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São Sebastião: verticalizar orla marítima pode gerar mais problemas

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Alerta é de especialistas ouvidos pela Agência Brasil


Pub­li­ca­do em 28/02/2023 — 08:25 Por Elaine Patri­cia Cruz – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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Depois das  fortes chu­vas no litoral norte paulista, que provo­caram a morte de pelo menos 65 pes­soas, o Poder Públi­co começou a dis­cu­tir soluções para abri­gar as famílias que perder­am suas mora­dias em São Sebastião, no litoral norte, a cidade mais atingi­da pela tragé­dia. 

No últi­mo fim de sem­ana, o vice-pres­i­dente da Repúbli­ca e min­istro do Desen­volvi­men­to, Indús­tria, Comér­cio e Serviços, Ger­al­do Alck­min, afir­mou que a habitação para essas pop­u­lações que vivem em áreas de risco é uma das pri­or­i­dades do atu­al gov­er­no. “O pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va já se com­pro­m­e­teu com a questão habita­cional. No extra-teto, chama­do waiv­er, o recur­so que mais cresceu foi para o setor. São R$ 10,5 bil­hões. Terão pri­or­i­dade aqui as regiões de risco e o litoral”, disse Alck­min, após visi­ta a São Sebastião.

O gov­er­nador de São Paulo, Tar­cí­sio de Fre­itas, infor­mou na sem­ana pas­sa­da, tam­bém em visi­ta à região, que bus­ca soluções para que novas mora­dias pos­sam ser con­struí­das na cidade, que enfrenta prob­le­mas de fal­ta de ter­renos planos e seguros. No últi­mo sába­do (25), ele pub­li­cou no Diário Ofi­cial a desapro­pri­ação de uma área par­tic­u­lar, de mais de 10 mil met­ros quadra­dos, para a con­strução de mora­dias pop­u­lares.

“Já está­va­mos tra­bal­han­do em um plano de habitação para todo o litoral paulista e isso envolve tam­bém a desmo­bi­liza­ção de palafi­tas na Baix­a­da San­tista. Temos ago­ra essa urgên­cia e, com a prefeitu­ra de São Sebastião, esta­mos via­bi­lizan­do áreas para serem trans­feri­das à CDHU [Com­pan­hia de Desen­volvi­men­to Habita­cional e Urbano do Esta­do de São Paulo], para que a gente pos­sa ini­ciar pro­je­tos habita­cionais em áreas seguras, fora de áreas de risco”, disse o gov­er­nador.

Out­ra alter­na­ti­va em análise, a fim de solu­cionar o prob­le­ma da fal­ta de áreas planas para a con­strução de mora­dias ade­quadas em São Sebastião, é a ver­ti­cal­iza­ção urbana, ou seja, aumen­tar a altura dos pré­dios na cidade. “Se temos pou­cas áreas disponíveis, é pre­ciso aproveitar ao máx­i­mo essas áreas. Esta­mos dis­cutin­do a flex­i­bi­liza­ção de gabar­i­to para a con­strução em áreas seguras. Hoje, temos a pos­si­bil­i­dade de con­stru­ir até 9 met­ros [de altura] e quer­e­mos ver se con­seguimos chegar a até 15 met­ros. Então, teríamos condição de, em uma mes­ma área, aproveitar mais o ter­reno”, afir­mou na ocasião.

A medi­da, no entan­to, não agra­da a espe­cial­is­tas que foram con­sul­ta­dos pela Agên­cia Brasil. Para o arquite­to e urban­ista Ander­son Kazuo Nakano, pro­fes­sor do Insti­tu­to das Cidades da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Paulo (Unife­sp), a ver­ti­cal­iza­ção em orla marí­ti­ma pode ger­ar mais prob­le­mas para a cidade. “A ver­ti­cal­iza­ção em orla marí­ti­ma é o padrão que temos des­de a con­strução de Ipane­ma e Copaca­bana. E em alguns lugares, prin­ci­pal­mente em São Sebastião, onde a faixa urban­izáv­el é estre­i­ta e muito próx­i­ma às pra­ias, isso pode prej­u­dicar muito a qual­i­dade pais­agís­ti­ca. Uma ver­ti­cal­iza­ção inad­e­qua­da, exces­si­va e descon­tro­la­da, em vez de ser solução, pode ger­ar mais prob­le­mas. Isso tem que ser feito com muito cuida­do”, afir­mou. Segun­do Nakano, a medi­da pode sobre­car­regar o espaço urbano, já que as ruas e vias em São Sebastião são muito estre­itas.

A geó­grafa Ana Paula Ichii Folador aler­ta que out­ro prob­le­ma da ver­ti­cal­iza­ção pode ser o aumen­to da espec­u­lação imo­bil­iária na região litorânea. “Acred­i­to que [a ver­ti­cal­iza­ção] pode ser uma alter­na­ti­va para abri­gar os que perder­am suas mora­dias, acho que as pes­soas terem um lugar seguro para morar é pri­or­i­dade, e isso pode ser feito com plane­ja­men­to para que não altere tan­to a pais­agem. Porém, a ver­dade é que essa pos­si­bil­i­dade pode abrir brecha para a con­strução de pré­dios des­ti­na­dos ao tur­is­mo, o que só vai aumen­tar a espec­u­lação imo­bil­iária”, disse.

Ana Paula acres­cen­ta que a ver­ti­cal­iza­ção tam­bém pode agravar out­ras questões, como as ambi­en­tais e “de sobre­car­ga de resí­du­os e de ener­gia, que já são um prob­le­ma ali”.

“Exis­tem man­sões sem sanea­men­to bási­co em Mare­sias, por exem­p­lo. Na pas­sagem de ano, por exem­p­lo, fal­tam água e ener­gia elétri­ca. E isso aumen­ta a ocu­pação em áreas de risco, porque aumen­ta a deman­da de tra­bal­ho”, comen­tou a geó­grafa.

São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo.
Repro­dução: São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruí­das em desliza­men­tos na Bar­ra do Sahy após tem­pes­tades no litoral norte de São Paulo. — Rove­na Rosa/Agência Brasil

De acor­do com Ander­son Nakano, uma solução mel­hor para aten­der ao prob­le­ma de fal­ta de mora­dias ade­quadas em São Sebastião seria uti­lizar espaços que estão ociosos e até a con­strução de casas gem­i­nadas. “Acho que é pre­ciso pen­sar em aproveitar os espaços subu­ti­liza­dos que estão per­to da pra­ia, às vezes den­tro de con­domínios fecha­dos e que são ter­ras ociosas. Deve-se tam­bém pen­sar na con­strução de peque­nas vilas hor­i­zon­tais, com casas gem­i­nadas, den­tro dess­es con­domínios ou ao lado deles. Essa talvez seja uma alter­na­ti­va mel­hor”, obser­vou.

O mais impor­tante, defen­d­em os espe­cial­is­tas, é que essas soluções sejam ampla­mente dis­cu­ti­das com a pop­u­lação local. “O proces­so de remoção e alo­cação de moradores, prin­ci­pal­mente de baixa ren­da, pre­cisa ser feito com muito cuida­do. Isso não pode ser uma coisa autoritária e impos­i­ti­va, sem con­hecer as neces­si­dades das pes­soas. Ás vezes, pegar uma pes­soa e colocá-la a 30 quilômet­ros de dis­tân­cia do local onde mora não vai resolver nada, porque ela já tem uma vida ali”, acres­cen­tou Nakano.

“Acabou de sair um decre­to que fala sobre a desapro­pri­ação de uma área em local seguro des­ti­na­da à con­strução de mora­dia pra quem perdeu tudo ali na Bar­ra do Sahy. Essa é uma solução sim, mas ela tem que ser con­stan­te­mente avali­a­da e tra­bal­ha­da jun­to com out­ras questões. O que as fez ir para lá? O que impede que out­ras pes­soas façam o mes­mo? Fis­calizar e reti­rar as pes­soas de lá e deixar por isso mes­mo não é uma solução, é tapar o sol com a peneira. Elas irão para out­ra área de risco”, disse a geó­grafa.

Nakano lem­bra que essa realo­cação das pes­soas pre­cisa tam­bém ser fei­ta de for­ma comu­nitária. “Talvez seja pre­ciso ten­tar faz­er uma realo­cação em grupo, porque eles já têm uma rede comu­nitária e de sobre­vivên­cia. Isso tem de ser feito com cuida­do e de for­ma muito par­tic­i­pa­ti­va. Jog­ar uma pes­soa muito dis­tante do seu local de tra­bal­ho, dos par­entes e dos ami­gos, da esco­la e do pos­to de saúde que ela cos­tu­ma uti­lizar,  aca­ba não sendo uma solução porque ela aca­ba voltan­do para o local de origem e isso aca­ba se tor­nan­do um novo ciclo”, aler­tou o urban­ista.

Moradias provisórias

Enquan­to essas dis­cussões avançam, o gov­er­no paulista anun­ciou que pre­tende con­stru­ir mora­dias pro­visórias para as pes­soas que ficaram desabri­gadas ou desa­lo­jadas em São Sebastião após as chu­vas. “Vamos faz­er a con­strução de mora­dias pro­visórias [chamadas de vila de pas­sagem]. Vamos con­stru­ir uma mora­dia digna, provavel­mente gem­i­na­da, para aproveitar o máx­i­mo de área pos­sív­el. Vamos mobil­iar essas mora­dias e colo­car parte dessas pes­soas. Se ten­ho 12 mil met­ros quadra­dos [de ter­reno disponív­el], farei uma parte de vila de pas­sagem e em out­ra começo uma con­strução habita­cional”, expli­cou o gov­er­nador.

Essas vilas de pas­sagem, segun­do Tar­cí­sio, poderão ser via­bi­lizadas “total­mente pela ini­cia­ti­va pri­va­da” e serão per­ma­nentes, mas as pes­soas viverão nelas de for­ma tran­sitória. “É uma vila per­ma­nente, mas as pes­soas não terão a pro­priedade dessas casas. Elas vão tran­si­tar por elas. E aí eu crio um fluxo”, expli­cou o gov­er­nador. “Quan­do a pes­soa for para a vila de pas­sagem, ela saberá que o próx­i­mo pas­so é chegar a uma mora­dia [defin­i­ti­va]” Uma das empre­sas que poderá aju­dar na con­strução dessas casas pro­visórias, adiantou o gov­er­nador, é a Vale. O gov­er­no paulista, no entan­to, ain­da não deu uma pre­visão de pra­zo para que essas casas pro­visórias sejam con­struí­das e pos­sam ser habitadas.

A Sec­re­taria de Desen­volvi­men­to Urbano e Habita­cional infor­mou que o atendi­men­to ime­di­a­to às famílias de São Sebastião será feito por meio da ofer­ta de auxílio-mora­dia. “Out­ras áreas para novos con­jun­tos habita­cionais nas local­i­dades atingi­das estão sendo iden­ti­fi­cadas para ampli­ar a ofer­ta de mora­dias. Tam­bém serão disponi­bi­lizadas cer­ca de 150 das 1.500 unidades habita­cionais de um empreendi­men­to feito com o apoio da sec­re­taria, em parce­ria com a União em Bertio­ga. O con­jun­to tem entre­ga pro­gra­ma­da para os próx­i­mos meses”, diz a sec­re­taria em nota.

Edição: Graça Adju­to

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