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Quilombo no Rio integra o Programa de Aquisição de Alimentos

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Produtos foram entregues a famílias de mulheres em vulnerabilidade


Pub­li­ca­do em 24/12/2023 — 10:23 Por Mar­i­ana Tokar­nia – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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São 5h da man­hã quan­do os moradores do Quilom­bo Dona Bili­na começam a col­hei­ta. Por vol­ta das 8h, fru­tas, ver­duras e hor­tal­iças são amar­radas, orga­ni­zadas em caixas e preparadas para serem recol­hi­das. Por causa do calor, os ali­men­tos são lava­dos para que cheguem fres­cos. O des­ti­no final das bananas, fol­has de taio­ba, salsin­has, cebolin­has, mamão, coen­tro, entre out­ros pro­du­tos, todos de qual­i­dade e livres de agrotóx­i­cos e venenos, são mul­heres em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade e suas famílias.  

A remes­sa do quilom­bo é a primeira fei­ta pelo Pro­gra­ma de Aquisição de Ali­men­tos (PAA), do gov­er­no fed­er­al, que com­pra ali­men­tos pro­duzi­dos pela agri­cul­tura famil­iar e os des­ti­na gra­tuita­mente para pes­soas que não têm aces­so à ali­men­tação ade­qua­da e saudáv­el e àque­las aten­di­das pela rede da assistên­cia social, por meio de equipa­men­tos públi­cos de segu­rança ali­men­tar e nutri­cional, como as coz­in­has comu­nitárias e os restau­rantes pop­u­lares, pela rede públi­ca e filantrópi­ca de ensi­no e pelas redes públi­cas de saúde e justiça.

“A importân­cia para essa pop­u­lação aqui do Quilom­bo Dona Bili­na é, de fato, a ger­ação de ren­da e novas per­spec­ti­vas. Esta­mos bus­can­do assistên­cia téc­ni­ca, porque não temos ain­da, mas temos certeza que vai chegar”, disse a pres­i­dente da Asso­ci­ação de Remanes­centes do Quilom­bo, Leoní­dia Ins­fran de Oliveira Car­val­ho.

Rio de Janeiro (RJ), 19/12/2023 - Agricultores do Quilombo Dona Bilina, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, preparam sua produção para entrega ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Agricul­tores do Quilom­bo Dona Bili­na, em Cam­po Grande (RJ), preparam a pro­dução para entre­ga ao Pro­gra­ma de Aquisição de Ali­men­tos — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

“É tudo com­ple­ta­mente sem agrotóx­i­co. Out­ra parte impor­tante desse pro­je­to é enten­der que é impor­tante a gente levar uma comi­da sem veneno para a mesa dessas pes­soas que estão em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade ali­men­tar”, comem­o­ra Leoní­dia Car­val­ho.

Ao todo, serão aten­di­das as famílias de 100 mul­heres da zona oeste do Rio de Janeiro, onde o quilom­bo está local­iza­do.

Na terça-feira (19), quan­do a Agên­cia Brasil vis­i­tou o local, os moradores comem­o­ravam não ape­nas a vitória de terem reunido os ali­men­tos, ape­sar de todas as difi­cul­dades logís­ti­cas e do calor extremo na cidade nos últi­mos dias, mas tam­bém o aniver­sário de Leoní­dia Car­val­ho. As mul­heres pux­avam canções e, entre músi­ca e um café da man­hã com­par­til­ha­do, os ali­men­tos eram sep­a­ra­dos.

“É sem­pre assim, é can­to, é sor­riso, é ale­gria. Quem chega aqui se sente bem, a gente pas­sa essa ale­gria, essa ener­gia boa para as pes­soas. E os ali­men­tos vão chegar assim. Esta­mos preparan­do, jog­amos água nas plan­tas para elas não mur­charem porque o sol cas­ti­ga. Tem que jog­ar uma aguin­ha para elas chegarem lá vivas, boni­tas igual estão sain­do daqui”, disse a agricul­to­ra Sueli de Oliveira.

Rio de Janeiro (RJ), 19/12/2023 - Agricultores do Quilombo Dona Bilina, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, preparam sua produção para entrega ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Agricul­tores do Quilom­bo Dona Bili­na, em Cam­po Grande (RJ), preparam a pro­dução para entre­ga ao Pro­gra­ma de Aquisição de Ali­men­tos — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Para quem recebe os ali­men­tos, a aju­da é urgente. “As famílias estão esperan­do, elas estão aguardan­do. São pes­soas que têm neces­si­dade, que estão desem­pre­gadas, com fome. Mas, me dá feli­ci­dade estar aqui aju­dan­do a col­her, nos unin­do para estar­mos artic­u­lan­do muito mais coisas. A gente está aguardan­do isso há 1 ano e quem tem fome tem pres­sa”, diz Pen­ha da Sil­va, uma das coor­de­nado­ras do Cole­ti­va Todas Unidas. A cole­ti­va será uma das ben­e­fi­ci­adas com os ali­men­tos do PAA.

Pandemia

Rio de Janeiro (RJ), 19/12/2023 - A agricultora Sueli de Oliveira no Quilombo Dona Bilina durante colheita dos insumos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Agricul­to­ra Sueli de Oliveira, do Quilom­bo Dona Bili­na, durante col­hei­ta para o Pro­gra­ma de Aquisição de Ali­men­tos — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Entrar para o PAA é um pas­so impor­tante para a comu­nidade, um pas­so dado depois de anos de tra­bal­ho e de artic­u­lação. Mas ain­da assim, é um primeiro pas­so de muitos que ain­da são necessários para garan­tir a qual­i­dade de vida e a segu­rança ali­men­tar tan­to da pop­u­lação do quilom­bo quan­to dos arredores.

As artic­u­lações que via­bi­lizaram o pro­je­to, aprova­do no PAA, e que ago­ra sai do papel, começaram na pan­demia, quan­do surgiu a Teia de Sol­i­dariedade da Zona Oeste. Diante da pobreza e fome que aumen­taram ain­da mais na pan­demia, orga­ni­za­ções quilom­bo­las de mul­heres e out­ros locais se orga­ni­zaram para garan­tir ao menos ces­tas bási­cas para famílias em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade.

“A gente começa a perce­ber que quem pedia din­heiro, pedia para com­prar uma sal­sicha, um macar­rão. Ninguém dizia ‘Não tem uma ver­du­ra para me arru­mar?’ Então começamos a dis­tribuir ces­tas agroecológ­i­cas e fize­mos isso cap­tan­do recur­sos”, con­ta a pesquisado­ra e artic­u­lado­ra da Teia Sil­via Bap­tista.

Rio de Janeiro (RJ), 19/12/2023 - Agricultores do Quilombo Dona Bilina, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, preparam sua produção para entrega ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Agricul­tores do Quilom­bo Dona Bili­na, em Cam­po Grande (RJ), preparam pro­dução para entre­ga ao Pro­gra­ma de Aquisição de Ali­men­tos — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

“Que fome é essa? É uma situ­ação de inse­gu­rança que tin­ha uma mar­ca da luta de class­es e uma questão racial tam­bém, na medi­da que maio­r­ia das famílias negras esta­va em inse­gu­rança ali­men­tar. A maio­r­ia das pes­soas negras e famílias chefi­adas por mul­heres”, disse Sil­via Batista.

Em 2022, as asso­ci­ações, cole­ti­vas comu­nitárias, casas de Axé, ter­reiros, Ilês, quilom­bos e demais orga­ni­za­ções como a Mul­heres Negras da Zona Oeste do Rio entre­garam uma car­ta aber­ta ao gov­er­no fed­er­al pedin­do a retoma­da do PAA, “reivin­di­can­do que os orça­men­tos públi­cos fed­er­al, estad­ual e munic­i­pal de 2023 deem urgên­cia às com­pras de ali­men­tos agroecológi­cos segui­dos de doação às mul­heres orga­ni­zadas em situ­ação de grave inse­gu­rança ali­men­tar”.

O pro­gra­ma, então, gan­ha força em 2023, quan­do recebe do gov­er­no fed­er­al um orça­men­to de mais de R$ 900 mil­hões. Em out­ubro, foram assi­na­dos os con­tratos com as orga­ni­za­ções da agri­cul­tura famil­iar sele­cionadas na primeira fase de exe­cução do pro­gra­ma, com os recur­sos de R$ 250 mil­hões. Nes­sa fase, foram pri­or­iza­dos pro­je­tos com maior par­tic­i­pação de mul­heres, indí­ge­nas e povos e comu­nidades tradi­cionais e assen­ta­dos da refor­ma agrária. Ao todo, a aquisição nes­sa fase foi de mais de 45 mil toneladas de ali­men­tos, diver­si­fi­cadas em 350 tipos de pro­du­tos.

“Nós fomos o úni­co quilom­bo do Rio de Janeiro a aces­sar o PAA, e eu me per­gun­to por quê? Acred­i­to que o por quê este­ja muito rela­ciona­do com a questão dessa buro­c­ra­cia toda. Nós tive­mos algu­ma assistên­cia, a Teia nos aju­dou a aces­sar. A gente con­seguiu, através da Teia tam­bém, um con­ta­dor que pudesse acom­pan­har a emis­são de muitos doc­u­men­tos. Mas imag­i­na aque­le quilom­bo que hoje a lid­er­ança não tem parce­rias ou não tem instrução sufi­ciente, como ele aces­sou? Ele não aces­sou porque é buro­c­ra­cia demais”, ques­tiona Leoní­dia Car­val­ho.

Logística

O Quilom­bo Dona Bili­na foi cer­ti­fi­ca­do como remanes­cente de quilom­bo pela Fun­dação Cul­tur­al Pal­mares, em 2017. “A cer­ti­fi­cação vem medi­ante o recon­hec­i­men­to da tradi­cional­i­dade dos saberes e faz­eres dessa comu­nidade, da lig­ação que essa comu­nidade tem com a ter­ra, com o con­hec­i­men­to de ervas med­i­c­i­nais, com o con­hec­i­men­to de rezas. É impor­tante a gente destacar que esse é o con­hec­i­men­to que favorece que a comu­nidade per­maneça e con­tin­ue com sua tradição nesse lugar”, expli­ca Leoní­dia Car­val­ho.

A comu­nidade é for­ma­da por agricul­tores, que man­têm a tradição do cul­ti­vo sem agrotóx­i­cos, a chama­da agroe­colo­gia, ou, como define Leoní­dia Car­val­ho, agri­cul­tura quilom­bo­la ou sim­ples­mente roça, “aqui­lo que sem­pre fize­mos, que muitas vezes não é recon­heci­da e é invis­i­bi­liza­da”.

O quilom­bo é um dos cin­co que estão no Par­que Estad­ual da Pedra Bran­ca, unidade de con­ser­vação cri­a­da em 1974, que ocu­pa diver­sos bair­ros da zona oeste do Rio de Janeiro e é con­sid­er­a­da a maior flo­res­ta urbana do país.

Rio de Janeiro (RJ), 19/12/2023 - Agricultores do Quilombo Dona Bilina, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, preparam sua produção para entrega ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Quilom­bo Dona Bili­na, em Cam­po Grande (RJ) — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

“O que a gente pre­cisa é for­t­ale­cer essa agri­cul­tura, for­t­ale­cer ess­es agricul­tores para que eles con­tin­uem tra­bal­han­do da for­ma ade­qua­da com relação ao plano de mane­jo do par­que. Con­hecer novas tec­nolo­gias para ess­es agricul­tores tam­bém é impor­tante, para mel­ho­rar a desci­da dos pro­du­tos. Tem agricul­tores que lev­am de 4 a 5 horas descen­do ess­es pro­du­tos [uma vez que se tra­ta de uma região mon­tan­hosa]. É difí­cil para caram­ba. A gente pre­cisa mel­ho­rar ess­es aces­sos, dar condições para que eles con­sigam con­tin­uar tra­bal­han­do na roça, que é o tra­bal­ho que eles sem­pre fiz­er­am durante muitos anos. E val­orizar esse tra­bal­ho”, defende Leoni­dia Car­val­ho.

A agricul­to­ra Cinara da Sil­va Gomes é uma das pro­du­toras da parte alta do Maciço. “Nor­mal­mente, a gente leva umas 3, 4 horas col­hen­do banana, depende tam­bém do horário que a gente chega lá em cima. São 4 horas a pé, só subido. O que a gente gan­ha aqui já vai aju­dar para as out­ras plan­tas lá em cima. Vai com­prar mais semente, aju­dar a com­prar o mil­ho dos ani­mais, porque eles comem mil­ho, que dá força para descer [com as mer­cado­rias]”.

Ela está par­tic­i­pan­do do PAA e con­tribuiu, nes­sa leva, com as bananas.

Respeitar a natureza é regra diária. Como se tra­ta de uma reser­va, Cinara Gomes expli­ca que para cor­tar qual­quer árvore é pre­ciso ter autor­iza­ção. “Tem mui­ta árvore lá que é cen­tenária”.

O sítio da família de Cinara Gomes fica no cam­in­ho da tril­ha fei­ta pelos vis­i­tantes. Ela diz que sem­pre expli­ca a eles a importân­cia daque­le lugar. “Eu falo para  não jog­ar plás­ti­co, não jog­ar saco­la, no meio do cam­in­ho, para não matarem a natureza. Se não fos­se a natureza, a gente não esta­va aqui. A gente veio da ter­ra e para a ter­ra voltará”.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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