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Restrições impostas pela milícia no Rio vão de água a convívio social

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Em 16 anos, áreas dominadas pelas milícias cresceram 387% no Rio


Pub­li­ca­do em 24/10/2023 — 20:05 Por Mar­i­ana Tokar­nia – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro
Atu­al­iza­do em 25/10/2023 — 12:48

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“O trans­porte públi­co sendo queima­do é só a pon­ta de um prob­le­ma gigan­tesco que a gente vive na zona oeste”, diz um morador* do Rio de Janeiro onde 35 ônibus e um trem foram queima­dos na segun­da-feira (24) pela maior milí­cia do esta­do.  Ele con­ta que, no dia a dia, paga mais caro por itens como galões de água e boti­jão de gás, além de não poder escol­her serviços de inter­net ou de TV a cabo, sendo obri­ga­do a con­tratar aque­les que são con­tro­la­dos pelas milí­cias.   

“Até a água que a gente bebe é deter­mi­na­da, às vezes, pela milí­cia. Eu pos­so com­prar no raio da min­ha casa por um val­or. Se eu tra­bal­ho em out­ro bair­ro mais dis­tante, e lá for mais bara­to, eu não pos­so levar para onde eu moro por risco de sofr­er algu­ma vio­lên­cia. Eles impactam muito o ir e vir das pes­soas. É muito com­pli­ca­do, com­pli­ca­do até de falar. É um silên­cio que parece cal­ma, mas é medo”, afir­ma.

Na segun­da-feira, os veícu­los foram queima­dos em reação à morte de Matheus da Sil­va Rezende, o Faustão, lig­a­do à milí­cia e que foi mor­to pela polí­cia. A reação do crime orga­ni­za­do é con­sid­er­a­da pela Rio Ônibus o maior ataque à fro­ta da cidade já real­iza­do em um úni­co dia. A ação, clas­si­fi­ca­da de ter­ror­ista pelo gov­er­no do esta­do, chamou a atenção para as milí­cias, cujo domínio cresce no Rio de Janeiro.

Atual­mente, cer­ca de 20% da área da região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro é con­tro­la­da por algum grupo arma­do, e as milí­cias dom­i­nam metade dessas áreas, con­forme o Mapa dos Gru­pos Arma­dos, lança­do nes­ta terça-feira (24), em uma parce­ria do Insti­tu­to Fogo Cruza­do com o Grupo de Estu­dos dos Novos Ile­gal­is­mos, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (GENI-UFF). Em 16 anos, as áreas dom­i­nadas pelas milí­cias cresce­r­am 387%.

De for­ma ger­al, as milí­cias são gru­pos para­mil­itares for­ma­dos tan­to por servi­dores públi­cos da área de segu­rança quan­to por civis da área de segu­rança. Segun­do o pro­fes­sor José Clau­dio Sousa Alves, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Rur­al do Rio de Janeiro, as milí­cias desen­volvem-se a par­tir dos gru­pos de exter­mínio, que se for­maram a par­tir dos anos 1990. As relações foram se tor­nan­do mais com­plexas e, de acor­do com Alves, há acor­dos de milí­cias com facções do trá­fi­co. Não se tra­ta de uma úni­ca milí­cia, são gru­pos que inclu­sive rival­izam entre si. Por terem surgi­do de den­tro do esta­do, são orga­ni­za­ções que guardam pro­teção e influên­cia tan­to den­tro das forças de segu­rança quan­to na políti­ca.

Para Alves, os ataques aos veícu­los mostram a ampli­tude das áreas sob domínio de tais orga­ni­za­ções, que “vêm crescen­do e apro­fun­dan­do a capaci­dade de atu­ação e estão sendo capazes de alter­ar o cenário muito rap­i­da­mente, de faz­er alianças e con­tin­uar com estru­tu­ra de poder”. “O poder mili­ciano está muito mais amp­lo e muito mais pen­e­tra­do na estru­tu­ra social e geográ­fi­ca de todo esse eixo da Zona Oeste, de San­ta Cruz, Recreio, Bar­ra, pas­san­do todos ess­es ter­ritórios, man­i­fe­s­tando o seu poder ago­ra, poder muito mais con­sol­i­da­do”, acres­cen­ta o pro­fes­sor.

Aumento da violência

A ten­são nos ter­ritórios con­tro­la­dos por ess­es gru­pos prosseguiu nes­ta terça-feira. “Enquan­to a gente está falan­do, a polí­cia está pas­san­do. É ten­são que não ces­sa. Estão man­dan­do o comér­cio fechar. Os com­er­ciantes, além de pagar sobre­taxa, sofrem vio­lên­cias, e esse ten­sion­a­men­to ago­ra inter­fere na vida econômi­ca das famílias. Quem tem comér­cio, quem vende um lanche, quem tem sorvet­e­ria, uma coisa peque­na, está fecha­do neste momen­to. Bem cru­el a nos­sa vida nesse cenário”, diz o morador da zona oeste.

A apreen­são per­manece no dia a dia, quan­do as pes­soas pre­cisam pagar uma taxa men­sal para que seja fei­ta a segu­rança local. “As pes­soas das casas pagam taxa men­sal de segu­rança, que a gente não sabe que segu­rança que é, na ver­dade. É o inver­so dis­so. Pagam uma taxa para não sofr­er uma vio­lên­cia de quem lhes cobra.”

Dados do Insti­tu­to Fogo Cruza­do mostram que o número de mor­tos a tiros na zona oeste mais do que dobrou, reg­is­tran­do aumen­to de 127% de 2022 para 2023. De janeiro a out­ubro deste ano, foram 248 mortes, con­tra 109 no mes­mo perío­do de 2022. O número de tiroteios aumen­tou 55%: foram 475 de janeiro a out­ubro de 2022, e 737 de janeiro a out­ubro de 2023.

De acor­do com o insti­tu­to, as chaci­nas tam­bém dis­pararam. Foram qua­tro chaci­nas entre janeiro e out­ubro de 2022, que deixaram 12 mor­tos. No mes­mo perío­do deste ano, foram oito casos, com 50 mor­tos. Enquan­to, em 2022, hou­ve uma chaci­na poli­cial, com três mor­tos, em 2023, foram oito chaci­nas poli­ci­ais, com 28 mor­tos.

Segun­do o coor­de­nador do Insti­tu­to Fogo Cruza­do no Rio de Janeiro, Car­los Nhanga, a relação entre a milí­cia e o Esta­do é o que mais difi­cul­ta o com­bate a ess­es gru­pos. “O fato dela estar intrin­se­ca­mente lig­a­da ao Esta­do hoje é o maior prob­le­ma do enfrenta­men­to às milí­cias e ao crime orga­ni­za­do como um todo. Você tem agentes com infor­mações priv­i­le­giadas do poder públi­co ceden­do essas infor­mações para o crime orga­ni­za­do. É muito difí­cil imag­i­nar que haja um com­bate de fato efe­ti­vo para frear a atu­ação da milí­cia”, diz Nhanga.

Combate às milícias

Após os ataques, o gov­er­nador do Rio de Janeiro, Cláu­dio Cas­tro, deter­mi­nou que toda a força poli­cial do esta­do este­ja nas ruas, com o uso de viat­uras, car­ros blinda­dos, helicópteros e drones. Após os incên­dios crim­i­nosos de segun­da-feira, 12 pes­soas foram deti­das. Segun­do Cas­tro, seis foram lib­er­adas por ausên­cia de “indí­cio de auto­ria e mate­ri­al­i­dade”.

De acor­do com a polí­cia, o homem mor­to, que des­en­cadeou os ataques, con­heci­do como Faustão, era o número 2 na hier­ar­quia da milí­cia em San­ta Cruz e Cam­po Grande, na zona este. O líder Zin­ho (Luis Antônio da Sil­va Bra­ga), líder da mes­ma orga­ni­za­ção, Tandera (chefe de out­ra milí­cia) e Abel­ha (líder do Coman­do Ver­mel­ho) são procu­ra­dos pela polí­cia, infor­mou o gov­er­nador.

Tan­to Alves quan­to Nhanga defen­d­em ações estru­tu­rais para enfrentar o crime orga­ni­za­do.

A bus­ca por líderes de deter­mi­nadas orga­ni­za­ções não vai, soz­in­ha, solu­cionar a questão, afir­ma Nhanga. “Ano após ano, tan­to o Esta­do quan­to a impren­sa elegem ali o ban­di­do mais procu­ra­do e mais perigoso do Rio de Janeiro e, como con­se­quên­cia dis­so, temos várias oper­ações, tiroteios, mortes, impactos nos serviços públi­cos durante essa caça a um títu­lo que se ren­o­va anual­mente”, diz. “São difer­entes nomes, mas sem­pre com o esta­do operan­do como mes­mo méto­do, indi­vid­u­alizar, per­son­ificar toda uma estru­tu­ra crim­i­nosa numa mes­ma pes­soa para dar uma sen­sação de com­bate ao crime orga­ni­za­do.”

Segun­do o coor­de­nador do Insti­tu­to Fogo Cruza­do, dados como os lev­an­ta­dos pela insti­tu­ição podem ser úteis para desen­har políti­cas públi­cas voltadas para as áreas de maior cresci­men­to do crime orga­ni­za­do e para traçar tendên­cias que podem aju­dar o esta­do.

O pro­fes­sor Alves diz que, para haver uma solução, primeiro, seria necessário recon­fig­u­rar a estru­tu­ra da segu­rança públi­ca, indo além do con­fli­to béli­co, que, segun­do ele, tem sido a políti­ca públi­ca prat­i­ca­da. “Tem que mudar a raiz dos con­fron­tos, tem que dialog­ar com a pop­u­lação de cada região. As pes­soas têm que se trans­for­mar, elas próprias, em autoras de políti­cas públi­cas que vão aju­dar a resolver seus prob­le­mas. Não podem ser mera­mente mas­sa de manobra eleitoral. É pre­ciso mudar a for­ma de lidar com a pop­u­lação, trans­for­má-la em uma pop­u­lação ati­va.”

Alves defende ain­da políti­cas voltadas para a cul­tura, para ativi­dades que deem per­spec­ti­va de vida e de ren­da aos jovens, espe­cial­mente nas regiões mais pobres. Isso fará com que eles sejam menos coop­ta­dos pelo crime orga­ni­za­do. “Se não cam­in­ha nes­sas direções, não vai resolver esse prob­le­ma nun­ca. Pode matar quan­tos você quis­er dizen­do que está resol­ven­do o prob­le­ma. Isso é uma balela, é uma men­ti­ra. Você está é empurran­do o prob­le­ma, amplian­do o prob­le­ma”, diz o pro­fes­sor.

*O morador da zona oeste entre­vis­ta­do pela Agên­cia Brasil não foi iden­ti­fi­ca­do por questão de segu­rança

Edição: Nádia Fran­co

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