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Racismo influencia abordagem policial e processo por tráfico de droga

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Defensoria Pública de São Paulo acompanhou 114 processos penais


Pub­li­ca­do em 23/11/2023 — 09:32 Por Cami­la Boehm – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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As pes­soas acu­sadas por trá­fi­co de dro­gas em São Paulo são jovens, negras, pobres e morado­ras das per­ife­rias. Essa pop­u­lação con­sti­tui o alvo da guer­ra às dro­gas por parte da segu­rança públi­ca e da justiça crim­i­nal, segun­do o relatório Liber­dade Negra Sob Sus­pei­ta: o pacto da guer­ra às dro­gas em São Paulo, que avaliou 114 proces­sos penais acom­pan­hados pela Defen­so­ria Públi­ca, des­de o inquéri­to até a exe­cução da pena.

O doc­u­men­to, divul­ga­do nes­ta quin­ta-feira (23), foi pro­duzi­do pela Ini­cia­ti­va Negra, Rede Jurídi­ca pela Refor­ma da Políti­ca de Dro­gas e apoio do Núcleo Espe­cial­iza­do de Situ­ação Carcerária (Nesc) da Defen­so­ria Públi­ca do Esta­do.

“Esse dese­qui­líbrio em uma atu­ação a par­tir de um estereótipo, do racis­mo insti­tu­cional ou estru­tur­al, é uma questão que vai per­pas­san­do vários momen­tos do proces­so e da acusação dessa pes­soa. A par­tir dessa abor­dagem poli­cial, que diver­sos movi­men­tos e pesquisadores têm ques­tion­a­do há muito tem­po, [haverá] um per­fil­a­men­to que vai ser racial­iza­do e definir o públi­co alvo pri­or­itário de abor­dagem poli­cial. E vai ter como resul­ta­do tam­bém o dese­qui­líbrio de rep­re­sen­tação racial no judi­ciário brasileiro”, disse Juliana Borges, coor­de­nado­ra de artic­u­lação e incidên­cia políti­ca da Ini­cia­ti­va Negra.

Pes­soas negras cor­rem mais risco de serem pre­sas durante patrul­hamen­to (56%) ou por inves­ti­gação de denún­cia anôn­i­ma (52%) por crimes rela­ciona­dos à Lei de Dro­gas, enquan­to a maio­r­ia dos bran­cos é pre­sa durante oper­ações poli­ci­ais (63%), o que demon­stra trata­men­to difer­ente por parte de poli­ci­ais a pes­soas negras e pes­soas bran­cas durante abor­da­gens no esta­do de São Paulo.

Tal difer­ença é rel­e­vante já que, para ini­ciar uma oper­ação poli­cial, deve haver inves­ti­gação prévia, lev­an­ta­men­to de infor­mações sobre o acu­sa­do, pos­sív­el aciona­men­to da Polí­cia Civ­il, teste­munhas, indí­cios e provas. O patrul­hamen­to, no entan­to, pode con­sid­er­ar definições não obje­ti­vas sobre o que seria uma ati­tude sus­pei­ta e ocorre em locais mar­ca­dos como pon­tos de comér­cio de dro­gas.

“O que percebe­mos é que a maio­r­ia das pes­soas que estão sendo pre­sas estavam com uma quan­ti­dade ínfi­ma de sub­stân­cia [ile­gal]. E essas pes­soas não são grandes traf­i­cantes. Se a ideia do Esta­do é com­bat­er trá­fi­co, essas ações poli­ci­ais pre­cisam estar mais baseadas em inves­ti­gação, inteligên­cia, pro­dução de dados, evidên­cias”, disse Borges.

No entan­to, ela afir­ma que o que se tem vis­to hoje é que as ações poli­ci­ais estão lig­adas ao uso de patrul­hamen­to osten­si­vo, que é basea­do na leitu­ra dos poli­ci­ais do que é ou não uma ati­tude sus­pei­ta. Segun­do a pesquisa, resul­tam muitas prisões arbi­trárias de pes­soas negras.

Polícia Militar

A Polí­cia Mil­i­tar do esta­do é apon­ta­da em 80% dos proces­sos por agressões no momen­to da prisão; 66% dos relatos são de pes­soas negras, ou seja, o dobro dos 33% infor­ma­dos por bran­cos. “As ações poli­ci­ais são em sua maio­r­ia, arbi­trárias, vio­lado­ras de dire­itos e vio­len­tas, levan­do a altos índices de letal­i­dade entre as pop­u­lações negras e os agentes de segu­rança públi­ca, tam­bém em sua maio­r­ia, pes­soas negras”, diz o doc­u­men­to.

Segun­do a pesquisa, há uma estru­tu­ra judi­cial e um sis­tema penal his­tori­ca­mente con­struí­do a par­tir de estatu­tos colo­ni­ais e escrav­ocratas des­de a abolição incon­clusa no Brasil.

O sis­tema de justiça crim­i­nal, por sua vez, legit­i­ma e per­pet­ua uma lóg­i­ca de encar­ce­ra­men­to em mas­sa que for­t­alece o crime orga­ni­za­do, impon­do pes­soas em con­fli­to com a justiça crim­i­nal a um proces­so de desuman­iza­ção através do cárcere, geran­do con­se­quên­cias deletérias às famílias e comu­nidades negras e aos ter­ritórios per­iféri­cos”, acres­cen­ta o relatório.

Além dis­so, a pesquisa apon­tou que jus­ti­fica­ti­vas con­sid­er­adas frágeis dadas pelas autori­dades poli­ci­ais durante a aber­tu­ra do inquéri­to poli­cial foram reforçadas e cor­rob­o­radas por juízes no momen­to da análise dos casos e exe­cução da pena. Em ape­nas 15 ocor­rên­cias foi con­fir­ma­da a pre­sença de teste­munhas civis, enquan­to em 99 ocor­rên­cias, ou seja, em 87% dos casos, a úni­ca teste­munha do proces­so crim­i­nal é a própria autori­dade respon­sáv­el pela prisão.

No estu­do, foi obser­va­do um padrão de sev­eri­dade ado­ta­do pelo judi­ciário nas penas rela­cionadas à Lei de Dro­gas no esta­do, explic­i­ta­do pela maio­r­ia de con­de­nações por trá­fi­co priv­i­le­gia­do, que não é con­sid­er­a­do crime hedion­do pelo Códi­go Penal Brasileiro, mas que aparece em 33% dos proces­sos equiparadas à crimes de maior gravi­dade para jus­ti­ficar as penas em regime fecha­do e uma mul­ta cumu­la­da de um a 200 dias mul­tas, o que pode chegar a R$ 7.272,00.

O relatório ressalta que, emb­o­ra a Lei de Dro­gas não pre­vê a pena de prisão para o usuário de sub­stân­cias con­sid­er­adas ilíc­i­tas, a fal­ta de critérios obje­tivos para a dis­tinção entre usuário e traf­i­cante, lev­ou ao lon­go dos anos a um aumen­to expo­nen­cial no encar­ce­ra­men­to em mas­sa no país.

Perfil

Os dados apon­tam ain­da que 54% das pes­soas pre­sas nos proces­sos anal­isa­dos eram negras. A maior parte dos pre­sos é jovem, sendo 58% com idade entre 18 e 21 anos, e não tem antecedentes crim­i­nais – 51% são réus primários.

Além dis­so, 54% dos pre­sos estavam desem­pre­ga­dos no momen­to da prisão; 40% ale­gou ter uma ocu­pação profis­sion­al e, destes, 65% real­izavam serviços gerais ou atu­avam como téc­ni­cos de manutenção.

Sobre a ren­da das pes­soas encar­cer­adas que declararam ter algu­ma ocu­pação remu­ner­a­da, 28% tin­ham rendi­men­tos aci­ma de R$ 1.500, con­tra um total de 66% de pes­soas que não con­seguiam chegar a este rendi­men­to por mês. Cer­ca de 7% dos proces­sos não con­tin­ham infor­mações sobre a ren­da.

Quan­do se com­para o grau de esco­lar­i­dade dos acu­sa­dos, a van­tagem é dos bran­cos, já que 62% deles cur­saram todo o ensi­no médio, enquan­to só 39% dos negros com­ple­taram essa eta­pa do ensi­no. A maio­r­ia das pes­soas negras acu­sadas pela Lei de Dro­gas no esta­do não chegou a com­ple­tar o ensi­no fun­da­men­tal — o equiv­a­lente a 71% dos casos.

Edição: Valéria Aguiar

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