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Revolta dos Malês: 190 anos da maior rebelião escrava urbana do Brasil

Episódio é parte de diversas revoltas que ocorreram na Bahia

Lucas Pordeus León – Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 24/01/2025 — 09:24
Brasília
Brasília (DF) 16/01/2025 - Em1835, ocorreu em Salvador, a antiga província da Bahia, a maior revolta de escravizados negros no Brasil, levante histórico e sem precedentes até então, a Revolta dos Malês ou a Insurreição dos Malês. Ilustrção Harper's Weekly/Arquivo
Repro­dução: © Ilus­tarção Harper’s Weekly/Arquivo

No dia 24 de janeiro de 1835, tra­bal­hadores africanos escrav­iza­dos ocu­param Sal­vador (BA) enfrentan­do, durante mais de três horas, civis e sol­da­dos colo­ni­ais na revol­ta que ficou con­heci­da como a mais impor­tante rebe­lião urbana de escrav­iza­dos do Brasil.Ain­da hoje, 190 anos depois, a Revol­ta dos Malês é lem­bra­da em estu­dos, livros, blo­cos de car­naval, filmes e exposições de arte.

Esti­ma-se que 600 africanos ten­ham par­tic­i­pa­do do movi­men­to. Pro­por­cional­mente, isso equiv­a­le­ria a 12 mil pes­soas con­sideran­do a pop­u­lação atu­al de Sal­vador. O his­to­ri­ador baiano João José dos Reis cal­cu­lou que mais de 70 africanos mor­reram nos con­fli­tos e cer­ca de 500, em esti­ma­ti­vas con­ser­vado­ras, foram punidos com penas de morte, prisão, açoites ou depor­tações.

“Emb­o­ra durasse pouco tem­po, foi o lev­ante de escravos urbanos mais sério ocor­ri­do nas Améri­c­as”, afir­ma o espe­cial­ista no livro Rebe­lião Escra­va no Brasil: a História do Lev­ante dos Malês (1835).

O his­to­ri­ador dos Reis esti­ma que Sal­vador tin­ha, em 1835, 65,5 mil habi­tantes, sendo 42% escravos (27,5 mil) e 29,8% de negros ou par­dos livres (19,5 mil). Os bran­cos rep­re­sen­tavam 28,8% da pop­u­lação da cap­i­tal baiana (18,5mil).

O ter­mo malê era como os africanos muçul­manos trazi­dos ao Brasil eram chama­dos, sendo esse o prin­ci­pal grupo que orga­ni­zou o lev­ante.

Chama­da tam­bém de Grande Insur­reição, o episó­dio é parte de diver­sas revoltas que ocor­reram na Bahia entre 1807 e 1844, sendo a dos Malês a mais impor­tante delas, segun­do pesquisa do his­to­ri­ador e sociól­o­go Clóvis Moura.

Segun­do esse pesquisador, a revol­ta de 1835 não foi uma eclosão vio­len­ta e des­or­ga­ni­za­da, surgi­da por um inci­dente qual­quer. Até mes­mo um fun­do com recur­sos foi cri­a­do para finan­ciar as ativi­dades dos escrav­iza­dos rebeldes.

“[O lev­ante] será plane­ja­do nos seus detal­h­es, pre­ce­di­do de todo um perío­do orga­ni­za­ti­vo – fase obscu­ra de ali­ci­a­men­to e preparação. Ess­es escravos se reuni­ram sec­re­ta­mente em diver­sos pon­tos de Sal­vador. Cri­aram um clube, tam­bém secre­to, que fun­ciona­va na Bar­ra [da Vitória]”, afir­mou Moura no livro Os Quilom­bos e a Rebe­lião Negra.

O plano era, após a eclosão da rebe­lião em Sal­vador, seguir para os engen­hos, o epi­cen­tro da escravidão baiana.

“De lá vier­am com­bat­entes para a cidade; des­ta seguiri­am as forças rebeldes para lev­an­tar a escravaria dos engen­hos”, afir­mou o his­to­ri­ador João José Reis.

Malês hoje

A revol­ta ain­da ecoa nos dias atu­ais ao ser res­gata­da por estu­dos, livros, filmes, blo­cos de car­naval e obras de arte. Em 1979, a revol­ta deu nome ao blo­co afro Malê Debalê, de Sal­vador, que hom­e­nageia os que lutaram con­tra a escravidão em 1835.

Um dos maiores clás­si­cos da lit­er­atu­ra brasileira do sécu­lo 21, o livro Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, pub­li­ca­do em 2006, con­ta a história da per­son­agem Kehinde, sequestra­da na África e trazi­da à Bahia no iní­cio do sécu­lo 19.

Na obra, Ana Maria retra­ta, como pano de fun­do do romance, fatos históri­cos lig­a­dos à Revol­ta dos Malês. Kehinde, reba­ti­za­da Luísa Mahin ao chegar a Sal­vador, par­ticipou da revol­ta e foi a mãe do líder abo­l­i­cionista Luiz Gama.

No final de 2024, estre­ou nos cin­e­mas o lon­ga-metragem Malês, estre­la­do e dirigi­do por Antônio Pitan­ga, que retra­ta a história da insur­reição.

A exposição Eco Malês, em car­taz na Casa das Histórias de Sal­vador até maio de 2025, reúne 114 obras de 48 artis­tas que refletem a influên­cias con­tem­porâneas da Revol­ta dos Malês. O aces­so à exposição é gra­tu­ito nas quar­tas-feiras.

O curador da exposição, João Vic­tor Guimarães, expli­cou à Agên­cia Brasil que real­i­zou uma pesquisa sobre práti­cas artís­ti­cas que trazem alguns dos pilares da revol­ta.

“Temos a própria ideia de que, para alcançar um obje­ti­vo comum, é necessário ced­er. Os malês tin­ham como plano matar todos os bran­cos e os negros que não se con­vertessem ao islamis­mo. No entan­to, para a revol­ta avançar, eles nego­cia­ram com irman­dades cristãs e ter­reiros de Can­domblé”, desta­cou João Vic­tor.

A revolta

Mar­ca­da para o dia 25 de janeiro, data que cel­e­bra­va o fim do Ramadã, mês sagra­do para os muçul­manos, a revol­ta foi ante­ci­pa­da em um dia após uma delação.

“Ven­do que tin­ham que ante­ci­par a revol­ta, lançaram-se à car­ga de qual­quer maneira: a situ­ação não com­por­ta­va mais esperas”, con­tou Clóvis Moura.

Vesti­dos com roupas tradi­cionais dos mulçu­manos na Bahia, os rebeldes lutaram pelas ruas da anti­ga cap­i­tal brasileira, ten­tan­do lib­er­tar o escra­vo Pací­fi­co Licutã, que esta­va pre­so, mas não con­seguiram.

“Ver­dadeira carnific­i­na. As posições mais van­ta­josas dos legais, além da supe­ri­or­i­dade de arma­men­tos, fiz­er­am com que os insur­re­tos fos­sem defin­i­ti­va­mente bati­dos”, com­ple­tou Moura.

Entre as lid­er­anças da insur­reição, estavam prin­ci­pal­mente os negros nagôs (iorubás), mas tam­bém havi­am hauças, tapas e de várias out­ras nações africanas, tan­to escrav­iza­dos, quan­to livres.

Entre os líderes do movi­men­to, encon­tram-se os escravos Pací­fi­co Licutã e Ahu­na, além do pre­to for­ro Bel­chior da Sil­va Cun­ha, que empresta­va a casa para as reuniões, assim como Lupis San­im e Manuel Calafete.

O his­to­ri­ador João José Reis expli­ca, em sua obra, que a maior inde­pendên­cia de que gozavam os escravos urbanos, tra­bal­han­do nas ruas para seus sen­hores, facil­i­tou a orga­ni­za­ção da revol­ta.

“Em ger­al, os escravos per­cor­ri­am toda a cidade tra­bal­han­do para seus próprios sen­hores ou, prin­ci­pal­mente, con­trata­dos por ter­ceiros para serviços even­tu­ais. Muitos escravos sequer moravam na casa sen­ho­r­i­al”, enfa­ti­zou.

Clóvis Moura con­ta que as lutas escravas ao lon­go dos quase 400 anos de escravidão no Brasil con­seguiam des­gas­tar a classe sen­ho­r­i­al em aspec­tos políti­co, econômi­cos e psi­cológi­cos.

“Quem exam­i­na a doc­u­men­tação desse perío­do da nos­sa história encon­tra, como uma con­stante, o medo dessas class­es diante do grande número de escravos e da sua pos­sív­el con­sciên­cia da explo­ração a que estavam sujeitos. O exem­p­lo do Haiti é con­stan­te­mente referi­do por essas autori­dades”, diz Clo­vis Moura.

Em 1804, o Haiti con­quista a inde­pendên­cia após uma rev­olução dos escrav­iza­dos que fun­dam a primeira Repúbli­ca negra lib­er­ta das Améri­c­as.

 

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