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Roteiro a pé resgata memória LGBTQIA+ no centro do Rio

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Percurso foi elaborado por roteirista e antropóloga


Pub­li­ca­do em 24/06/2023 — 07:40 Por Viní­cius Lis­boa — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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O Rio de Janeiro é cita­do com fre­quên­cia nas lis­tas inter­na­cionais de mel­hores des­ti­nos de viagem para a pop­u­lação LGBTQIA+, e, em espe­cial, para os gays. Mas, a memória da resistên­cia dos car­i­o­cas por dire­itos iguais e para exercer iden­ti­dades de gênero e ori­en­tações sex­u­ais dis­si­dentes do padrão difi­cil­mente faz parte dess­es roteiros. Para res­gatar essa história, o pro­je­to Rolé vai realizar neste sába­do (20) o Rolé Col­ori­do, que pas­sa por locais onde a pop­u­lação LGBTQIA+ do Rio de Janeiro encon­trou espaço para viv­er a diver­si­dade des­de o sécu­lo 19.

A visi­ta guia­da ocorre a par­tir das 10h, com iní­cio na Praça Tiradentes, e o per­cur­so pro­pos­to pelo estú­dio M’Baraká e pelo escritor e roteirista Guil­herme Mace­do per­manece como con­vite a con­hecer um out­ro lado do cen­tro da anti­ga cap­i­tal do Império e da Repúbli­ca.

Mace­do é um dos respon­sáveis pela pro­gra­mação, com base em um tra­bal­ho de pesquisa que começou como pro­je­to de pod­cast e roteiro de série, mas vai gan­har as ruas como uma visi­ta de fato. A per­cepção de que era pre­ciso traçar esse per­cur­so começou na pan­demia de covid-19, ao lado da antropólo­ga Pao­la Lins.

“No iso­la­men­to, percebe­mos que, com tudo fecha­do, não tin­ha nada LGBT na rua, a cidade ficou hétero de repente. Uma cidade tão col­ori­da como o Rio de Janeiro ficou cin­za. E a gente ficou refletindo sobre esse apaga­men­to, em que vários lugares que exis­tem e que são lugares por onde já pas­saram tan­tas fig­uras LGBT impor­tantes não são recon­heci­dos.”

Com a pro­pos­ta do Rolé Col­ori­do, o roteirista espera que as pes­soas se inter­essem mais, pro­curem mais e se sin­tam per­ten­centes a ess­es espaços. “O que a gente está fazen­do ago­ra se comu­ni­ca com uma ideia de ances­tral­i­dade, de faz­er um trib­u­to a quem veio antes da gente e abriu esse espaço para a gente. E é para saber que a gente pode dar segui­men­to a esse tra­bal­ho”, con­ta.

Praça Tiradentes

A ideia de começar a visi­ta pela Praça Tiradentes não é sem propósi­to, expli­ca ele. Des­de o sécu­lo 19, a praça é um espaço de social­iza­ção da pop­u­lação LGBTQIA+ na noite do cen­tro do Rio. Essa é uma história que, de difer­entes for­mas, se repetiu ao lon­go do sécu­lo 20 e tam­bém no sécu­lo 21.

“No sécu­lo 19, você tin­ha reg­istros poli­ci­ais que apon­tavam uma movi­men­tação sus­pei­ta na praça depois das 20h, e dizia que as pes­soas que cir­culavam por lá eram os fres­cos, como chamavam os homos­sex­u­ais pas­sivos, e, jun­to com eles, os fan­chonos, que eram chama­dos os ativos na época. Isso tudo em reg­istros poli­ci­ais”, rela­ta. “É uma história muito ante­ri­or a Stonewall, com as reações e vio­lên­cias acon­te­cen­do tam­bém. Se a gente tivesse sido ven­ci­do na primeira vio­lên­cia, a gente não estaria onde a gente está. Hou­ve mui­ta resistên­cia. Por mais que não fos­se crim­i­nal­iza­da, a homos­sex­u­al­i­dade era patol­o­giza­da e enquadra­da como crime de aten­ta­do ao pudor. Você era pre­so, nas bre­chas da lei, por ser gay, trav­es­ti e sap­atão. Essas pes­soas estão na luta des­de o sécu­lo 19″.

Ao redor da Praça Tiradentes, estão difer­entes pon­tos e camadas tem­po­rais dessa história. O ter­reno que hoje é ocu­pa­do pelo edifí­cio do Hotel Ibis já foi a Casa de Cabo­clo, onde Madame Satã surgiu nos pal­cos pela primeira vez como trav­es­ti, e tam­bém o Hotel São José, onde acon­te­cia a Gay­fieira — uma gafieira gay — na déca­da de 1970, em ple­na ditadu­ra mil­i­tar.  Na déca­da de 1940, durante o Esta­do Novo, o Teatro João Cae­tano, tam­bém ao redor da praça, rece­beu o Baile dos Enx­u­tos, even­to car­navale­sco para gays e trav­es­tis.

Mace­do desta­ca que essa história chegou ao sécu­lo 21. Em 2015, lés­bi­cas realizaram o Iso­porz­in­ho das Sap­atão para reivin­dicar vis­i­bil­i­dade, e os arredores da praça abri­garam até recen­te­mente casas de shows e boates voltadas ao públi­co LGBTQIA+, como o Cine Ide­al e o Espaço Acús­ti­ca.

“É um per­cur­so de pas­sa­do e de pre­sente. De coisas que con­tin­u­am acon­te­cen­do”, define o roteirista, que tam­bém é um homem gay do Rio de Janeiro. “Com essa pesquisa, eu me sin­to muito mais orgul­hoso, muito mais per­ten­cente ao mun­do, a ess­es espaços que estão ali há mais tem­po do que a gente imag­i­na­va. Sin­to orgul­ho de estar em um lugar que é tão icôni­co, porque quan­do você con­hece a história, você cria um sen­ti­men­to de reverên­cia e, ao mes­mo tem­po, de per­tenci­men­to, que é algo impor­tante para a comu­nidade”.

Rua da Carioca

O per­cur­so da visi­ta segue para a tradi­cional Rua da Car­i­o­ca, famosa por seus sobra­dos e lojas de instru­men­tos musi­cais. A primeira para­da é o Cine Íris. Ded­i­ca­do a pornochan­chadas e arte eróti­ca e pornográ­fi­ca des­de a déca­da de 1970, tem seu públi­co prin­ci­pal­mente for­ma­do por home­ns gays, com uma pro­gra­mação que já incluiu shows de strip-tease, inclu­sive de mul­heres trans.

Rio de Janeiro (RJ), 20/06/2023 - Sede do Grupo Arco-Iris no centro da cidade. Roteiro pelo centro do Rio passa por lugares importantes para a história e memória da comunidade LGBTQIA+ e visita lugares de convivência e de luta do movimento.
Repro­dução: Sede do Grupo Arco-Íris no cen­tro da cidade do Rio de Janeiro. Tânia Rêgo/Agência Brasil

A segun­da para­da é o Grupo Arco-Íris, uma das mais anti­gas enti­dades LGBTQIA+ da cidade. Cri­a­da em 1993 para pro­mover o bem estar e os dire­itos da pop­u­lação LGBTQIA+ e soropos­i­ti­va, o grupo orga­ni­za des­de 1995 a Para­da LGBTQIA+ de Copaca­bana, a maior da cidade.

Lapa

Viz­in­ho à Praça Tiradentes, o bair­ro da Lapa, na região cen­tral do Rio, é con­sid­er­a­do uma con­tinuidade dessa efer­vescên­cia pelo roteirista. Na Lapa, estão ain­da hoje bares e casas de show que abraçam a diver­si­dade, e Mace­do expli­ca porque é tão impor­tante incluir espaços de fes­ta na memória da resistên­cia LGBTQIA+.

“A gente reforça o fato de que é necessário um espaço de social­iza­ção e afe­to. É uma pop­u­lação que sofria vio­lên­cias o tem­po todo. E como você vai exercer o seu dese­jo e a sua iden­ti­dade dessa for­ma? O espaço de afe­to e social­iza­ção era fora de casa. Todo mun­do social­iza através do dese­jo e, se você não pode exerci­tar o seu dese­jo den­tro da sua casa, você vai exerci­tar fora. As pes­soas ten­tam faz­er com o que elas têm”.

A primeira para­da na Lapa é o clube Tur­ma Ok, fun­da­do em 1961. Ele é con­sid­er­a­do o mais anti­go clube que reúne LGBTQIA+ do Brasil que con­tin­ua em ativi­dade. A casa pro­move reuniões entre os sócios, recebe con­vi­da­dos e apoiadores para almoços, noites de bin­go e espetácu­los de var­iedades, como shows de gogob­oys e trans­formis­tas.

A pre­sença históri­ca das trav­es­tis na Lapa é rev­er­en­ci­a­da com uma pas­sagem pelo Casarão de Lua­na Muniz, onde viveu a trav­es­ti que abrigou e ori­en­tou out­ras mul­heres trans que depen­di­am da pros­ti­tu­ição para sobre­viv­er. Lua­na ficou nacional­mente famosa, quan­do, ao ser reg­istra­da pelo pro­gra­ma Profis­são Repórter, da TV Globo, pro­feriu a frase “trav­es­ti não é bagunça”, que se tornou um gri­to de resistên­cia da pop­u­lação trans.

Dois cabarés tam­bém fazem parte da pro­gra­mação na Lapa. Ain­da em ativi­dade, o Cabaré da Jacke, uma trav­es­ti empreende­do­ra, pro­move fes­tas e shows e empre­ga out­ras trav­es­tis no local que já foi a boate Sinôn­i­mo, out­ro famoso pon­to de encon­tro da pop­u­lação LGBTQIA+. Já no Cabaré Casano­va, que não fun­ciona mais, ícones como Lau­ra de Vison, Meime dos Bril­hos e Madame Satã fiz­er­am história com suas apre­sen­tações.

Cinelândia

A parte final do tra­je­to é na Cinelân­dia, onde o per­cur­so encon­tra a luta de Marielle Fran­co para aprovar o Dia da Vis­i­bil­i­dade Lés­bi­ca. Um ano antes de seu assas­si­na­to, a vereado­ra mobi­li­zou uma agen­da de lutas cole­ti­vas com o pro­je­to de lei, que foi rejeita­do em 2017. Em respos­ta, o movi­men­to de lés­bi­cas real­i­zou uma ocu­pação nas escadarias da Câmara dos Vereadores, o Ocu­pa Sap­atão. A luta pelo dia de vis­i­bil­i­dade con­tin­u­ou até que a lei fos­se aprova­da, em 2022.

Assim como o Cine Íris, o Cine Rex se tornou pon­to de encon­tro entre home­ns homos­sex­u­ais e bis­sex­u­ais no sécu­lo 20 pela exibição de filmes pornográ­fi­cos em um espaço com pri­vaci­dade. Ao seu lado, a pro­gra­mação ter­mi­na no Teatro Rival, espaço que mar­cou época com apre­sen­tações de trav­es­tis pio­neiras da cidade, como Rogéria, Mar­que­sa, Brigitte de Búzios, Jane Di Cas­tro, Div­ina Valéria, Eloí­na dos Leop­ar­dos, Camille K e Fuji­ka de Hal­l­i­day. Ain­da hoje, a arte LGBTQIA+ se faz pre­sente na pro­gra­mação, e o Rivalz­in­ho, bar ao lado, é pon­to de fes­tas con­sid­er­a­do amigáv­el para a comu­nidade.

“É impor­tante que a pop­u­lação ten­ha não só uma plaquin­ha ness­es lugares, mas que haja mais rolés assim. A ideia é não parar no cen­tro, é per­cor­rer o Rio de Janeiro inteiro. Porque o Rio de Janeiro inteiro e o Brasil inteiro têm vestí­gios, reg­istros e memória LGBT”, define Guil­herme Mace­do.

 

Edição: Car­oli­na Pimentel

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