lo, pre­cisou ir para Pretória, na África do Sul, para faz­er o cur­so.

Minustah

Out­ra palestrante do cur­so que vai pas­sar adi­ante a sua exper­iên­cia é a capitão-tenente Déb­o­ra Fer­reira de Fre­itas Sabi­no. Quan­do ini­ciou a capac­i­tação, não havia ain­da o cur­so na Mar­in­ha e, por isso, ela fez um equiv­a­lente no Cen­tro Con­jun­to de Oper­ações de Paz do Brasil (CCOPAB) do Exérci­to. Depois de uma seleção, inte­grou o 25º con­tin­gente entre os 26 que par­tic­i­param da Mis­são das Nações Unidas para a Esta­bi­liza­ção no Haiti (Minus­tah) 2016/2017.

Déb­o­ra con­tou à Agên­cia Brasil que a bus­ca por exper­iên­cia, ser um capacete azul como são chama­dos todos que par­tic­i­pam de mis­sões de paz da ONU e a rep­re­sen­ta­tivi­dade fem­i­ni­na foram os motivos que a levaram para ser vol­un­tária da Minus­tah, per­manecen­do na função por seis meses. Naque­le perío­do, a pre­sença de mul­heres nas mis­sões de paz era menor. “A opor­tu­nidade apare­ceu e eu não pode­ria deixar para trás essa chance.”

Rio de Janeiro (RJ) 24/06/2024 - Capitão tenente Débora Ferreira Sabino - Treinamento do Curso de Missão de Paz Foto: Carla Daniel/Arquivo pessoal
Repro­dução: Rio de Janeiro — Capitão tenente Déb­o­ra Fer­reira Sabi­no em treina­men­to do Cur­so de Mis­são de Paz — Foto Car­la Daniel/Arquivo pes­soal

“Nos aju­damos a pop­u­lação logo depois da pas­sagem do Furacão Matthew. Muito tra­bal­ho a ser feito, mui­ta recon­strução, encon­tramos muitas cri­anças órfãs. Nos­so tra­bal­ho era faz­er a lig­ação com a pop­u­lação”, con­ta, ao lem­brar que foi um perío­do de eleições e de aumen­to da vio­lên­cia no país.

“A nos­sa tropa fez a segu­rança. Nós íamos faz­er o recon­hec­i­men­to de alguns locais. Eu ia faz­er con­tatos com líderes locais. Essa era a min­ha função”, afir­ma, desta­can­do que depois a situ­ação no país ficou mais paci­fi­ca­da e pôde ser feito o tra­bal­ho de aju­da human­itária sobre os efeitos da pas­sagem do furacão.

“Foi um cresci­men­to. Além do con­ta­to com a cul­tura dos haitianos, tive­mos tam­bém a exper­iên­cia de con­tatos que duram até hoje com mis­sionários que tra­bal­ham para mel­ho­rar a vida dos haitianos. Só de saber que pude colo­car um tijolin­ho nes­sa con­strução para mim já é um orgul­ho e fica de lega­do que a gente tem que val­orizar as coisas que a gente tem no Brasil, que ain­da que seja pouco pas­sam real­mente por grandes difi­cul­dades”, obser­va Déb­o­ra que, após a Minus­tah, fez um cur­so de obser­vador mil­i­tar na Gré­cia.

Curso

O 12° Cur­so de Oper­ações de Paz para Mul­heres é a ter­ceira edição inter­na­cional da preparação. A capac­i­tação vai rece­ber 42 mil­itares estrangeiras no Cen­tro de Oper­ações de Paz de Caráter Naval (COp­Paz­Nav), insta­l­a­do no Cen­tro de Instrução Almi­rante Sylvio de Camar­go, na Ilha do Gov­er­nador, zona norte do Rio. O cur­so real­iza­do pela Mar­in­ha do Brasil tem como obje­ti­vo capac­i­tar e ampli­ar a atu­ação de mul­heres em mis­sões de paz da ONU. Nove edições do cur­so foram ded­i­cadas ape­nas a mul­heres brasileiras.

O coman­dante do COp­Paz­Nav, capitão de fra­ga­ta do Cor­po de Fuzileiros Navais, Tar­ick Turidu da Sil­va Nunes Taets, disse à Agên­cia Brasil, que este número de rep­re­sen­tantes de out­ros país­es é um recorde. Em 2022, foram 13 e, no ano pas­sa­do, 11.

Para Taets, o número recorde de estrangeiras des­ta edição se deve, em parte, pela divul­gação reforça­da do cur­so com a entra­da da parce­ria da Agên­cia Brasileira de Coop­er­ação. “Ela ampliou muito a divul­gação e a gente pas­sou de 100 para 300 pedi­dos [de inscrição].”

A primeira fase do cur­so será real­iza­da na modal­i­dade edu­cação a dis­tân­cia (EAD), com iní­cio nes­ta segun­da-feira (24) e tér­mi­no na sex­ta (28). Já a fase pres­en­cial será do dia 1º a 5 de jul­ho, de 8h às 17h. As alu­nas vão par­tic­i­par de palestras e de ativi­dades práti­cas.

O públi­co-alvo do cur­so são brasileiras ou estrangeiras das Forças Armadas; das polí­cias Fed­er­al, Civ­il e Mil­i­tar; do Cor­po de Bombeiros; inte­grantes dos órgãos de segu­rança públi­ca e de empre­sas da base indus­tri­al de defe­sa; pro­fes­so­ras, grad­uan­das; mes­tran­das e doutoran­das; e servi­do­ras dos Três Poderes, entre out­ras funções.

Rio de Janeiro (RJ) 24/06/2024 - Treinamento do Curso de Missão de Paz Foto: Carla Daniel/Arquivo pessoal
Repro­dução: Rio de Janeiro — Treina­men­to do Cur­so de Mis­são de Paz — Foto Car­la Daniel/Arquivo pes­soal

Até o fechamen­to dessa matéria, ain­da não havia infor­mação sobre o número de brasileiras que vão par­tic­i­par do cur­so.

Edição: Juliana Andrade

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