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Ribeirinhos no Amazonas reclamam de falta de assistência durante seca

Repro­dução: © Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Eles citam falta de cestas básicas, de acesso à água potável e energia


Pub­li­ca­do em 23/11/2023 — 08:10 Por Luciano Nasci­men­to — Repórter da Agên­cia Brasil — Man­aus

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Moradores de comu­nidades ribeir­in­has e de flu­tu­antes encal­ha­dos no Rio Negro relatam sofr­er “aban­dono” por parte do poder públi­co local e estad­ual. Entre as situ­ações estão a fal­ta de rece­bi­men­to de ces­tas bási­cas, de aces­so à água potáv­el e ener­gia elétri­ca.

Segun­dos relatos ouvi­dos pela Agên­cia Brasil, alguns moradores estari­am com difi­cul­dades para con­seguir se ali­men­tar, pas­san­do até fome. Eles tam­bém recla­mam de difi­cul­dades de aces­si­bil­i­dade para deixar o local onde moram e ir às áreas urbanas da região met­ro­pol­i­tana de Man­aus, em bus­ca de ali­men­tos e cuida­dos de saúde.

As famílias que vivem em flu­tu­antes encal­ha­dos na região con­heci­da como ilhas, do out­ro lado da ponte Jor­nal­ista Phe­lippe Daou, que sep­a­ra Man­aus do municí­pio de Iran­du­ba, pas­sam por situ­ação de pri­vação, em alguns casos sem aces­so à ener­gia elétri­ca e água, sem rece­ber ces­tas bási­cas, chamadas de ran­cho e anun­ci­adas pelo poder públi­co munic­i­pal e estad­ual.

Um dess­es moradores, o com­er­ciante Fran­cis­co Aldir Fer­reira, 51 anos, vende far­in­ha, açú­car, pão e out­ros itens em um pequeno flu­tu­ante encal­ha­do no leito do rio. Ele con­tou à Agên­cia Brasil que as cer­ca de 80 famílias estão sem aces­so à água encana­da. No local onde seu comér­cio está encal­ha­do, local­iza­do pouco depois do dis­tri­to Cacau Pirêra, moram cer­ca de 80 famílias.

“A gente sente fal­ta de mui­ta coisa. Água, mer­cado­ria, comi­da tam­bém. Às vezes, a pes­soa traz ran­chos [ces­tas bási­cas] e não entre­ga dire­ito pra gente. O prefeito tam­bém não liga”, rela­tou. “Às vezes chega a luz, às vezes não tem. É uma briga feia”, disse o com­er­ciante.

A vende­do­ra autôno­ma Onete Moraes, 31 anos, infor­mou que há cer­ca de cin­co dias a água não apare­cia nos canos.

Manaus (AM), 22/11/2023, Chão rachado devido ao nível baixo do rio Igarapé Tarumã-açu, na maior seca em 121 anos que Manaus vem sofrendo. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Man­aus — Chão racha­do dev­i­do ao nív­el baixo do Rio Igara­pé Tarumã-açu — Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

“A água é com­pli­ca­da, dia que vem, dia que não vem, enten­deu? Está muito difí­cil essa seca, piorou para todo mun­do, nem pescar está dan­do. Tudo seco, não tem condições. Olha só quan­tos quilômet­ros a gente tem que andar para chegar lá na beira do rio, já está quase em Man­aus”, afir­mou. “Então, para todo mun­do ficou muito difi­cul­toso nes­sa seca aqui, está hor­rív­el mes­mo, difí­cil”.

Diante da situ­ação, Onete e alguns moradores decidi­ram ini­ciar uma ocu­pação em área seca. A medi­da tem por obje­ti­vo forçar a prefeitu­ra a con­stru­ir mora­dias para quem vive em flu­tu­antes.

“A prefeitu­ra eu creio que tem condições de dar uma mora­dia assim para o povo do flu­tu­ante, enten­deu? Mas em casas que é na beira da rua”, disse Onete, que lem­brou a situ­ação de moradores de flu­tu­antes encal­ha­dos nas local­i­dades chamadas de ilhas. “Essa é a situ­ação da pop­u­lação ribeir­in­ha e das palafi­tas que têm aí para trás. Tem casa pra lá ain­da, são piores do que nós, porque aqui ain­da tem como puxar um cano de água e para eles lá, nem ener­gia tem. Então, a gente não tem que falar só por um, mas por todos que estão aqui, que vivem essa situ­ação, de seca”, afir­mou.

Nes­sas local­i­dades, a exem­p­lo de Ilha Iran­du­ba, Pon­ta da Piraí­ba, Ala­gadiço e out­ras, é que a situ­ação é mais drás­ti­ca. Além da fal­ta de ener­gia, do aces­so à água potáv­el, para con­seguir ali­men­tos, os moradores têm que enfrentar cam­in­hadas de mais de uma hora em meio ao leito lama­cen­to do Rio Negro.

É o caso do pescador Adri­ano Rodrigues, 38 anos, que a cada dois dias faz a trav­es­sia para com­prar água. À Agên­cia Brasil ele expli­cou que, além de estar sem ener­gia elétri­ca há cer­ca de dois meses, a água que os moradores uti­lizam vem de uma cacim­ba cava­da em uma das ilhas.

“Sem luz e toman­do água da cacim­ba. Se quis­er, como faço, eu vou lá na feira e tra­go cin­co, seis gar­rafas na cos­ta. Toda viagem que vou, levo esse saquin­ho para traz­er com as gar­rafas den­tro. Durante todo esse tem­po, foram seis gar­rafões de água”, rela­tou. “Se não tivesse a bici­cle­ta do fil­ho dele [disse apon­tan­do para out­ro pescador], eu iria andan­do e ia ser pior ain­da. De vez em quan­do, ten­ho que ir ao médi­co e andar tudo isso para chegar lá”, reclam­ou.

Segun­do Rodrigues, há mais famílias em out­ros tre­chos do rio que pas­sam por situ­ações ain­da mais drás­ti­cas. Ele disse que mes­mo que o rio encha até o fim do ano, a per­spec­ti­va é de que só con­sigam des­en­cal­har seus flu­tu­antes em janeiro.

“Todos estão pas­san­do pela mes­ma situ­ação. Tem gente mais para den­tro ali, ato­la­do, que não tem condições de sair. E vai sair depois de nós. Saí­mos primeiro porque ain­da é bar­co, mas os flu­tu­antes saem depois, porque não tem condição, talvez a gente vá sair daqui para janeiro, ou lá para o fim de dezem­bro”, obser­vou.

Raimun­do Lucas da Sil­va, 61 anos, pescador ami­go de Rodrigues, criti­cou a ausên­cia do poder públi­co que, segun­do ele, só apare­ceu uma vez para entre­gar ces­tas bási­cas aos ribeir­in­hos das ilhas.

“A situ­ação aqui está precária, esta­mos den­tro da lama, sem aju­da de gov­er­no, de prefeito, vereador, não temos aju­da de nada. Sem poder sair para nen­hum can­to, só para Cacau Pirêra, para Man­aus você não pode sair. Esta­mos aqui des­de que começou a secar e até ago­ra está assim. Quan­do o rio encher é que vamos poder sair”, disse. “Teve uma seca grande, ficou tudo seco, mas foi rápi­do. Ago­ra, essa que esta­mos atrav­es­san­do aqui está difí­cil mes­mo, não temos apoio do gov­er­no. O prefeito veio aqui uma vez, deu uma ces­tin­ha bási­ca deste taman­ho” falou, ges­tic­u­lan­do para mostrar um pequeno pacote.

“Ele [o prefeito] foi emb­o­ra, aban­do­nou a gente, ped­i­mos aju­da para faz­er uma escav­ação para as canoas poderem pas­sar, ir para o out­ro lado com­prar um gelo, porque você está ven­do essa água. Peg­amos água de uma cacim­bin­ha. Esta­mos sem luz há dois meses”, acres­cen­tou.

Agên­cia Brasil entrou em con­ta­to com a prefeitu­ra de Iran­du­ba, mas não teve retorno.

Em Man­aus, nas comu­nidades do bair­ro Tarumã-mir­im, na zona rur­al, a situ­ação tam­bém é pre­ocu­pante dev­i­do a prob­le­mas de deslo­ca­men­to e não rece­bi­men­to de ces­tas bási­cas. Na comu­nidade Nos­sa Sen­ho­ra De Fáti­ma, for­ma­da por cer­ca de duas mil pes­soas, moradores citam uma úni­ca entre­ga de ces­ta bási­cas para a pop­u­lação local, no iní­cio de out­ubro.

O vice-pres­i­dente da Asso­ci­ação dos Moradores da Comu­nidade Nos­sa Sen­ho­ra de Fáti­ma, Lázaro Fur­ta­do de San­tos, 65 anos, disse que os cer­ca de 2 mil habi­tantes têm sofri­do para man­ter o sus­ten­to e se ali­men­tar.

Manaus (AM), 22/11/2023, Lázaro Furtado dos Santos, vice-presidente da Associação dos Moradores da Comunidade Nossa Senhora de Fátima, fala sobre a maior seca em 121 anos que Manaus vem sofrendo. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Man­aus — Lázaro Fur­ta­do dos San­tos, vice-pres­i­dente da Asso­ci­ação dos Moradores da Comu­nidade Nos­sa Sen­ho­ra de Fáti­ma — Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

“Olha, a difi­cul­dade tem, prom­e­ter­am aqui um ran­cho [ces­ta bási­ca], para nós não, para a comu­nidade, né? Em 200 ces­tas bási­cas vier­am cin­co itens para cada família. Não veio nem uma ces­ta bási­ca, veio um qui­lo de arroz, meio de fei­jão, um pacote de café de 100g, um óleo, um açú­car. Para quem veio açú­car não veio óleo, para quem veio far­in­ha, não veio o açú­car e assim foi suces­si­va­mente”.

San­tos disse ain­da que os moradores esper­am a con­strução de uma estra­da asfal­ta­da lig­an­do a comu­nidade à zona urbana de Man­aus. Segun­do ele, as obras tiver­am iní­cio há alguns anos, mas con­tin­u­am longe da con­clusão.

“Se vier o asfal­to, fica mel­hor para todo mun­do. Caso não ven­ha, se for só uma maquiagem que os políti­cos fazem, quan­do chover não vai ter mais aces­so de novo, vai ficar enla­maça­do, vira buraque­ira”.

Por enquan­to, os moradores uti­lizam uma estra­da de bar­ro, enquan­to aguardam a chega­da do asfal­to para ir a Man­aus. O tra­je­to, porém, é demor­a­do, e, por isso, o meio mais uti­liza­do ain­da é o deslo­ca­men­to pelas águas dos rios. Com a seca, hou­ve aumen­to nos cus­tos com trans­porte feito por moto­taxis­tas, uma vez que é necessário cam­in­har, depen­den­do da comu­nidade, por vários min­u­tos ou até mes­mo horas.

Dona de um restau­rante na comu­nidade, Con­ceição Fer­reira Mar­i­cal, 51 anos, con­heci­da como Cátia, con­tou à Agên­cia Brasil que teve que rea­jus­tar o preço da refeição, por causa do aumen­to com os cus­tos de trans­porte. Ela disse que em tem­pos de cheia, os bar­cos chegam no começo da comu­nidade, mas com a seca, teve que acres­cen­tar o cus­to do trans­porte para não ter pre­juí­zo.

Manaus (AM), 22/11/2023, Conceição Ferreira Marical, a Cátia, vende almoço para população da comunidade de Nossa Senhora de Fátima, comenta as dificuldades que vem vivendo com o nível baixo do rio Igarapé Tarumã-açu, na maior seca em 121 anos que Manaus vem sofrendo. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Man­aus — Con­ceição Fer­reira Mar­i­cal, a Cátia, vende almoço para pop­u­lação da comu­nidade de Nos­sa Sen­ho­ra de Fáti­ma — Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

“Tá muito difí­cil traz­er as coisas de lá [Man­aus]. Gas­ta­mos muito para chegar aqui. Eu ven­dia min­ha refeição a R$ 10,00 e aumentei R$ 2,00, o pes­soal até reclam­ou, mas aleguei que é pre­ciso enten­der que, ago­ra, esta­mos gas­tan­do muito para chegar aqui. Lá [em Man­aus] eu pego o car­ro para descer a Mari­na, R$ 40,00. Aí eu pago o pes­soal para car­regar, vão mais R$ 30,00. Aqui, pego um mototáxi, são R$ 10,00 a cada viagem. Gas­ta­mos muito para chegar”, disse.

A prefeitu­ra de Man­aus infor­mou que, na primeira fase da Oper­ação Esti­agem, 481 famílias de 11 comu­nidades da região do Tarumã-Açú rece­ber­am aju­da human­itária forneci­da pelo municí­pio, com 606 ces­tas bási­cas, 6.100 litros de água potáv­el e 379 kits de higiene, além de poços arte­sianos nas comu­nidades Tiú e São Sebastião.

De acor­do com a prefeitu­ra, a oper­ação ben­efi­ciou ain­da 77 comu­nidades ribeir­in­has de Man­aus com 6.229 ces­tas bási­cas, 4.833 kits de higiene e 43.120 litros de água potáv­el, incluin­do 23.660 moradores ribeir­in­hos da cap­i­tal ama­zo­nense.

“Na segun­da fase, ini­ci­a­da na sem­ana pas­sa­da com auxílio do gov­er­no fed­er­al no val­or de R$ 3,6 mil­hões, por meio do Min­istério da Inte­gração e do Desen­volvi­men­to Region­al, o obje­ti­vo da prefeitu­ra de Man­aus é levar aju­da human­itária a 81 comu­nidades ribeir­in­has, incluin­do as local­izadas na região do Tarumã-Açu”, diz nota encam­in­ha­da pela asses­so­ria. A Agên­cia Brasil tam­bém entrou em con­ta­to com o gov­er­no estad­ual, mas não obteve retorno.

 

Edição: Graça Adju­to

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