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Racismo afasta negros e indígenas da vacinação

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Confiança no sistema acaba sendo prejudicada, diz ativista


Pub­li­ca­do em 30/09/2023 — 09:43 Por Viní­cius Lis­boa — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Os motivos que lev­am uma pes­soa a se vaci­nar ou não são afe­ta­dos por múlti­p­los fatores, que cien­tis­tas resumi­ram em cin­co letras “C”: a con­fi­ança nas vaci­nas, a con­veniên­cia de ir a um pos­to de vaci­nação, a com­placên­cia com os riscos de não estar pro­te­gi­do, a comu­ni­cação de infor­mações claras sobre as vaci­nas e o con­tex­to sociode­mográ­fi­co das pop­u­lações que devem se vaci­nar. A ativista dos dire­itos das mul­heres negras e fun­dado­ra da orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal Crio­la, Lúcia Xavier, é asserti­va em apon­tar que o racis­mo pode atra­pal­har cada um dess­es pilares.

Rio de Janeiro (RJ), 13/09/2023 – A coordenadora geral da ONG Criola, Lúcia Xavier posa para fotografia para a Agência Brasil. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: “Pop­u­lação negra é a que vai ser a primeira a ser afe­ta­da pela que­da das cober­turas vaci­nais”, diz Lúcia Xavier, fun­dado­ra da ONG Crio­la — Tomaz Silva/Agência Brasil

“A pop­u­lação negra pas­sa por muitas difi­cul­dades de aces­so, aceitação, cuida­do e res­o­lu­tivi­dade no cam­po da saúde, e a vaci­nação é cen­tral para isso”, afir­ma.

“E a pop­u­lação negra é a que vai ser a primeira a ser afe­ta­da pela que­da das cober­turas vaci­nais. Não só porque já vive em más condições de saúde, de vida, mas tam­bém porque vai estar mais vul­neráv­el a agravos que podem ser con­tro­la­dos ou impe­di­dos a par­tir da vaci­nação.”

A comu­ni­cação, a con­veniên­cia do aces­so às unidades de saúde e a própria con­fi­ança nos profis­sion­ais e no sis­tema são dura­mente prej­u­di­ca­dos quan­do um usuário sofre racis­mo ao bus­car um serviço de saúde. Uma mul­her negra grávi­da que teve seu pré-natal neg­li­gen­ci­a­do e sofreu vio­lên­cia obstétri­ca, por exem­p­lo, será a mes­ma que pre­cis­ará con­fi­ar na saúde públi­ca para cumprir o cal­endário vaci­nal de seus fil­hos.

“Um fator impor­tante é o acol­hi­men­to, que na ver­dade se traduz no aces­so à infor­mação de qual­i­dade, na aceitação da pes­soa como ela é e nas condições que ela apre­sen­ta na hora que ela entra na unidade. São as infor­mações níti­das, obje­ti­vas e a res­o­lu­tivi­dade naqui­lo que vai dar segui­men­to à sua pre­venção, ao seu cuida­do ou mes­mo a sua cura.”

A ativista expli­ca que, muitas vezes, o racis­mo que afas­ta a pop­u­lação negra das unidades bási­cas de saúde, onde as vaci­nas são apli­cadas, não se man­i­fes­ta de for­mas tão dire­tas como agressões físi­cas e xinga­men­tos, mas, mes­mo assim, pro­duz vio­lên­cias que afas­tam a pop­u­lação de serviços que pode­ri­am salvá-la.

“O racis­mo pode não estar pre­sente em ‘não entra aqui porque você é negro’, mas ele vai estar pre­sente no modo que se recebe a pop­u­lação, na maneira de ques­tionar o seu agra­vo, na maneira de ofer­e­cer aju­da e na maneira de ofer­e­cer infor­mação. Então, rece­ber­e­mos menos infor­mação, ter­e­mos menos cuida­do em relação a nós, e as pos­si­bil­i­dades de solução do nos­so prob­le­ma serão poster­gadas e deix­adas para lá”, diz.

“Ess­es maus-tratos vão minan­do a relação de con­fi­ança entre o serviço e o usuário. A pes­soa poster­ga, vai desa­cred­i­tan­do que aque­le serviço vai dar bom efeito, e nada é bem esclare­ci­do o sufi­ciente para ela com­preen­der”, com­ple­ta Lúcia Xavier.

Ao mes­mo tem­po, essa mes­ma pop­u­lação está sujei­ta, de for­ma ger­al, a uma maior taxa de desem­prego, a uma maior pre­sença no mer­ca­do infor­mal e a jor­nadas diárias exten­sas que incluem lon­gos deslo­ca­men­tos entre a casa e o tra­bal­ho. Com pos­tos aber­tos em horários lim­i­ta­dos e profis­sion­ais de saúde muitas vezes receosos em abrir fras­cos de vaci­nas para imu­nizar uma úni­ca cri­ança per­to do fechamen­to do horário das salas de vaci­nação, opor­tu­nidades são per­di­das.

Sensibilização

Durante 13 anos, a enfer­meira Eve­lyn Plá­ci­do foi vaci­nado­ra no Par­que Indí­ge­na do Xin­gu, na parte mato-grossense da Amazô­nia. Em con­ta­to com os povos indí­ge­nas, os relatos de dis­crim­i­nação ao ten­tar aces­sar os serviços de saúde eram muitos, lem­bra ela.

“Escutei muitos relatos de indí­ge­nas que falavam que procu­raram a sala de vaci­na, mas não foram vaci­na­dos porque os profis­sion­ais falavam que eles só pode­ri­am tomar vaci­na na aldeia”, con­ta ela. “Isso é perder a opor­tu­nidade, é negar algo a que eles têm dire­ito. O dire­ito deles é serem vaci­na­dos den­tro de qual­quer unidade de saúde, e, inclu­sive, nos esque­mas especí­fi­cos pre­vis­tos para eles.”

A pop­u­lação indí­ge­na tem um esque­ma vaci­nal próprio, com reforço con­tra doenças que apre­sen­tam mais risco de agrava­men­to por con­tex­tos sociode­mográ­fi­cos. Para Eve­lyn, esse é ape­nas um exem­p­lo da fal­ta de preparo dos profis­sion­ais da pon­ta para acol­her difer­enças soci­ais e cul­tur­ais, o que afas­ta ain­da mais gru­pos vul­ner­a­bi­liza­dos da saúde.

“Nós temos que tra­bal­har a com­petên­cia cul­tur­al dess­es profis­sion­ais. Isso é urgente den­tro das uni­ver­si­dades, porque, tra­bal­han­do a com­petên­cia cul­tur­al, eu vou preparar esse profis­sion­al para atu­ar para além das suas questões cul­tur­ais. Cada indi­ví­duo tem as suas, só que, quan­do eu me dispon­ho a ser um profis­sion­al de saúde, eu vou aten­der a um públi­co e ten­ho que estar prepara­do para aten­der a todas as pes­soas com seus con­tex­tos cul­tur­ais de sociedade”, expli­ca. “Se eu não estiv­er prepara­da para isso, eu não con­si­go aces­sar e não con­si­go cri­ar vín­cu­lo. E vín­cu­lo é con­fi­ança. Quan­do a gente fala de vaci­na, eu pre­ciso cri­ar esse vín­cu­lo. Eu pre­ciso cri­ar essa con­fi­ança em todos os públi­cos.”

Paola Poty de Castro da Silva recebe a dose pediátrica da vacina contra covid-19 na Unidade Básica de Saúde - UBS Aldeia Jaraguá Kwaray Djekupe, no Jaraguá.
Repro­dução: Pop­u­lação indí­ge­na tem um esque­ma vaci­nal próprio — Rove­na Rosa/Arquivo/Agência Brasil

Hoje como edu­cado­ra, a enfer­meira tra­bal­ha capac­i­tan­do profis­sion­ais de saúde para atu­ar em regiões de difí­cil aces­so, como ter­ras indí­ge­nas. A fal­ta dessa preparação, con­ta ela, ger­ou prob­le­mas inclu­sive na pan­demia de covid-19, quan­do a fal­ta de sen­si­bil­i­dade e bagagem cul­tur­al impe­dia que profis­sion­ais con­tabi­lizassem cor­re­ta­mente a vaci­nação de pop­u­lações como a ribeir­in­ha e a quilom­bo­la.

“A gente teve um desafio muito grande para enten­der, por exem­p­lo, a cober­tu­ra vaci­nal para covid-19 da pop­u­lação ribeir­in­ha e de quilom­bos, porque o profis­sion­al sim­ples­mente não iden­ti­fi­ca­va esse grupo e reg­is­tra­va eles na pop­u­lação ger­al”, nar­ra ela, que expli­ca que esse prob­le­ma acon­te­cia mes­mo no caso de quilom­bos ofi­cial­mente recon­heci­dos. “E aí, exis­tiu um esforço muito grande das próprias comu­nidades, das lid­er­anças dessas pop­u­lações, para que eles pudessem faz­er o seu próprio cen­so vaci­nal.”

Assim como nesse con­tex­to, ela exal­ta que a mobi­liza­ção dessas pop­u­lações foi o que per­mi­tiu con­stru­ir um Pro­gra­ma Nacional de Imu­niza­ções (PNI) e um Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS) de taman­ha capi­lar­i­dade e total­mente gra­tu­ito.

“Essa mobi­liza­ção é impor­tan­tís­si­ma e foi a base para a con­strução do próprio SUS. Esse movi­men­to é impor­tante, e ele pre­cisa ser for­t­ale­ci­do e recon­heci­do, para que a gente pos­sa bus­car esse aces­so e con­stru­ir um cam­in­ho para que essa pop­u­lação seja aten­di­da, não só na vaci­nação.”

Edição: Juliana Andrade

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