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Racismo afeta saúde desde o nascimento até a morte, diz especialista

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

27 de outubro é o Dia de Mobilização Pró-Saúde da População Negra


Pub­li­ca­do em 27/10/2023 — 07:12 Por Bruno de Fre­itas Moura — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A pop­u­lação negra brasileira tem os piores indi­cadores rel­a­tivos a emprego, ren­da, edu­cação e par­tic­i­pação políti­ca quan­do com­para­da ao grupo de pes­soas bran­cas. Apre­sen­ta tam­bém índices des­fa­voráveis rela­ciona­dos à vitimiza­ção pela vio­lên­cia. Quan­do são avali­adas as condições de saúde, mais uma vez os negros ficam em posição desvan­ta­josa, com piores incidên­cias de deter­mi­na­dos males e doenças. 

Dados do bole­tim Saúde da Pop­u­lação Negra, apre­sen­ta­dos na segun­da-feira (23) pelos min­istérios da Saúde e da Igual­dade Racial, con­fir­mam que questões como mor­tal­i­dade mater­na, aces­so a exam­es pré-natais e doenças infec­to­con­ta­giosas se mostram mais sev­eras na pop­u­lação negra.

No Dia Nacional de Mobi­liza­ção Pró-Saúde da Pop­u­lação Negra, cel­e­bra­do em 27 de out­ubro, a Agên­cia Brasil traz a aval­ição de espe­cial­is­tas que dedicam esforços profis­sion­ais e acadêmi­cos para a pro­moção da saúde deste grupo, que rep­re­sen­ta mais da metade da pop­u­lação do país. De acor­do com o IBGE, 56% dos brasileiros se recon­hecem como negros – somatório de pes­soas pre­tas e par­das.

Do nascimento à morte

Brasília (DF) 25/10/2023 – Andrea Ferreira, pesquisadora da Associação de Pesquisa Lyaleta e Cidacs.Racismo afeta a saúde desde o nascimento até a morte. Foto: Fiocruz/Divulgação
Repro­dução: Andrêa Fer­reira: racis­mo é “deter­mi­nante social estru­tur­al que condi­ciona a vida da pop­u­lação negra”. Foto: Fiocruz/Divulgação

Uma expli­cação para os dados con­sid­er­a­dos pre­ocu­pantes é o racis­mo. Segun­do Andrêa Fer­reira, pesquisado­ra da Asso­ci­ação de Pesquisa Iyale­ta, há várias evidên­cias que colo­cam o racis­mo como “deter­mi­nante social estru­tur­al que condi­ciona a vida da pop­u­lação negra”. Para ela, o pre­con­ceito acom­pan­ha essa pop­u­lação des­de antes do nasci­men­to até a for­ma pela qual morre.

“Quan­do a gente olha os dados de mor­tal­i­dade mater­na, a gente sabe que as taxas são maiores entre as mul­heres negras. Quan­do a gente olha a mor­tal­i­dade por causas exter­nas, por exem­p­lo, que inclui aci­dentes e por arma de fogo, ela se con­cen­tra na pop­u­lação negra. Então, o racis­mo faz todo esse per­cur­so de inter­ferir na pos­si­bil­i­dade de nascer, crescer e viv­er”, afir­ma a pesquisado­ra que tam­bém faz parte do Cen­tro de Inte­gração de Dados e Con­hec­i­men­tos para Saúde (Cidacs), da Fiocruz Bahia.

“O racis­mo condi­ciona a vida das pes­soas negras em todas as suas fas­es, des­de a pos­si­bil­i­dade de terem um par­to ade­qua­do, de nascerem vivas até a for­ma como mor­rem”.

Na avali­ação da Andrêa, uma vez que a pes­soa negra con­segue romper bar­reiras que a afas­tam do serviço de saúde, começa out­ro prob­le­ma. “Você tem um trata­men­to desigual quan­do a gente com­para as pes­soas bran­cas e as negras. Você tem o viés racial implíc­i­to, o pre­con­ceito e as dis­crim­i­nações pau­tan­do a for­ma como as pes­soas negras são tratadas”. A pesquisado­ra con­sid­era que essa for­ma de racis­mo prej­u­di­ca a for­ma de acol­hi­men­to, trata­men­to, ofer­ta de exam­es e, con­se­quente­mente, o diag­nós­ti­co de doenças.

“Temos estu­dos que mostram como o racis­mo em suas man­i­fes­tações retar­da, por exem­p­lo, o diag­nós­ti­co da sífil­is gesta­cional no Brasil”, cita.

O estu­do do Min­istério da Saúde rev­ela que 70% das cri­anças com sífil­is con­gêni­ta — trans­mi­ti­da para a cri­ança durante a ges­tação — são fil­has de mães negras.

Para Andrêa, a pan­demia de covid-19 foi uma pro­va de como o racis­mo atua como deter­mi­nante social. “A pan­demia foi clara em mostrar como o racis­mo esta­va ali, deter­mi­nan­do quem seri­am as pes­soas que pre­cis­aram sair do iso­la­men­to social para tra­bal­har, que moravam em casas den­sa­mente povoadas, sem aces­so à água e sanea­men­to. Eram as pes­soas negras”, avalia.

Racismo em todas as partes

Lúcia Xavier é fun­dado­ra da orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG) Crio­la, defen­so­ra dos dire­itos humanos de mul­heres negras. Ela con­cor­da que um dos fatores que fazem com que negros ten­ham piores índices de questões rel­a­ti­vas à saúde se dá por uma for­ma de racis­mo no atendi­men­to de saúde. Para ela, há “um con­jun­to de pro­ced­i­men­tos feitos de for­ma inad­e­qua­da”.

“[A pes­soa negra] recebe menos infor­mação do que pre­cisa. É aten­di­da com rapi­dez quan­do pre­cisa de um pouco mais de tem­po para explicar, para recon­hecer os prob­le­mas. As queixas não são admi­ti­das como legí­ti­mas. Se ela aca­ba per­den­do sua con­sul­ta, vol­ta para o fim da fila de espera”.

Uma out­ra face do acol­hi­men­to e trata­men­to inad­e­qua­dos é, na avali­ação de Lúcia, que a pes­soa aca­ba sendo respon­s­abi­liza­da pelos prob­le­mas.

“Qual­quer agra­vo que ocor­ra, o primeiro respon­sáv­el é ela. Se ela se infec­tou com dengue, é porque ela não cuidou da água para­da. Se ela pegou covid-19, é porque não uti­li­zou os mecan­is­mos de pro­teção necessários para cuidar da sua saúde”, exem­pli­fi­ca.

“Doença de negro”

No país em que mais de 60% das mortes por aids são de negros – índice que era de 52% em 2011, Lúcia apon­ta que as doenças infec­to­con­ta­giosas são tam­bém con­se­quên­cia dessa dis­crim­i­nação que acon­tece durante o que dev­e­ria ser um acol­hi­men­to.

Brasília (DF) 25/10/2023 – Sandra da Silva, moradora da região metropolitana do Rio de JaneiroRacismo afeta a saúde desde o nascimento até a morte. Foto: Sandra da Silva/Arquivo Pessoal
Repro­dução: San­dra da Sil­va, morado­ra da região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro   Foto: Arqui­vo Pes­soal

“As doenças infec­to­con­ta­giosas são resul­ta­do das condições soci­ais e pio­ram porque o sis­tema não é capaz de olhar essa situ­ação sem dis­crim­i­nar. Quan­do se tra­ta de doenças sex­ual­mente trans­mis­síveis ou tuber­cu­lose ou agravos dessa natureza, sem­pre se respon­s­abi­liza o sujeito pelo fato de ele ter con­traí­do aque­le agra­vo”.

A fun­dado­ra da orga­ni­za­ção Crio­la iden­ti­fi­ca que, por causa da alta incidên­cia, algu­mas doenças acabam fican­do mar­cadas como sendo “doenças de negros”.

“Muitas das doenças que a pop­u­lação negra enfrenta pas­sam a ser com­preen­di­das, prati­ca­mente, como uma doença mar­ca­da por essa exper­iên­cia de ser negro, quer seja a pressão alta, a mor­tal­i­dade mater­na, quer seja a tuber­cu­lose, por exem­p­lo”.

Lúcia Xavier acred­i­ta que há uma for­ma de racis­mo quan­do se tratam tam­bém de condições genéti­cas, como no caso da doença fal­ci­forme, que afe­ta mais pes­soas negras.

“O modo de aten­der, de cuidar, de preser­var essa vida anda lenta­mente. Não é tra­bal­ha­do com tan­ta avidez, com tan­ta capaci­dade para aten­der esse grupo. A doença fal­ci­forme é tam­bém muito sim­bóli­ca em ter­mos do racis­mo insti­tu­cional”.

Barreiras à universalização

A pesquisado­ra Ionara Mag­a­l­hães de Souza, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Recôn­ca­vo da Bahia (UFRB), tam­bém apon­ta o ele­men­to racis­mo como um dos fatores que respon­sáveis pelos indi­cadores des­fa­voráveis da saúde da pop­u­lação negra.

 

Brasília (DF) 25/10/2023 – Ionara Magalhães de Souza, professora da UFRB, Integrante do GT Racismo e Saúde da AbrascoRacismo afeta a saúde desde o nascimento até a morte. Foto: Ionara Magalhães/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Ionara Mag­a­l­hães de Souza, pro­fes­so­ra da UFRB, Inte­grante do GT Racis­mo e Saúde da Abras­co. Foto:  Ionara Magalhães/Arquivo Pes­soa

“Bran­qui­tude, racis­mo e, con­se­quente­mente, as pro­fun­das iniq­uidades soci­ais que pro­duzem bar­ra­gens políti­cas e estru­tu­rais que difi­cul­tam a uni­ver­sal­i­dade do aces­so à saúde respon­dem pela inter­dição da pop­u­lação negra no aces­so aos dire­itos e fun­da­men­tam o nos­so faz­er saúde”, diz a inte­grante do grupo de tra­bal­ho Racis­mo e Saúde, da Asso­ci­ação Brasileira de Saúde Cole­ti­va (Abras­co).

As con­se­quên­cias, segun­do ela, são “impactos neg­a­tivos na qual­i­dade da assistên­cia, pre­venção, diag­nós­ti­co (geral­mente tar­dio), difi­cul­dade de trata­men­to e aces­so à infor­mação e comu­ni­cação, incidin­do nos piores des­fe­chos em saúde”.

Ionara defende que uma políti­ca para a saúde da pop­u­lação negra pro­duza dados e indi­cadores de saúde sob per­spec­ti­va étni­co-racial. Além dis­so, entende que é pre­ciso “inve­stir em instru­men­tos metodológi­cos de avali­ação da qual­i­dade da atenção à saúde da pop­u­lação negra e desen­volver práti­cas antir­racis­tas, antidis­crim­i­natórias e equân­imes nas relações e cotid­i­ano das insti­tu­ições”.

Fator renda

Além do racis­mo, como apon­taram as espe­cial­is­tas, questões soci­ais rela­cionadas a ren­da são out­ra bar­reira para o acom­pan­hamen­to da saúde da pop­u­lação negra. San­dra da Sil­va  de 51 anos, tra­bal­ha como ban­hista em um esta­b­elec­i­men­to de ban­ho e tosa. Morado­ra de Nova Iguaçu, na região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro, ela tra­bal­ha tam­bém à noite, como aju­dante de coz­in­ha.

Com o tem­po sem­pre cor­ri­do, pre­cisa bus­car alter­na­ti­vas para faz­er exam­es como mamo­grafia e pre­ven­tivos ginecológi­cos. Sem plano de saúde, este ano ela con­seguiu faz­er os exam­es em uma das unidades móveis do Sesc Saúde Mul­her, que pres­ta atendi­men­to de graça a mul­heres de 50 e 69 anos, faixa etária em que há maior propen­são ao câncer de mama.

“Quan­do eu não con­si­go pelo serviço públi­co, eu me esforço para jun­tar o val­or e con­seguir faz­er. Foi impor­tante [ter con­segui­do pelo Sesc Saúde Mul­her] pela questão de disponi­bil­i­dade de horário e cus­to”, diz.

Com os exam­es em mãos, há ain­da a difi­cul­dade de mar­car um médi­co no sis­tema públi­co. “As con­sul­tas são mar­cadas, mas o pra­zo de espera é de um a dois meses”, expli­ca. “Se eu não con­seguir mar­car um gine­col­o­gista no públi­co, vou pre­cis­ar ir a uma con­sul­ta par­tic­u­lar para não perder a val­i­dade dos exam­es”, com­ple­ta.

Políticas públicas

Durante a divul­gação do bole­tim epi­demi­ológi­co Saúde da Pop­u­lação Negra, a min­is­tra da Saúde, Nísia Trindade, enfa­ti­zou que com­bat­er o racis­mo é a agen­da do desen­volvi­men­to sus­ten­táv­el, da equidade. “Essa pau­ta deve ser uma per­spec­ti­va e não um tema iso­la­do, para que todas as ações do Min­istério da Saúde, do Mais Médi­cos ao Com­plexo Econômi­co-Indus­tri­al da Saúde, a dimen­são étni­co-racial seja, de fato, vista como deter­mi­nante social da saúde”.

O Min­istério da Igual­dade Racial infor­mou à Agên­cia Brasil que “está em artic­u­lação para for­t­ale­cer a Políti­ca Nacional de Saúde Inte­gral da Pop­u­lação Negra”.

“Den­tre os com­pro­mis­sos assum­i­dos pela políti­ca, cabe destacar o apri­mora­men­to do reg­istro do que­si­to raça/cor nos sis­temas de infor­mação do Sis­tema Úni­co de Saúde, da atenção presta­da, inclu­sive enfrentan­do o racis­mo insti­tu­cional e ade­quan­do a assistên­cia aos prob­le­mas de saúde mais preva­lentes na pop­u­lação negra, que incluem, den­tre out­ros, a ane­mia fal­ci­forme, dia­betes mel­li­tus, hiperten­são arte­r­i­al, defi­ciên­cia de gli­cose-6-fos­fa­to e as doenças infec­ciosas”, afir­mou em nota.

Edição: Maria Clau­dia

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