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Rio quer ampliar proibição de celular na escola; pedagogos questionam

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Consulta pública sobre o tema foi lançada pela prefeitura


Pub­li­ca­do em 12/12/2023 — 07:33 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A prefeitu­ra do Rio de Janeiro lançou nes­sa segun­da-feira (11) con­sul­ta públi­ca para col­her opiniões sobre a proibição do uso de celu­lares e out­ros dis­pos­i­tivos eletrôni­cos como tablets, note­books e smart­watch­es durante todo o horário esco­lar. Des­de agos­to, vig­o­ra um decre­to munic­i­pal impedin­do que alunos uti­lizem ess­es equipa­men­tos den­tro das salas de aulas. Na con­sul­ta públi­ca, a sociedade civ­il será ouvi­da sobre a ampli­ação dessa medi­da para incluir o recreio e os inter­va­l­os.

O municí­pio ale­ga ser o primeiro do país a ado­tar medi­das recomen­dadas pela Orga­ni­za­ção das Nações Unidas para a Edu­cação, a Ciên­cia e a Cul­tura (Unesco) em seu Relatório de Mon­i­tora­men­to Glob­al da Edu­cação de 2023. O doc­u­men­to foi pub­li­ca­do em jul­ho. Ao ser procu­ra­da pela Agên­cia Brasil, a Unesco afir­mou que, em nen­hum momen­to, hou­ve recomen­dação para a proibição do uso de celu­lares ou de qual­quer out­ro equipa­men­to tec­nológi­co em sala de aula.

De acor­do com a enti­dade, o relatório foi pro­duzi­do por um grupo de pesquisadores inde­pen­dentes e traz um debate sobre a questão. “O uso do celu­lar em sala de aula, quan­do for exces­si­vo e não for apli­ca­do para fins pedagógi­cos, pode traz­er alguns pre­juí­zos para a apren­diza­gem dos estu­dantes. É impor­tante for­mar pro­fes­sores e tam­bém ori­en­tar os estu­dantes para uti­lizar os celu­lares em sala de aula ape­nas para fins pedagógi­cos”.

O relatório divul­ga­do pela Unesco tem uma série de con­clusões. Ele infor­ma que exis­tem pou­cas evidên­cias do val­or agre­ga­do da tec­nolo­gia dig­i­tal na edu­cação e que a tec­nolo­gia evolui mais rápi­do do que é pos­sív­el aval­iá-la. Tam­bém apon­ta que o dire­ito à edu­cação é, cada vez mais, sinôn­i­mo de dire­ito à conec­tivi­dade, emb­o­ra ain­da exista grande desigual­dade no aces­so à inter­net. Ain­da assim, o relatório recon­hece que, em diver­sos lugares do mun­do, a tec­nolo­gia dig­i­tal pos­si­bil­i­tou ampli­ar o alcance dos recur­sos de ensi­no e apren­diza­gem.

Há out­ras con­clusões de destaque: os pro­fes­sores muitas vezes se sen­tem desprepara­dos e inse­guros para dar aulas usan­do tec­nolo­gia, enquan­to o con­teú­do dig­i­tal é pro­duzi­do por gru­pos dom­i­nantes e ben­e­fi­cia prin­ci­pal­mente estu­dantes instruí­dos, de país­es ricos. Uma pre­ocu­pação diz respeito à segu­rança de dados: lev­an­ta­men­to mostrou que 89% dos 163 pro­du­tos de tec­nolo­gia recomen­da­dos durante a pan­demia de covid-19 tin­ham a capaci­dade de cole­tar infor­mações de cri­anças. Por fim, o relatório con­tabi­liza que quase um quar­to dos país­es proibiu o uso de celu­lares nas esco­las.

No Rio, o decre­to assi­na­do em agos­to pelo prefeito Eduar­do Paes definiu que os alunos devem man­ter guarda­dos na mochi­la seus dis­pos­i­tivos tec­nológi­cos durante as ativi­dades didáti­cas. Eles poderão ser usa­dos ape­nas sob autor­iza­ção e ori­en­tação do pro­fes­sor, para fins pedagógi­cos. Sem faz­er menção especí­fi­ca a qual­quer tipo de sanção, o decre­to dá ao docente a atribuição de ado­tar medi­das para o cumpri­men­to das regras, deven­do ser apoia­do pela equipe gesto­ra da unidade de ensi­no.

No site da prefeitu­ra, qual­quer pes­soa pode opinar sobre a exten­são da proibição aos inter­va­l­os e recreio. Ao anun­ciar nes­sa segun­da-feira (11) o lança­men­to da con­sul­ta públi­ca, o secretário munic­i­pal de Edu­cação, Renan Fer­reir­in­ha, defend­eu a ampli­ação. “A gente acred­i­ta que esco­la é um lugar para con­vivên­cia social, onde a cri­ança tem que ir para inter­a­gir com os ami­gos, para brin­car, para cor­rer, para se diver­tir. Se man­tém o celu­lar, ela fica iso­la­da na sua própria tela”, disse.

Renan Fer­reir­in­ha avaliou que há uma epi­demia de dis­trações com o uso exces­si­vo de celu­lares e redes soci­ais e obser­vou que diver­sos estu­dos asso­ci­am o vício em dis­pos­i­tivos dig­i­tais à redução da curiosi­dade, baixa autoes­ti­ma, casos de depressão e de out­ros dis­túr­bios men­tais. “Não pode ser nor­mal uma cri­ança ter uma crise de ansiedade porque não con­segue ficar sem usar o seu celu­lar. Não podemos ficar inertes ven­do isso acon­te­cer”, acres­cen­tou.

Ponderações

Pub­li­ca­do na últi­ma terça-feira (5) pela Orga­ni­za­ção para a Coop­er­ação e Desen­volvi­men­to Econômi­co (OCDE), o relatório do Pro­gra­ma Inter­na­cional de Avali­ação de Estu­dantes (Pisa) de 2022 mostrou que alunos que usam dis­pos­i­tivos dig­i­tais entre cin­co a sete horas por dia tiver­am pon­tu­ação média menor nos testes. Por out­ro lado, rev­el­ou que, usa­do de for­ma cor­re­ta, o celu­lar mel­ho­ra o desem­pen­ho esco­lar. Além dis­so, indi­cou que a proibição nem sem­pre se mostra efi­caz: alunos de país­es onde o uso do celu­lar é veda­do na esco­la não tem desen­volvi­do capaci­dade para o uso mais respon­sáv­el do dis­pos­i­ti­vo.

A ped­a­goga Rose­mary dos San­tos, pesquisado­ra da Fac­ul­dade de Edu­cação da Baix­a­da Flu­mi­nense, da Uni­ver­si­dade do Esta­do do Rio de Janeiro (Uerj), crit­i­ca a proibição. Ela avalia que a esco­la pre­cisa dis­cu­tir e prob­lema­ti­zar as questões que estão colo­cadas na sociedade. Em sua visão, proibir é jog­ar o prob­le­ma para debaixo do tapete.

“Não adi­anta. Alunos vão usar os celu­lares escon­di­dos. E a esco­la vai ter que atu­ar naque­la lóg­i­ca do vigiar e punir. As tec­nolo­gias hoje estru­tu­ram a sociedade. É impos­sív­el hoje viv­er sem aces­so à inter­net. A inter­net é um dire­ito humano. Se você não tem aces­so, está excluí­do social­mente. Quase tudo o que você faz é por meio da tec­nolo­gia. Você faz paga­men­tos usan­do a inter­net, faz down­load de um arqui­vo PDF para estu­dar”, obser­va. De acor­do com a pesquisado­ra, proibir é recon­hecer que não con­segue dialog­ar sobre uma questão que está pre­sente na vida social.

“O aluno vai usar em todos os lugares, menos na esco­la? Que lugar é esse da esco­la que abre mão de dis­cu­tir o que é viven­ci­a­do por todo mun­do? O uso exces­si­vo não se dá porque o aluno usa o celu­lar na esco­la, mas sim porque ele usa em todo lugar. As questões que emergem a par­tir desse uso pre­cisam ser prob­lema­ti­zadas em sala de aula. Não é o uso na esco­la que pode ger­ar depressão ou que pode levar o aluno a con­teú­dos inad­e­qua­dos. É o uso na sociedade. E a esco­la é um local ade­qua­do para essa dis­cussão. Se o exces­so de uso de tela gera prob­le­mas, a esco­la pre­cisa dis­cu­tir”, insiste.

Rose­mary chama atenção para um doc­u­men­to pub­li­ca­do em 2014 tam­bém pela Unesco. Inti­t­u­la­do Dire­trizes de Políti­cas para a Apren­diza­gem Móv­el, ele elen­ca exper­iên­cias pos­i­ti­vas e desta­ca a importân­cia da edu­cação em tec­nolo­gia. Segun­do a pesquisado­ra, exis­tem diver­sas pos­si­bil­i­dades de uso dos dis­pos­i­tivos dig­i­tais envol­ven­do pro­je­tos de leitu­ra, de pod­cast, de pro­dução de vídeo, entre out­ras. “A esco­la pre­cisa pro­mover isso com os alunos. Eu ten­ho um pro­je­to para dis­cu­tir na sala de aula questões que apare­cem nas redes soci­ais: racis­mo, homo­fo­bia, fenô­menos da ciber­cul­tura”, exem­pli­fi­ca.

Capacitação

Para Gilber­to San­tos, pro­fes­sor da Fac­ul­dade de Edu­cação da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB), a real­iza­ção de uma con­sul­ta públi­ca sobre qual­quer assun­to é algo pos­i­ti­vo por reforçar o fun­ciona­men­to da democ­ra­cia. Mas ele tam­bém faz pon­der­ações sobre a proibição.

“O uso efi­caz do celu­lar na sala de aula é intrin­si­ca­mente depen­dente da qual­i­fi­cação dos pro­fes­sores para fazê-lo. A lit­er­atu­ra téc­ni­ca está cheia de exem­p­los de usos inter­es­santes e cria­tivos do celu­lar, como par­ceiro do pro­fes­sor, como ele­men­to que dinamiza a relação educa­ti­va e esta­b­elece conexão entre o que se pas­sa na esco­la e o que se pas­sa for dela. No entan­to, todos os exem­p­los deman­dam capac­i­tação de pro­fes­sores”, obser­va.

Gilber­to lamen­tou que o Brasil não faça inves­ti­men­tos para qual­i­ficar docentes em uso de tec­nolo­gia em sala de aula. “Sem capac­i­tação ade­qua­da, a tec­nolo­gia, seja ela qual for, pode acabar atra­pal­han­do. E, nesse caso, pode acabar sendo mel­hor proibir, o que é uma pena. A saí­da é inve­stir na qual­i­fi­cação dos pro­fes­sores, fazen­do-os capazes de usar a tec­nolo­gia em sala da aula para con­tribuir com a for­mação de cidadãos mais inte­gra­dos com a própria sociedade tec­nológ­i­ca”.

Segun­do o pesquisador, a esco­la pode ser uma ali­a­da na pre­venção de dis­túr­bios men­tais asso­ci­a­dos à tec­nolo­gia. “O que causa essas doenças é o uso inde­ter­mi­na­do e viciante dess­es dis­pos­i­tivos, que trans­for­mam as pes­soas em roboz­in­hos, fre­quen­tan­do ape­nas redes soci­ais sem sen­ti­do e por­tais e sites que não con­tribuem para a sua for­mação. É isso que provo­ca ansiedade, que provo­ca a sen­sação de estar per­di­do no oceano. A esco­la pode mostrar que é pos­sív­el usar a tec­nolo­gia de maneira inter­es­sante. Mas isso sem­pre depen­derá da ação do pro­fes­sor”.

Edição: Graça Adju­to

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