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Quilombolas de Marambaia lutam por melhorias nos serviços públicos

Repro­dução: © Asso­ci­ação Quilom­bo da Marambaia/Divulgação

População quilombola no país é de 1,33 milhão de pessoas


Pub­li­ca­do em 05/01/2024 — 07:00 Por Mar­i­ana Tokar­nia — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Mes­mo após a tit­u­lação, a comu­nidade quilom­bo­la da Ilha da Maram­ba­ia, em Man­garat­i­ba, no Rio de Janeiro, vis­i­ta­da pelo pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, ain­da espera mel­ho­rias em serviços públi­cos como edu­cação, saúde e trans­porte. Local­iza­da em uma ilha, a comu­nidade enfrenta tam­bém dire­ta­mente os efeitos da crise climáti­ca. Com o avanço do mar em direção à orla, o risco de alaga­men­to de casas é cada vez maior.

Durante a visi­ta de Lula, nes­ta quar­ta-feira (3), a pres­i­dente da Asso­ci­ação da Comu­nidade dos Remanes­centes de Quilom­bo da Ilha da Maram­ba­ia, Jaque­line Alves, entre­gou ao pres­i­dente uma car­ta con­tan­do a tra­jetória da comu­nidade, os avanços con­quis­ta­dos e, tam­bém, trazen­do as prin­ci­pais deman­das locais. “Na real­i­dade, a gente está tratan­do [de] dire­itos que ain­da pre­cisam ser con­quis­ta­dos para que a comu­nidade con­tin­ue crescen­do e per­manecen­do no ter­ritório. Para que haja avanço e não haja a extinção da comu­nidade futu­ra­mente. Porque a tendên­cia é as pes­soas saírem para tra­bal­har, estu­dar, se for­mar. Se a gente con­segue traz­er essas políti­cas públi­cas para o ter­ritório, a gente tam­bém con­segue faz­er com que a comu­nidade per­maneça, cresça e se desen­vol­va”, defende.

A comu­nidade abri­ga hoje, de acor­do com Jaque­line Alves, 210 famílias, em um total de aprox­i­mada­mente 440 moradores. A prin­ci­pal ativi­dade é a pesca. Entre as prin­ci­pais deman­das está a ofer­ta do ensi­no médio na ilha, que hoje atende ape­nas até o ensi­no fun­da­men­tal. Com isso, os jovens pre­cisam se deslo­car para seguir estu­dan­do. Além dis­so, mel­ho­rias no trans­porte, que é insu­fi­ciente para a deman­da, e caro. A comu­nidade tam­bém pede mel­ho­rias na saúde e mel­hores condições de tra­bal­ho e ren­da.

A Ilha da Maram­ba­ia foi um local de abri­go de negros trafi­ca­dos da África para o Brasil. Além da her­ança quilom­bo­la, a ilha abri­ga equipa­men­tos mil­itares des­de a déca­da de 1970, quan­do pas­sou a ser con­tro­la­da pelas Forças Armadas. Somente em 2015, o títu­lo de posse da ter­ra da comu­nidade da Maram­ba­ia foi con­ce­di­do. Isso ocor­reu 13 anos depois do iní­cio da ação civ­il públi­ca que pediu o recon­hec­i­men­to da comu­nidade, em 2002. Entre 1996 e 1998, a comu­nidade foi alvo de ações de rein­te­gração de posse movi­das pela União para reti­rar as famílias. No final de 2014, a Mar­in­ha e a comu­nidade assi­naram o ter­mo de ajus­ta­men­to de con­du­ta (TAC) que encer­rou as dis­putas na Justiça.

“O TAC reg­u­la­men­tou mui­ta coisa, porém, não é o final dos prob­le­mas, a gente vira uma pági­na e ini­cia out­ra pági­na, para a imple­men­tação de políti­cas públi­cas no ter­ritório, mel­ho­ria dos serviços de saúde, mel­ho­ria na área de edu­cação, na área econômi­ca”, diz Jaque­line Alves.

Mudanças climáticas

Além da deman­da por serviços públi­cos, a comu­nidade enfrenta uma nova questão, as mudanças climáti­cas. “A gente está den­tro de uma ilha e a gente não con­segue men­su­rar de que for­ma vão se dar os fenô­menos da natureza. Existe um avanço da maré que é muito comum em áreas de ilhas, e a gente está sofren­do com isso. Existe uma casa que pre­cisa sair de onde está”, con­ta a pres­i­dente, que diz que o prob­le­ma não exis­tia há nove anos atrás quan­do o TAC foi assi­na­do, o que mostra que revisões são necessárias.

“Na real­i­dade, essa questão ter­ri­to­r­i­al a gente não vê que está total­mente resolvi­da porque vai pas­sar por várias situ­ações que vai ter que alin­har nova­mente e ajus­tar para que a comu­nidade per­maneça no ter­ritório, a gente vai ter que estar dialo­gan­do sem­pre sobre a questão ter­ri­to­r­i­al”, ressalta, Alves. Segun­do ela, a comu­nidade se artic­u­la com a União e out­ros órgãos como o Min­istério Públi­co para bus­car for­mas de garan­tir os dire­itos à pop­u­lação local.

Acesso a políticas públicas

Segun­do o secretário de Políti­cas para Quilom­bo­las, Povos e Comu­nidades Tradi­cionais de Matriz Africana Povos de Ter­reiros e Ciganos do Min­istério da Igual­dade Racial, Ronal­do dos San­tos, o prob­le­ma do aces­so a políti­cas públi­cas não se restringe ape­nas ao quilom­bo de Maram­ba­ia.

“O Esta­do brasileiro con­stru­iu, a par­tir da Con­sti­tu­ição de 1988, uma políti­ca de reg­u­lar­iza­ção fundiária, mas não con­stru­iu uma políti­ca de desen­volvi­men­to, de acom­pan­hamen­to dess­es ter­ritórios que serão reg­u­lar­iza­dos”, diz e acres­cen­ta: “Nun­ca se teve, de ver­dade, uma estraté­gia do Esta­do brasileiro de faz­er inves­ti­men­to, políti­ca de reparação ou políti­ca de desen­volvi­men­to.”

Em bus­ca de ofer­e­cer sub­sí­dios para que as comu­nidades pos­sam ter aces­so a políti­cas públi­cas e tracem os próprios planos de desen­volvi­men­to, o gov­er­no fed­er­al lançou, em novem­bro de 2023, a Políti­ca Nacional de Gestão Ter­ri­to­r­i­al e Ambi­en­tal Quilom­bo­la – PNGTAQ. “Para nós, é esse olhar do Esta­do para o ter­ritório quilom­bo­la, no sen­ti­do de perce­ber uma deman­da para além da questão agrária, para além da questão da pro­priedade, mas para como esse povo se desen­volve a par­tir da sua cos­mop­er­cepção, a par­tir dos seus parâmet­ros, como o Esta­do con­tribui e fomen­ta o proces­so de gestão de con­ser­vação ambi­en­tal de desen­volvi­men­to local”, diz San­tos.

A políti­ca começou a ser imple­men­ta­da de for­ma pilo­to em uma comu­nidade em Alcân­tara (MA). De acor­do com o secretário, a pas­ta ain­da bus­ca recur­sos e coop­er­ações e dev­erá lançar edi­tais para sele­cionar out­ras comu­nidades para serem ben­e­fi­ci­adas.

De acor­do com a Fun­dação Pal­mares, comu­nidades remanes­centes de quilom­bos são ori­un­das daque­las que resi­s­ti­ram à bru­tal­i­dade do regime escrav­ocra­ta e se rebe­laram frente a quem acred­i­ta­va serem elas sua pro­priedade.

Essas comu­nidades se adap­taram a viv­er em regiões por vezes hostis. Porém, man­ten­do suas tradições cul­tur­ais, apren­der­am a tirar seu sus­ten­to dos recur­sos nat­u­rais disponíveis, ao mes­mo tem­po em que se tornaram dire­ta­mente respon­sáveis por sua preser­vação, inter­agin­do com out­ros povos e comu­nidades tradi­cionais tan­to quan­to com a sociedade envol­vente.

O Cen­so 2022, do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca mostra que, no Brasil, a pop­u­lação quilom­bo­la é de 1.330.186 pes­soas, ou 0,66% do total de habi­tantes. A pro­porção de pes­soas viven­do fora de ter­ritórios quilom­bo­las ofi­cial­mente recon­heci­dos é de 87,39% (1,07 mil­hão).

“Eu cos­tu­mo diz­er que reg­u­larizar ter­ritório quilom­bo­la e finan­ciar esse proces­so de desen­volvi­men­to tem muitos aspec­tos em jogo. Primeiro, pre­cisa pen­sar na democ­ra­ti­za­ção do aces­so à ter­ra no Brasil. É mes­mo uma políti­ca de refor­ma agrária com­ple­men­tar, podemos diz­er assim. Mas podemos pen­sar no olhar da reparação históri­ca ao tem­po da escravidão. São comu­nidades que estão aqui por con­ta do que foi a escravidão, e o Esta­do brasileiro não pode diz­er que não é prob­le­ma seu, então pre­cisa assumir esse ônus. Tam­bém é pre­ciso com­preen­der os serviços ambi­en­tais que essas comu­nidades prestam em ter­mos de emergên­cia climáti­ca. Não é pos­sív­el pen­sar justiça climáti­ca sem pen­sar na con­tribuição históri­ca que essas comu­nidades dão para a con­ser­vação ambi­en­tal”, desta­ca San­tos.

Edição: Juliana Andrade

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