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Rotatividade de profissionais da vacinação impacta coberturas

Repro­dução: © José Cruz/Agência Brasil/Arquivo

Aumento do número de imunizantes tornou mais complexo o serviço


Pub­li­ca­do em 09/09/2023 — 08:08 Por Viní­cius Lis­boa — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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O pedi­atra Juarez Cun­ha entrou na rede públi­ca de saúde de Por­to Ale­gre em 1985 e par­ticipou dos esforços finais da elim­i­nação da poliomielite no Brasil, doença que teve o últi­mo caso reg­istra­do em 1989 no país. Durante 15 anos atuan­do na pon­ta, em uma unidade de saúde peque­na na per­ife­ria, ele con­ta que tin­ha uma equipe uni­da e enga­ja­da na imu­niza­ção. 

Rio de Janeiro (RJ) - Juarez Cunha para a matéria sobre rotatividade de profissionais na vacinação impacta coberturasFoto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Repro­dução: Juarez Cun­ha  con­ta que o sis­tema de vaci­nação foi fican­do mais com­plexo com o aumen­to do número de imu­nizantes– Arqui­vo pessoal/Divulgação

“Era um grupo de con­cur­sa­dos, todos fun­cionários públi­cos do municí­pio, que con­struíam suas car­reiras ali. Fiquei durante muito tem­po em unidade de saúde, depois fui tra­bal­har em pro­gra­mas de vig­ilân­cia, e depois com mor­tal­i­dade infan­til”, lem­bra o médi­co, que se aposen­tou na car­reira de servi­dor públi­co e atua como con­sul­tor e dire­tor da Sociedade Brasileira de Imu­niza­ções (SBIm). “As vaci­nas me acom­pan­haram em todos os 43 anos de profis­são”.

A pre­sença de tra­bal­hadores expe­ri­entes, entre­tan­to, não é mais a regra nas salas de vaci­na no Brasil. A alta rota­tivi­dade de profis­sion­ais ness­es pos­tos de tra­bal­ho está entre os prob­le­mas apon­ta­dos por espe­cial­is­tas que avaliam as causas da que­da nas cober­turas vaci­nais. As difi­cul­dades se agravam com a com­plex­i­dade cada vez maior do cal­endário vaci­nal, que chega a ter 20 vaci­nas atual­mente, e com a cres­cente inse­gu­rança espal­ha­da pelos gru­pos de pes­soas que são con­tra vaci­nas, os anti­vacin­istas, nas redes soci­ais. 

“A sala de vaci­nação ficou uma área da unidade de saúde que tem uma deman­da muito grande de for­mação, de roti­nas. Se você tem uma alta rota­tivi­dade, isso atra­pal­ha muito a per­for­mance desse local”, avalia Cun­ha.

“Quan­do a gente ini­cia com o PNI na déca­da de 1970, a gente tin­ha BCG, pólio oral, trí­plice bac­te­ri­ana e saram­po. Eram qua­tro vaci­nas. E o reg­istro era man­u­al. Atual­mente a gente tem uma quan­ti­dade muito grande de vaci­nas ofer­tadas e tem que ali­men­tar os sis­temas do Min­istério da Saúde. E tem que ter toda a respon­s­abil­i­dade pela rede de frios, para que as vaci­nas sejam ade­quada­mente con­ser­vadas. É um tra­bal­ho que se tornou bas­tante com­plexo”.

Lidar com toda essa logís­ti­ca e com as roti­nas cor­re­ta­mente requer uma capac­i­tação sól­i­da, que é prej­u­di­ca­da quan­do ocorre a tro­ca con­stante dos profis­sion­ais respon­sáveis pela vaci­nação. “A alta rota­tivi­dade tem diver­sos motivos, inclu­sive desval­oriza­ção dos profis­sion­ais, ter­ce­i­riza­ção. A gente aca­ba ten­do uma alta rota­tivi­dade, o que é pés­si­mo. Quan­do as pes­soas estão capac­i­tadas ou seguras do que estão fazen­do são deslo­cadas para out­ros locais e ativi­dades. Isso inter­fere na per­for­mance das cober­turas vaci­nais”.

Carreiras

Inte­grante da coor­de­nação de epi­demi­olo­gia da Asso­ci­ação Brasileira de Saúde Cole­ti­va (Abras­co), Maria Rita Don­al­i­sio diz acred­i­tar que esse é um prob­le­ma sério a ser enfrenta­do para a retoma­da das altas cober­turas vaci­nais.

“Com tan­to inves­ti­men­to na pro­dução de insumos nacionais, com o min­istério garan­ti­n­do a con­tinuidade dos flux­os, garan­ti­n­do a cadeia de frios, mas chega na pon­ta, a gente não garante a qual­i­dade”.

Rio de Janeiro (RJ) - Rita Donalisio para a matéria sobre rotatividade de profissionais na vacinação impacta coberturasFoto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Repro­dução:  Rita Don­al­i­sio defende que o for­t­alec­i­men­to da atenção primária garante a mel­ho­ra das cober­turas vaci­nais- Arqui­vo pessoal/Divulgação

A médi­ca defende que é com o for­t­alec­i­men­to da atenção primária que é pos­sív­el garan­tir a mel­ho­ra desse serviço e a inte­gral­i­dade do cuida­do. Em vez dis­so, ela vê uma pri­or­iza­ção a atendi­men­tos even­tu­ais de casos agu­dos, como em unidades de pron­to atendi­men­to, onde as pos­si­bil­i­dades de con­fer­ên­cia da cader­ne­ta de vaci­nação, por exem­p­lo, são muito menores. 

“É pre­ciso inves­ti­men­to em car­reira, esta­bil­i­dade, con­cur­so públi­co, para que ess­es profis­sion­ais pos­sam ser treina­dos e cada vez mais adquirirem exper­iên­cia e serem refer­ên­cia na vaci­nação. Inve­stir nos profis­sion­ais, por meio de con­cur­sos e car­reiras, por meio de remu­ner­ação jus­ta, é inve­stir no SUS e no PNI”, afir­ma.

“Não é fácil con­ferir uma cader­ne­ta de vaci­nação. É uma tare­fa com­plexa e que pre­cisa de treina­men­to”, con­clui.

Insegurança

A enfer­meira e dire­to­ra da Sociedade Brasileira de Imu­niza­ções (SBIm) Mayra Moura tra­bal­ha com a capac­i­tação de profis­sion­ais da pon­ta, incluin­do os da sala de vaci­na. Além da difi­cul­dade de gerir o tra­bal­ho em si, ela acres­cen­ta que profis­sion­ais pouco expe­ri­entes ou mal capac­i­ta­dos tam­bém não trans­mitem segu­rança à pop­u­lação, que cada vez mais bus­ca os pos­tos de saúde com dúvi­das espal­hadas na inter­net.

“Se você não respon­der às per­gun­tas das pes­soas, e se você não acred­i­ta ou não tem segu­rança do que você está falan­do, a gente perde a opor­tu­nidade, deixa aque­la pes­soa ir emb­o­ra e reduz a adesão da pop­u­lação”, afir­ma. “Essa rota­tivi­dade [de profis­sion­ais] é um prob­le­ma crôni­co. O tema vaci­na é um tema com­plexo. Não que seja difí­cil, mas exige estu­do, exige ded­i­cação, exige tem­po. E a for­mação dess­es profis­sion­ais ded­i­ca um tem­po pequeno per­to do que é pre­ciso. A grande maio­r­ia sai de um cur­so téc­ni­co ou de uma fac­ul­dade com um con­hec­i­men­to raso e bási­co. E quan­do vai tra­bal­har na sala de vaci­na pre­cisa se capac­i­tar. Leva tem­po até ele ter práti­ca sufi­ciente para bater o olho em uma cader­ne­ta de vaci­nação e saber o que tem que faz­er. Com a rota­tivi­dade, ele não tem esse tem­po”. 

Mayra Moura afir­ma que a neces­si­dade dessa capac­i­tação mais apro­fun­da­da tam­bém aca­ba afa­s­tan­do profis­sion­ais como téc­ni­cos de enfer­magem, que muitas vezes pre­cisam ter mais de um emprego e não dis­põem de tem­po para estu­dar o sufi­ciente. A val­oriza­ção dessas car­reiras, por­tan­to, é um cam­in­ho para mel­ho­rar a qual­i­dade do serviço nas salas de vaci­na.

Rio de Janeiro (RJ) - Mayra Moura para a matéria sobre rotatividade de profissionais na vacinação impacta coberturasFoto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Repro­dução: Mayra Moura ressalta que profis­sion­ais pouco expe­ri­entes ou mal capac­i­ta­dos não trans­mitem segu­rança à pop­u­lação e podem afas­tar opor­tu­nidade de pre­venção — Arqui­vo pessoal/Divulgação

“Essa já é uma luta prin­ci­pal­mente da enfer­magem, com o piso salar­i­al, que já é ten­ta­do há mais de 20 anos. Para que a gente con­si­ga ter uma ded­i­cação mel­hor ao tra­bal­ho dele e não pre­cise ter dois ou três empre­gos para se sus­ten­tar. E, com isso, teria tem­po para se dedicar. E a val­oriza­ção não é salar­i­al. A val­oriza­ção pas­sa por capac­i­tação tam­bém. Pas­sa por enx­er­gar que o profis­sion­al pre­cisa de uma capac­i­tação, de uma super­visão, que pre­cisa de atu­al­iza­ção. Não adi­anta capac­i­tar e cin­co anos depois a pes­soa ain­da não ter uma atu­al­iza­ção”. 

Desafio

A fix­ação de profis­sion­ais na atenção bási­ca é uma neces­si­dade que está no radar do Min­istério da Saúde, que tem entre suas lin­has de ação o próprio pro­gra­ma Mais Médi­cos. Em entre­vista à Rádio Nacional da EBC, a min­is­tra Nísia Trindade clas­si­fi­ca como fun­da­men­tal o papel dos profis­sion­ais da pon­ta, que são aque­les que fazem a vaci­nação acon­te­cer. 

“Isso só é pos­sív­el com profis­sion­ais qual­i­fi­ca­dos. Sabe­mos que, em muitas áreas, essa rota­tivi­dade é maior, o que aumen­ta a nos­sa respon­s­abil­i­dade para ter planos de fix­ação dos tra­bal­hadores no Sis­tema Úni­co de Saúde, apoiar municí­pios nes­sa ini­cia­ti­va. Temos feito isso, mas sabe­mos que o desafio real­mente é enorme. E, prin­ci­pal­mente, tra­bal­har com plano foca­do em edu­cação em cam­po, em for­mação em cam­po. 

Além da sala de vaci­na, a min­is­tra sub­lin­ha tam­bém a neces­si­dade de capac­i­tação dos agentes comu­nitários de saúde e agentes de endemias, que vão a cam­po aumen­tan­do a capi­lar­i­dade do Pro­gra­ma Nacional de Imu­niza­ções e do Sis­tema Úni­co de Saúde.

“Nós apoiamos a for­mação de agentes comu­nitários de saúde e agentes de endemias, e ago­ra já vamos apoiar uma segun­da tur­ma pelo Min­istério da Saúde. A lei que os con­sid­era profis­sion­ais de saúde foi san­ciona­da pelo pres­i­dente Lula no iní­cio da gestão. E, com isso, nós esper­amos envolver não só ess­es profis­sion­ais, mas os profis­sion­ais da enfer­magem, que são cen­trais nesse proces­so de avançar nes­sas ações de pre­venção e pro­moção da saúde”. 

Edição: Aline Leal

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