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Reconhecimento fotográfico de réu pode levar a erro, diz relatório

Repro­dução: © Thathi­ana Gurgel/DPRJ

Levantamento é da Defensoria Pública do Rio


Pub­li­ca­do em 05/05/2022 — 06:55 Por Mar­i­ana Tokar­nia – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

Tia­go Vian­na Gomes, 28 anos, foi pre­so duas vezes por crimes que não come­teu. Isso acon­te­ceu porque uma foto dele con­sta­va em álbum de sus­peitos, em uma del­e­ga­cia de polí­cia. Tia­go foi denun­ci­a­do, ape­nas com base no recon­hec­i­men­to de sua imagem, por crime de roubo, nove vezes. Em nen­hum dos sete casos já encer­ra­dos, foi con­sid­er­a­do cul­pa­do. Dois casos ain­da trami­tam na Justiça.

O relatório O recon­hec­i­men­to fotográ­fi­co nos proces­sos crim­i­nais no Rio de Janeiro, divul­ga­do hoje (5) pela Defen­so­ria Públi­ca do Esta­do (DPRJ), mostra que o que ocor­reu com Gomes, que é morador de Mesqui­ta (RJ), não é exceção. De um total de 242 proces­sos anal­isa­dos pela DPRJ, que se basear­am em recon­hec­i­men­to fotográ­fi­co, os réus acabaram sendo inocen­ta­dos em 30% dos casos jul­ga­dos.

Entre as 65 pes­soas con­sid­er­adas inocentes, 83%, ou seja, 54 pes­soas, havi­am tido a prisão pre­ven­ti­va dec­re­ta­da. Até serem absolvi­das, ficaram pre­sas, em média, um ano e dois meses. O perío­do mais cur­to foi 24 dias e o mais lon­go, seis anos.

“Eu fiquei prati­ca­mente nove meses pre­so, sem ter feito nada”, diz Gomes. “Sem­pre tra­bal­hei fixo, de carteira assi­na­da, e ago­ra não con­si­go mais tra­bal­ho. Já entreguei diver­sos cur­rícu­los e não fui mais chama­do. Acho que a Justiça é muito fal­ha, acho que antes tin­ha que pesquis­ar a vida da pes­soa, ver quem é, ver se é de boa ou má índole”.

Reconhecimento fotográfico

A leg­is­lação brasileira esta­b­elece, no Códi­go de Proces­so Penal, o que deve ser feito nas del­e­ga­cias para se recon­hecer pes­soas sus­peitas. O rit­u­al pas­sa por, por exem­p­lo, por pedir que a víti­ma descre­va a pes­soa e a iden­ti­fique pres­en­cial­mente, se pos­sív­el, ao lado de out­ras pes­soas com car­ac­terís­ti­cas semel­hantes.

A sub­co­or­de­nado­ra de Defe­sa Crim­i­nal da DPRJ, Isabel Sch­pre­jer, expli­ca que o recon­hec­i­men­to por foto não está expres­sa­mente pre­vis­to na leg­is­lação, mas o entendi­men­to majoritário é que esse recon­hec­i­men­to pode ser real­iza­do des­de que sejam obser­va­dos os req­ui­si­tos legais e que o recon­hec­i­men­to pes­soal seja essen­cial­mente pres­en­cial.

“Na práti­ca, a gente obser­va que isso não é real­iza­do”, diz, Isabel, que acres­cen­ta: “O que a gente obser­va, muitas vezes, é a exibição de uma úni­ca fotografia para a víti­ma ou a exibição de um álbum de sus­peitos para ela  fol­hear e apon­tar livre­mente a pes­soa que entende ser mais pare­ci­da com o crim­i­noso”.

Out­ro prob­le­ma, segun­do Isabel, é que a par­tir do recon­hec­i­men­to de uma foto, o que ocorre na práti­ca é que são ini­ci­a­dos proces­sos penais sem a neces­si­dade de out­ras provas. “O recon­hec­i­men­to dev­e­ria ser feito quan­do já há um sus­peito, por out­ros motivos quais­quer, por exem­p­lo, a pes­soa foi encon­tra­da com obje­to do crime. Então, vira uma inves­ti­gação e ai se faz o pro­ced­i­men­to de recon­hec­i­men­to. Isso é inver­tido”.

Falhas no reconhecimento por fotos

O relatório mostra que o recon­hec­i­men­to por fotos pode ser fal­ho e ape­nas repro­duzir pre­con­ceitos. A pesquisa da DPRJ reforça o per­fil dos acu­sa­dos com base no recon­hec­i­men­to fotográ­fi­co: homem e negro. Segun­do o estu­do, entre os réus jul­ga­dos, 95,9% são home­ns e 63,74%, negros, soman­do-se pre­tos e par­dos con­forme a definição do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE).

“Só esse recon­hec­i­men­to já serve para faz­er uma ação penal e, muitas vezes, uma con­de­nação. E a gente sabe que exis­tem fal­sas memórias, que a memória humana não é uma máquina fotográ­fi­ca, que a memória pode ser induzi­da. Então, há mui­ta pre­ocu­pação com con­de­nação injus­ta, que gera muitos erros judi­ciários e muitos prob­le­mas na vida das pes­soas”, diz Isabel.

A história de Gomes é pro­va dis­so. Depois de todas as denún­cias, em abril deste ano a Justiça con­fir­mou a lim­i­nar, obti­da pela Defen­so­ria Públi­ca do Rio, que deter­mi­na a exclusão da foto de Tia­go do cadas­tro de sus­peitos da 54ª Del­e­ga­cia da Polí­cia de Nilópo­lis.

O relatório pesquisou proces­sos jul­ga­dos pelo Tri­bunal de Justiça do Rio (TJRJ) entre janeiro e jun­ho de 2021. No total, foram anal­isa­dos 242 proces­sos, envol­ven­do 342 réus que se rela­cionam com o tema. Os proces­sos foram ini­ci­a­dos entre 2005 e 2021. A maio­r­ia deles, 44,93%, trami­tou orig­i­nal­mente na cap­i­tal flu­mi­nense.

Na maio­r­ia dos proces­sos anal­isa­dos, 88,84%, a acusação era de crime de roubo. Os réus foram man­ti­dos pre­sos pro­vi­so­ri­a­mente em 83,91% dos casos.

Trabalho conjunto

Isabel defende mudanças nas várias instân­cias e que diver­sos atores este­jam envolvi­dos, des­de poli­ci­ais, para que não sejam ofer­e­ci­das denún­cias ape­nas com base no recon­hec­i­men­to, a advo­ga­dos, defen­sores públi­cos e tri­bunais.

Ques­tion­a­da sobre o uso do recon­hec­i­men­to fotográ­fi­co como for­ma de iden­ti­ficar sus­peitos, a Sec­re­taria de Esta­do de Polí­cia Civ­il diz, em nota, que os del­e­ga­dos “são ori­en­ta­dos a não usar ape­nas o recon­hec­i­men­to fotográ­fi­co como úni­ca pro­va em inquéri­tos poli­ci­ais para pedir a prisão de sus­peitos”.

A insti­tu­ição acres­cen­ta: “O méto­do, que é aceito pela Justiça, é um instru­men­to impor­tante para o iní­cio de uma inves­ti­gação, mas deve ser rat­i­fi­ca­do por out­ras provas téc­ni­cas”.

Avanços

Este é o ter­ceiro relatório divul­ga­do pela DPRJ. Em fevereiro de 2021, a Defen­so­ria pub­li­cou out­ro lev­an­ta­men­to, com dados de dez esta­dos, que mostravam que em 60% dos casos de recon­hec­i­men­to fotográ­fi­co equiv­o­ca­do em sede poli­cial hou­ve a dec­re­tação da prisão pre­ven­ti­va e, em média, o tem­po de detenção foi de 281 dias, aprox­i­mada­mente nove meses.

A pesquisa ger­ou reper­cussão e, em agos­to do mes­mo ano, o Con­sel­ho Nacional de Justiça (CNJ) criou grupo de tra­bal­ho para traçar pro­to­co­los a fim de evi­tar a con­de­nação de pes­soas inocentes. For­ma­do por espe­cial­is­tas rep­re­sen­tantes do Judi­ciário, do Min­istério Públi­co, da Defen­so­ria Públi­ca, da segu­rança públi­ca, da advo­ca­cia e de out­ras insti­tu­ições, o grupo vai realizar estu­dos e elab­o­rar pro­pos­ta de reg­u­la­men­tação de dire­trizes e pro­ced­i­men­tos para o recon­hec­i­men­to pes­soal em proces­sos crim­i­nais.

A coor­de­nação dos tra­bal­hos é do min­istro do Supe­ri­or Tri­bunal de Justiça (STJ) Roge­rio Schi­et­ti Macha­do Cruz. Ini­cial­mente, o grupo teria 180 dias para for­mu­lar essas pro­postas, mas as ativi­dades foram pror­ro­gadas por mais 180 dias, pra­zo que se encer­ra em setem­bro. Segun­do a asses­so­ria de impren­sa do CNJ, ain­da não foi con­cluí­da nen­hu­ma ori­en­tação.

Em janeiro de 2022, o Tri­bunal de Justiça do Rio reco­men­tou aos mag­istra­dos que reavaliassem as decisões em que a prisão pre­ven­ti­va do acu­sa­do foi dec­re­ta­da somente com base no recon­hec­i­men­to fotográ­fi­co. A recomen­dação foi fei­ta com base em decisão do STJ, que estip­u­lou que o recon­hec­i­men­to do sus­peito por sim­ples exibição de fotografia deve ser con­sid­er­a­do ape­nas uma eta­pa do recon­hec­i­men­to pes­soal e não pode servir como úni­ca pro­va em ação penal, ain­da que con­fir­ma­do em juí­zo.

Edição: Graça Adju­to

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