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Réus no STF deturpam conceito de anistia, diz presidente de comissão

Ana Maria Oliveira alerta que impunidade encoraja ataques à democracia

Luiz Cláu­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 02/04/2025 — 16:03
Brasília
Brasília (DF), 26/03/2025 - Ana Maria Lima de Oliveira Presidente da Comissão de Anistia, durante evento que o coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça protocolam pedido de Anistia Coletiva em Brasília. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: © José Cruz/Agência Brasil

Os réus no Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al por ten­ta­ti­va de golpe de Esta­do, incluin­do os con­de­na­dos pelos ataques aos pré­dios dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, detur­pam o con­ceito de anis­tia para, na ver­dade, “pedir perdão pelos crimes cometi­dos”. Essa é a avali­ação da pres­i­dente da Comis­são de Anis­tia, Ana Maria Oliveira. O órgão é lig­a­do ao Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia.

“Anis­tia é um out­ro con­ceito. É o que o Esta­do brasileiro está fazen­do con­tra aque­les que foram persegui­dos pelo Esta­do dita­to­r­i­al”, disse, em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Ana Maria, que é procu­rado­ra aposen­ta­da e está na comis­são des­de 2004, entende, inclu­sive, que as pes­soas que atacaram recen­te­mente a democ­ra­cia foram enco­ra­jadas pela impunidade de acu­sa­dos de tor­tu­ra e morte em pré­dios públi­cos, inclu­sive, que nun­ca foram respon­s­abi­liza­dos.

Para ela, são urgentes tan­to a respon­s­abi­liza­ção dess­es crimes, mes­mo que pas­sa­dos 61 anos, bem como a atu­ação na área da edu­cação para que os mais jovens com­preen­dam o impacto para a sociedade brasileira.

Leia tre­chos da entre­vista de Ana Maria Oliveira para a Agên­cia Brasil

Agên­cia Brasil: Como a sen­ho­ra avalia esse momen­to de con­sci­en­ti­za­ção da sociedade brasileira em relação à anis­tia?

Ana Maria Oliveira: Ain­da temos muito cam­in­ho pela frente. Pre­cisamos que o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al não acoberte com o man­to da anis­tia os tor­tu­radores da ditadu­ra. Isso porque a lei de 1979, a 6683, não é uma lei de anis­tia para tor­tu­rador. Ela é uma lei de memória.

Temos, nesse momen­to, algu­mas coisas para cel­e­brar. Incluin­do a importân­cia da cul­tura para o debate políti­co e o filme Ain­da estou Aqui, que nar­ra a vida e a tra­jetória de lutas de Eunice Pai­va por justiça e por memória e por encon­trar os restos mor­tais de Rubens Pai­va, ex-dep­uta­do fed­er­al e mari­do de Eunice, assas­si­na­do nos porões da ditadu­ra.

O filme trouxe esse debate para a sociedade na medi­da em que abor­dou a questão dos desa­parec­i­men­tos força­dos, da morte, de todas as vio­lações, pelo viés da família.

A Eunice Pai­va deu cor­po, voz e vis­i­bil­i­dade a muitas mul­heres que lutaram pelas liber­dades e que são a maio­r­ia invis­i­bi­lizadas. Nós fize­mos no final de março, na sessão inau­gur­al da comis­são, uma sessão espe­cial de hom­e­nagem às mul­heres do cam­po, da cidade, das per­ife­rias e anôn­i­mas que tiver­am suas vidas dev­as­tadas nesse proces­so dita­to­r­i­al.

É pre­ciso que nós con­tin­ue­mos a tra­bal­har. É pre­ciso que nós con­te­mos para o Brasil e para o mun­do, espe­cial­mente para as cri­anças de hoje, e as de aman­hã, o que ocor­reu na ditadu­ra. Foi um golpe con­tra a democ­ra­cia brasileira, con­tra o Esta­do de Dire­ito, con­tra o povo brasileiro que luta­va por mel­hores condições de vida no gov­er­no do pres­i­dente João Goulart.

O resul­ta­do da não respon­s­abi­liza­ção de tor­tu­radores, de todos aque­les que vio­laram a democ­ra­cia e os dire­itos humanos, foi o 8 de janeiro (de 2023). É pre­ciso res­gatar memória históri­ca. A sociedade pre­cisa recon­hecer nos seus municí­pios os locais onde foram feitas as prisões e a tor­tu­ra de muitos brasileiros.

Agên­cia Brasil: Em relação às pau­tas no Con­gres­so Nacional que defen­d­em anis­tia para quem come­teu os ataques no 8 de janeiro, é uma detur­pação da palavra anis­tia?

Ana Maria Oliveira: O que está sendo pedi­do no Con­gres­so Nacional não é anis­tia. O que está sendo pedi­do no Con­gres­so Nacional é perdão aos crimes cometi­dos por aque­les que aten­taram con­tra a democ­ra­cia.

Anis­tia é um out­ro con­ceito. É o que o Esta­do brasileiro está fazen­do con­tra aque­les que foram persegui­dos pelo Esta­do dita­to­r­i­al. Os que pedem anis­tia, na ver­dade, não foram persegui­dos, não foram pre­sos, não foram tor­tu­ra­dos. Eles não sofr­eram vio­lações do Esta­do.

Eles estão sendo jul­ga­dos den­tro do Esta­do Democráti­co de Dire­ito, com todos os seus dire­itos sendo respeita­dos.

Agên­cia Brasil: Então esse pedi­do de anis­tia dos ataques do 8 de janeiro não cabe na leg­is­lação?

Ana Maria Oliveira: Isso é uma difer­ença muito fun­da­men­tal para que a sociedade enten­da. A anis­tia é se eles tivessem sido pre­sos. Se eles tivessem sido mor­tos, assas­si­na­dos, se eles tivessem ou seus famil­iares persegui­dos.

Isso seria um pedi­do de anis­tia, que é o que nós esta­mos fazen­do. Hoje nós ped­i­mos des­cul­pas àque­les que lutaram pelas liber­dades no regime de exceção e que, por­tan­to, foram persegui­dos pelo Esta­do dita­to­r­i­al.

Agên­cia Brasil: Essa é uma con­se­quên­cia do fato de não ter havi­do respon­s­abi­liza­ção a tor­tu­radores do regime?

Ana Maria Oliveira: Esse país é um país sem memória. Na medi­da em que você não respon­s­abi­li­zou os tor­tu­radores, como o (coro­nel do exérci­to Car­los) Bril­hante Ustra (1932 — 2015), como o (del­e­ga­do Sér­gio) Fleury (1933 — 1979), e todos os out­ros que vio­laram os dire­itos humanos, o que acon­tece é que isso deu uma sen­sação de impunidade.

Agên­cia Brasil: Essa sen­sação enco­ra­jou essas pes­soas que são proces­sadas e jul­gadas pelo STF?

Ana Maria Oliveir:  Exata­mente. Como não hou­ve respon­s­abi­liza­ção no pas­sa­do, ago­ra eles acham que tam­bém podem ser, entre aspas, anis­ti­a­dos, ou ser per­doa­d­os pelo que eles fiz­er­am.

Agên­cia Brasil: Em relação às víti­mas da ditadu­ra e seus fil­hos e netos, o quão longe  esta­mos de faz­er justiça a essas pes­soas?

Ana Maria Oliveira: Nós, na Comis­são de Anis­tia, temos enten­di­do que, com base em estu­dos cien­tí­fi­cos de vários psicól­o­gos e psiquia­tras, as vio­lações sofridas pelo persegui­do é trans­gera­cional. Atinge toda a família, fil­hos e netos.

Muitos tiver­am que nascer no exílio, longe da con­vivên­cia com os seus famil­iares. Viver­am com seus pais de for­ma clan­des­ti­na. As ações de memória que nós esta­mos imple­men­tan­do na comis­são, espe­cial­mente com os pedi­dos de anis­tia cole­ti­va, servem para dar vis­i­bil­i­dade ao que acon­te­ceu nesse país.

Ao fim e ao cabo, é um pedi­do de des­cul­pa para toda a sociedade.

Agên­cia Brasil: Depois dos efeitos do filme e tam­bém da data do golpe, como man­ter a sociedade brasileira lig­a­da nesse tema?

Ana Maria Oliveira: Nós pre­cisamos de políti­cas de memória para que o tem­po todo a sociedade brasileira con­heça e recon­heça o que acon­te­ceu neste país pelo viés da edu­cação. É pre­ciso que nós não só fale­mos deste tema em março e em abril.

Nós vamos voltar a faz­er as Car­a­vanas da Anis­tia, que é levar a Comis­são de Anis­tia para os lugares onde ocor­reram as vio­lações para que ali a gente não só apre­cie os proces­sos daque­les que foram persegui­dos lá no lugar.

Todas essas políti­cas de memória são impor­tantes para a gente con­tin­uar falan­do sobre o tema o ano inteiro.

Nós vamos tam­bém retomar os pro­je­tos de Mar­cas da Memória (para reba­ti­zar espaços e logradouros que ain­da têm nome de tor­tu­radores brasileiros).

Nós esta­mos com 61 anos do golpe e até ago­ra prati­ca­mente ninguém foi respon­s­abi­liza­do. É pre­ciso que o Esta­do brasileiro se empen­he para devolver às famílias os restos mor­tais daque­les que foram persegui­dos.

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